FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

PF prende notório troll racista, misógino e homofóbico das redes brasileiras

Marcelo Valle Silveira Mello é um troll e incel brasileiro dedicado exclusivamente a atacar minorias e disseminar o discurso de ódio.
marcelo_divulgação
Marcelo em 2015 após ser abordado pela equipe do Profissão Repórter. Imagem: Reprodução.

A Polícia Federal deflagrou hoje (10), no estado do Paraná, a Operação Bravata, que investiga crimes de racismo, ameaça e incitação na internet, além de suposta prática de terrorismo. O foco principal da operação foi Marcelo Valle Silveira Mello, que já se encontra em prisão preventiva desde a manhã, quando a PF o buscou na sua residência em Curitiba.

A presença de Marcelo nas redes sociais brasileira já era bastante conhecida por conta da sua atuação massiva voltada para disseminar discursos de ódio, além de perseguir feministas e fazer o máximo de comentários racistas e misóginos em qualquer lugar da internet. Marcelo foi a primeira pessoa a responder pelo crime de racismo na internet, isso em 2009, quando foi condenado a 1 anos e 2 meses de prisão por causa de seus comentários racistas de 2005 no finado Orkut sobre pessoas atendidas pelo programa de cotas na USP. Ao recorrer da decisão, a defesa de Marcelo entrou com um incidente de insanidade mental o que lhe rendeu uma absolvição pelo crime.

Publicidade

Em 2012, Marcelo foi novamente investigado pelo Polícia Federal na Operação Intolerância. Na época, Valle e seu comparsa Emerson Eduardo Rodrigues Setim mantinham um site chamado “Silvio Koerich”, que alimentavam com postagens odiosas contra negros, judeus, mulheres, homossexuais e nordestinos, além de abertamente apoiarem o Massacre do Realengo em 2011, no qual Welligton Menezes de Oliveira matou 12 crianças. Além disso, havia fortes indícios de que Valle e Setim estavam planejando um ataque contra alunos de curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB). Marcelo e Emerson foram condenados a 6 anos e 6 meses de prisão, mas foram colocados em liberdade em 2013 por um indulto judicial.

Durante as investigações da Operação Intolerância, foi descoberto que Emerson e Marcelo também teriam orientado Welligton a praticar algum ato em nome da seita de misoginia que faziam parte, os Homini Sanctus, que defendiam a prática de abuso sexual contra menores de idade.

Mesmo com antecedentes e uma vasta notoriedade em espalhar conteúdo preconceituoso, Marcelo escapou de duas condenações e continuou atuando como troll nas redes sociais e perseguindo pessoas. Em 2013, criou o site Dogolachan, um fórum onde Marcelo e seus seguidores postavam sem melindres apologia ao estupro de mulheres, abusos de crianças e ameaças constantes contra feministas. Como forma de prejudicar as pessoas que denunciaram a atuação, Marcelo assinava os posts de ódio usando os nomes dos denunciantes. Foi o caso de Silvio Koerich e Robson Otto Aguiar, nomes de desafetos usados em domínios e posts feitos por Valle. Alguns fóruns como o próprio Dogolochan e o 27Chan já estão em polvorosa.

Publicidade

"Não consigo entender como uma pessoa condenada por esses crimes, volta a fazer isso e não é mandada para a cadeia imediatamente", diz Dolores Aronovich, professora da Universidade Federal do Ceará e dona do blog feminista Escreva, Lola, Escreva. Durante cinco anos, Lola sofreu ameaças de morte diárias de Marcelo e de outros homens da mesma quadrilha do troll. Foram inúmeros boletins de ocorrências registrados, milhares de prints contendo agressões e ameaças contra seu marido armazenados por Lola e apresentados perante a polícia.

