Saúde

Um grande estudo sobre maconha e saúde mental revelou quão pouco sabemos

As descobertas não significam que a cannabis não ajuda na saúde mental – só que precisamos de mais pesquisa sobre os efeitos da maconha na mente.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
person holding a nugget of weed and a woman lying on a bed
ZOA PHOTO/Stocksy, Mauro Grigollo/Stocksy

Em abril de 2019, mais pessoas pesquisaram na internet sobre CBD que sobre acupuntura, vinagre de maçã, meditação, exercícios, veganismo ou vacinas (e isso foi durante um surto de sarampo).

CBD, um químico encontrado na planta de cannabis, está tendo bombando nos EUA agora, depois de ser sequestrado pelo império do bem-estar por sua suposta habilidade de ajudar com várias distúrbios, como ansiedade, insônia e depressão. A indústria de CBD nos EUA deve crescer para quase US$ 2 bilhões em 2022, e o uso geral de cannabis nos EUA cresceu 43% entre 2007 e 2015, e agora a droga é legal para uso medicinal em 33 estados americanos. Apesar da onipresença do CBD, esse interesse não foi acompanhado por uma quantidade igual de pesquisas sobre seus benefícios para a mente.

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Uma nova revisão e meta-análise publicada esta semana no The Lancet Psychiatry observou os efeitos de canabinoides na saúde mental em quase 40 anos de pesquisa, e as descobertas não pareciam boas: eles escreveram que havia “pouca evidência” para apoiar que cannabis melhora sintomas de saúde mental, levando a uma matéria no Guardian intitulada “Os riscos do uso de cannabis para saúde mental superam os benefícios”, que dizia “o uso de remédios de cannabis para tratar pessoas com depressão, ansiedade, psicoses ou outras questões de saúde mental não pode ser justificado porque há pouca evidência de que eles funcionam ou são seguros”. A Time concluiu também que “Há 'pouca evidência' de que cannabis ajuda na saúde mental”.

Essa revisão revela algo que muitos profissionais de saúde já sabiam: não temos evidências suficientes para dizer que cannabis pode tratar transtornos de saúde mental. Isso não significa necessariamente que maconha não ajuda em nada – só significa que não sabemos. (E como os riscos de uso de cannabis de longo prazo são bem documentados, claro que isso superaria benefícios de que não tínhamos consciência.)

“O velho ditado de que ausência de evidência não significa necessariamente ausência de eficácia é verdade aqui”, disse Harry Sumnall, professor de uso de substâncias do Liverpool John Moores Public Health Institute no Reino Unido, que não estava envolvido na revisão.

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Encontrar falta de evidências não é razão para jogar a toalha. Deve ser uma motivação para conduzir estudos mais rigorosos, especialmente considerando a ascensão do uso de cannabis e produtos derivados especificamente para saúde mental, e com partes do público decidindo que cannabis ajuda a tratar seus sintomas.

As pessoas já estão usando cannabis – tanto THC como CBD – para melhorar sua saúde mental. Em 2017, um estudo descobriu que as pessoas percebiam que a cannabis era um jeito eficiente de tratar muitas condições, e que alguns estavam substituindo remédios prescritos como benzodiazepinas (para ansiedade) e antidepressivos por cannabis. Num estudo de 2018 com mais de 2.400 usuários de CBD, 64% disseram que usavam CBD para uma condição médica – as três principais sendo dor, ansiedade e depressão.

Só porque seu amigo boy ou influencer gringo favorito do Instagram usam CBD e dizem que isso melhora a ansiedade não é o suficiente para determinar se a cannabis é eficaz para esse propósito. Esse tipo de evidência é chamada de anedótica e pode ser imensamente poderosa, especialmente se a experiência aconteceu com você. Mas não é assim que decidimos que tratamentos são seguros e eficazes. Mesmos resultados de um único estudo podem não ser suficiente, especialmente em se tratando de áreas difíceis como saúde mental. Considerando o fato de que pesquisadores ainda estão debatendo se inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI) são mais eficazes que placebos para depressão – e esses medicamentos estão no mercado há décadas e não têm problemas ligados a legalidade que resultam em barreiras para pesquisa. Essa é uma razão para cientistas escreverem revisões e meta-análises, para tentar combinar descobertas de muitos estudos.

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Os autores da nova revisão buscaram estudos publicados entre 1980 e 2018, incluindo estudos não publicados e ainda em andamento, onde canabinoides medicinais foram dados a adultos para tratar depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, síndrome de Tourette, transtorno de estresse pós-traumático ou psicose. No final, eles incluíram 83 estudos, 30 deles eram estudos clínicos randomizados controlados – considerados o padrão de ouro de estudos médicos.

