Por que o mascote do Brasil ficou tão pistola?
O Canarinho raivoso mostrou-se uma aposta certeira do marketing da CBF depois do 7x1. Foto: Lucas Figueiredo/CBF

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Por que o mascote do Brasil ficou tão pistola?

O marketing furioso é a bola da vez.

Em maio de 2017, a política brasileira pegava fogo. O depoimento de Lula a Sergio Moro e as propostas de reforma trabalhista e da Previdência esquentavam as ruas. Pela internet, porém, calor mesmo causava o sorriso de um boneco. Naquele mês, torcedores expressavam profunda revolta com a mudança de semblante do mascote da seleção brasileira. Eles queriam que o pássaro simpaticão voltasse a ficar enfezado.

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Aquele episódio que repercutiu por dias confirmou o que a equipe de marketing da CBF pressentia: o Canarinho com cara de mau, mascote lançado em novembro de 2016, já era um sucesso. "O feedback foi instantâneo. Todos queriam a fisionomia sisuda de volta", relembra o assessor de comunicação Fernando Torres.

De início, uma postagem em redes sociais tentou conter os ânimos dos fãs exaltados. No post, a CBF explicava que o Canarinho sorridente era uma versão alternativa, criada para eventos com presença de crianças. Após uma reflexão, a entidade desistiu. "Nunca mais usamos o personagem fofinho", destaca Fernando. Assim, ele ficou carrancudo para sempre.

A ideia de fazer um mascote putaraço começou com a maior tragédia futebolística da seleção. O 7x1 da Alemanha na Copa do Mundo de 2014 destruiu a imagem do time nacional. Os profissionais do marketing da CBF entenderam que era preciso criar um personagem símbolo. Porém, com rosto pouco usual entre mascotes. "O briefing era que ele tivesse uma fisionomia enfezada, como é o nosso torcedor, que não gosta de perder", resgata o assessor.

A equipe captou mesmo o sentimento. Em poucos meses, já havia uma penca de páginas temáticas do mascote em redes sociais. Cada uma com um sinônimo incorporado: Canarinho Pistola, Canarinho Putaço, Canarinho Boladão… Pistola, gíria popularizada pela internet, acabou se tornando uma espécie de sobrenome não-oficial do boneco.

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"Essa fisionomia, frente à realidade do país e da seleção, foi decisiva para a explosão de popularidade do mascote", reflete o biomédico Fabio Moraes Sarmento, de 33 anos, autor da página Canarinho Pistola. "O brasileiro é conhecido pela irreverência, mas o personagem trouxe à tona nosso lado irritadiço e corneteiro."

O marketing da CBF percebeu esse fenômeno e buscou aproveitar-se dele. "Incentivamos que as páginas continuassem a divulgação", conta Fernando. Por uma questão estratégica, porém, o Canarinho não se apropriou dos adjetivos. "Existe uma questão de duplo sentido. Pistola, por exemplo, poderia passar uma conotação negativa", indica.

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Mesmo sem o apelido, o mascote já teve impacto. O Canarinho acabou barrado pela Fifa, e por isso não poderá acompanhar a seleção brasileira nos eventos oficiais da Copa de 2018, como jogos e treinos. Uma restrição comercial, para que o personagem não ofusque o Zabivaka, lobo siberiano escolhido como símbolo do Mundial.

Restou passear pelas cidades dos jogos, sempre acompanhado do fotógrafo da confederação. Por sinal, com uma perceptível habilidade com a bola no pé. "Três pessoas vestem a roupa do mascote, mas somente um deles foi à Rússia. O cara não é ex-jogador, mas é bom de bola", elogia Fernando, mantendo o segredo sobre quem ele é.

O Canarinho não poderá participar de eventos oficiais da Copa do Mundo. Foto: Lucas Figueiredo/CBF

A origem do mascote canário

Um parêntese para contextualizar a história do termo "canarinho". Ele, obviamente, não existe desde o início da seleção brasileira. Afinal, entre 1914 e 1950, a equipe vestia branco. Com o fracasso na primeira Copa do Mundo do Brasil, o uniforme herdou pecha de agourento, o que levou o jornal Correio da Manhã, do Rio, a fazer campanha pelo redesenho.

Um concurso nacional ganhou apoio da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), a antiga CBF. E o vencedor foi um gaúcho de 19 anos, Aldyr Garcia Schlee, hoje com 84. A proposta do desenhista, apresentada pela entidade em 1953, teve o exato design seguido até hoje - camisa amarela com golas verdes, calção azul e meiões brancos.

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Anunciada a camisa, o jornalista Geraldo José de Almeida apelidou a equipe de Canarinho, em referência às cores das penas do canário-da-terra, passarinho típico do Brasil. Inspirado nisso, o cartunista Mangabeira, de Belo Horizonte, foi pioneiro ao retratar no papel um mascote da seleção brasileira, em 1954, um canarinho.

Na década seguinte, a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, virou a primeira com um mascote oficial - o Leão Willie. Do outro lado do Atlântico, o cartunista Ziraldo recebeu a encomenda de criar um mascote brasileiro, para a empresa Moreira Leite Sports. Surgia o Canarinho Tri, que pouco antes do Mundial foi oficializado pela CBD.

"A desclassificação fez o mascote ficar com fama de azarento, então ele acabou sendo pouco explorado pela confederação nas Copas seguintes", explica o jornalista Léo Gomes, do canal de YouTube Mundo dos Mascotes. Até que, meio século depois, pouco antes do Mundial do Brasil, o passarinho aterrissou novamente.

Para marcar os 100 anos da Seleção, a CBF lançou em 2014 um boneco de pelúcia do Canarinho, com semblante sorridente. Assim como o time em campo, as vendas do bichinho foram uma tragédia. Mas, como brasileiro não desiste nunca, a entidade arquitetou uma jogada arriscada, mas que se mostrou certeira: meteu uma cara de zangado no personagem.

Em outubro de 2016, o Canarinho era relançado como mascote de campo, nas Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa, em Natal. Aquele seria somente o terceiro jogo sob o comando do técnico Tite, e a vaga no Mundial ainda era uma incógnita. A afirmação do boneco, portanto, caminhou de mãos dadas com o resgate da autoestima da equipe.

Com o sucesso de ambos, a CBF quer capitalizar. Em abril, foi lançado um novo boneco de pelúcia do mascote, uma representação do Canarinho - agora sim, o Pistola. O boneco de 40 centímetros tem site próprio de vendas, o Meu Canarinho, onde é comercializado por R$ 99. Além disso, foi espalhado por lojas infantis de todo o país. "A pelúcia é vendida no Museu Seleção Brasileira, aqui na CBF, e nas primeiras 24 horas esgotou todo o estoque inicial de 200 unidades", comemora Fernando Torres.

O sucesso do mascote brasileiro foi tanto que muitos outros clubes passaram a lançar versões enfezadas dos seus. O último a fazer isso foi o São Paulo Futebol Clube. No lugar do rosto do santo Paulo bonzinho, o marketing do time botou um santo enfurecido.

Não resta dúvida que, se o hexa vier na Rússia, o mascote será um dos maiores beneficiados. Para a equipe que o criou, motivo de sobra para cantarolar um verso do maestro Júnior. Voa, Canarinho, Voa!

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