Misoginia e preconceito não é doença, é crime de ódio. - Lola Aronovich

A maior ação contra a professora e feminista foi em 2015, quando Marcelo criou um domínio com o nome de Aronovich contendo postagens escritas como se fosse a professora defendendo absurdos desde o infanticídio de bebês do sexo masculino, queimas de Bíblias e denúncias de que Lola fez um aborto em uma de suas alunas numa sala de aula da UFC. "Marcelo fez com a intenção assumida que eu fosse reconhecida e linchada na rua", conta ela.

Previsivelmente, Lola nunca foi agredida ou ameaçada por Marcelo e pela sua quadrilha ao vivo. Porém, os ataques contra a sua figura nunca cessaram. "Você vê a covardia do pessoal. Já recebi ameaças de atentados em palestras que eu sou convidada. Porém, dei centenas de palestras e nunca ninguém veio me confrontar, mesmo quando teve discordâncias. Eu sempre fui recebida com carinho."

Publicidade

Ainda em 2015, após Marcelo criar o site contra Lola e mais uma dezena de outros domínios instigando a misoginia e ódio às minorias, foi interpelado pelo programa Profissão Repórter da Globo. Na breve conversa, negou os ataques contra Lola, tentou agredir a equipe de reportagem e disse que mesmo preso sairia em pouco tempo.

As perseguições e ameaças contra Lola em 2015, no entanto, renderam uma vitória. A lei 13.642/2018, conhecida como "Lei Lola", da autoria da deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) foi sancionada pelo presidente Michel Temer em 3 de abril, autorizando a PF a investigar casos de misoginia na internet.


Assista ao nosso documentário sobre pornô de vingança:


Aronovich comemora a prisão preventiva de Marcelo e diz para as mulheres que sofrem ou sofreram a mesma coisa que ela passou nos últimos cinco anos não desistirem. "Eu não tive opção, se eu parasse de falar deles eles não iam parar de falar de mim. As ameaças não iam parar. Eu sou a única feminista que muitos deles conhecem ou virei uma espécie de símbolo desse ódio. (…) As pessoas acham que fico revoltada por que me chamaram de gorda, mas isso pra mim não é ameaça. Tô falando de ameaça de estupro, morte, de querer me incriminar, ameaçar de matar meu marido. Isso pra mim é o pior. Não pode desistir, tem que denunciar. Se una com outras pessoas, porque nós não estamos sozinhas. Não é um caso único e a misoginia é um fato na internet. São ações calculadas para nos calar e criar um clima de incerteza, de medo e expulsar feministas da internet. A internet é um espaço nosso. Que sirva de exemplo para outras pessoas que fazem a mesma coisa e acham que sairão impunes."

Publicidade

“Após a soltura dos dois indivíduos presos na Operação Intolerância ficou muito claro para a polícia que o volume das ameaças, o volume dos crimes e os tipos do crime se alterou e voltou com força total. Ou seja, ficou nítido que assim que os indivíduos (…) foram colocados em liberdade, os crimes voltaram num ritmo inclusive maior do que antes deles serem presos”, disse o delegado da Polícia Federal Flávio Augusto Palma Setti numa coletiva de imprensa feita esta manhã.

Para o juiz que decidiu pelo cumprimento do mandando de prisão contra Marcelo, a sua reclusão é uma questão de garantia pública, visto que ele já havia reincidindo outras vezes. Além da prisão de Marcelo, mandados de busca e apreensão foram cumpridos em outras cidades do Paraná para recolher celulares, computadores e cadernos de anotações.

Marcelo representa uma onda crescente de homens que encontram conforto na internet para destilar ódio em grupos fechados ou chans. Muitas vezes, se tratam de homens que ainda moram com os pais e são frustrados com a própria situação amorosa. também se sentem injustiçados por não receberam o que lhes foi prometido: um emprego importante, salários altos e sexo com mulheres lindas. "Realmente nós não podemos patologizar, mas eu acredito sinceramente que Marcelo e sua quadrilha devem ter alguma questão psicológica para chegar num ponto tão absurdo de odiar alguém. Só que a misoginia e preconceito não é doença, é crime de ódio", afirma Lola.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.