Os resultados foram mistos. “Nossas análises e conclusões são limitadas pela pequena quantidade de dados disponíveis, estudos pequenos e heterogeneidade dos resultados entre os estudos”, os autores escreveram.

Eles descobriram que THC farmacêutico melhorava sintomas de ansiedade, mas só para pessoas que já tinham outras condições médicas como dor crônica. Essa é uma ressalva importante. Se, por exemplo, o principal objetivo de um estudo era ver se cannabis podia ajudar com dor crônica e a depressão da pessoa também melhorava, é difícil dizer se a cannabis tratou a depressão, ou se quando a dor melhorou a pessoa se sentiu menos deprimida.



Em um estudo que a revisão analisou, cannabis farmacêutica americana piorou sintomas de psicose, enquanto em outro, cannabis farmacêutica não mostrou nenhum efeito significativo em transtornos mentais, mas foi ligada a aumento de efeitos colaterais. Os autores apontaram que há poucos estudos clínicos randomizados controlados para serem revisados que testavam CBD farmacêutico ou cannabis medicinal. Outra questão é que muita gente não usa cannabis farmacêutica ou medicinal, eles compram a droga recreativa – então os estudos não podia levar em conta essa variável.

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“Para fazer mais conclusões confiáveis precisamos de mais evidências; mas no momento não há muito que possa apoiar, guiar ou informar o uso de canabinoides para transtornos mentais”, disse Louisa Degenhardt, diretora do Centro de Pesquisa Nacional de Drogas e Álcool da Universidade de Nova Gales do Sul em Sydney, e autora sênior da revisão.

Kevin Hill, um psiquiatra especialista em vício do Beth Israel Deaconess Medical Center e professor-assistente de psiquiatria de Harvard, disse que qualquer profissional de saúde que trata pacientes que usam cannabis regularmente, de maneira recreativa ou medicinal, não ficaria surpreso com as evidências mistas e esparsas que os autores tiveram que analisar.

“Tem muito mais coisas que não sabemos sobre cannabis e CBD do que coisas que sabemos”, disse Hill. “Com um interesse tão intenso em cannabis e CBD como tratamento para condições médicas incluindo transtornos psiquiátricos, é uma decepção que a taxa e escala das pesquisas não tenha acompanhado esse interesse.”

Cannabis é uma droga de Classificação 1, o que é uma barreira para pesquisas, mas financiamento é uma barreira maior, disse Hill. Ele acha que estados e empresas lucrando com cannabis e CBD deveriam contribuir com a ciência. “Na maior parte, eles não estão fazendo isso”, disse Hill. “Uma porção dos lucros de venda de cannabis e CBD deveria ser colocada para encontrar respostas importantes sobre eficácia e segurança.” Esse é um processo que sabemos que funciona, mesmo para algo como CBD: testes em grande escala foi como descobrimos que CBD podia ser útil para epilepsia infantil, e agora a substância é aprovada pelo FDA para esse uso.

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Tudo isso é importante porque com transtornos de saúde mental, usar algo que não ajuda pode acabar prejudicando mais a pessoa eventualmente. Se alguém com depressão usa CBD ou cannabis medicinal diariamente e não funciona (ou só piora as coisas), a pessoa não vai melhorar. Isso pode afetar a qualidade de vida em geral, e a capacidade da pessoa de trabalhar e ter uma vida social.

Sem mais estudos, também podemos estar perdendo parte da biologia básica cercando o uso de cannabis. No começo do ano, um pequeno estudo observou registros médicos de 25 pessoas que usavam cannabis, e descobriu que elas precisavam de mais anestesia para continuarem sedadas durante certos procedimentos médicos. Quando os autores procuraram pesquisa já existente para ver se outros profissionais de saúde tinham visto o mesmo, eles descobriram que seu estudo era o primeiro sobre o tópico. “Fizemos uma grande busca por literatura e não encontramos nada”, disse Mark Twardowski, doutor em osteopatia, a VICE em abril. “Sério?”

E muitos produtos de CBD continuam desregulando: Em 2017, um estudo no JAMA descobriu que só 30% dos produtos de CBD vendidos online tinham rótulos corretos, e ano passado, um estudo no Forensic Science International encontrou maconha sintética e dextrometorfano, um ingrediente de xarope para tosse, em líquido de cigarro eletrônico de CBD.

“Com milhões de americanos usando cannabis e CBD para diversas condições médicas, deveríamos estar conduzindo testes rigoroso para ver se cannabis e CBD realmente são eficazes para tratar essas condições”, disse Hill. “Os EUA tem potencial para liderar esse trabalho e ainda não fizemos isso.”

Até que mais pesquisa seja feita, devemos ter cuidado com alegações exageradas cercando a cannabis dos dois lados: que ela não faz nada ou que é uma panaceia – nosso vácuo de conhecimento é grande demais pra isso.

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