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VICE Sports

Gays e lésbicas que furaram a homofobia do futebol

Batemos um papo com torcedores LGBTQ sobre como é torcer num ambiente machista e heteronormativo.
Edgar, torcedor do Internacional. Crédito: Arquivo pessoal

A heteronormatividade é uma das mentiras mais duradouras do futebol. É assim desde que Charles Miller organizou a primeira pelada na Várzea do Carmo, em São Paulo, em 14 de abril de 1895. Cartolas, atletas, torcedores e a imprensa querem fazer crer que o esporte mais popular do planeta é praticado e amado apenas por héteros. De preferência, homens héteros.

Os últimos anos trouxeram um ingrediente a mais para a discussão. É só o goleiro tocar na bola num tiro de meta para o estádio explodir em coro de 30 mil, 40 mil vozes: "Ôôôôô, bichaaaaaa!". Esse é o preço de ser LBGT e amante de futebol no Brasil.

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"O futebol é o último reduto do homem macho. É desolador. Mas o esporte não está desconectado do mundo. Como conseguiram punir os torcedores do Grêmio no caso do Aranha? Porque racismo é crime. As pessoas precisam ser punidas", pede Luiz Prisco, de anos 30, fã do argentino Diego Simeone e são-paulino que não entende como o seu clube não abraça o orgulho de ser bambi. "Não vou deixar de fazer o que gosto. Nem vou ouvir quem quer me botar para baixo. Mas não temos visibilidade. Você não vê jogadores que gays, eles não podem se assumir com todo esse preconceito nos clubes e na mídia", opina Beatriz Novais, de 20 anos, santista, ex-atleta amadora e futura professora de Educação Física. Bia é lésbica, com muito orgulho e com muito amor. Os homens gays também não são nunca lembrados nas arquibancadas, ainda que possam fazer inveja pela assiduidade e paixão pelos seus clubes. "O Inter esteve em toda a minha infância. Quando não tinha dinheiro, ia de Coreia [setor mais popular do antigo Beira Rio]. Naquele Grenal que o Ronaldinho deu o lençol no Dunga estava de Coreia, por exemplo [também em 1999]. Mesmo antes de sentir mais presença na minha sexualidade, o Inter estava na minha vida", conta Edgar Maciel, de 27 anos. Colorado doente, ele passou três noites na fila para garantir ingresso para a final da Libertadores de 2006, a primeira taça sul-americana do Inter. "Queria que o Inter abrisse os braços para mim e dissesse: 'Você não é menor por ser bicha'". A família abre as portas o futebol entrar, como de costume em tantos lares brasileiros. Não há muito como ser diferente. Não seria a orientação sexual que mudaria isso. "Meu avô foi uma das maiores influências e lembro de muitas tardes de domingo com ele na sala torcendo", explica Clara Lua, 17 anos, estudante que carrega nas veias o sangue palestrino. Herança direta do avô, o responsável por levá-la para jogar quando mais nova também.

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Ingressos, ídolos, rotas de fuga e paixão pela bola. O papo com cada um deles você vê na sequência.

Luiz Prisco, são-paulino. Crédito: Arquivo pessoal

Luiz Prisco, 30, jornalista de Brasília.
O futebol internacional o fisgou com Lazio, Zidane e craques argentinos.

Como o futebol te pegou de vez?
Luiz: Nascer menino e gostar de futebol é quase uma imposição social. No meu caso, bebi na fonte do meu avô materno, torcedor do Fluminense. Meu pai mesmo não era de jogar nem de assistir. Estou com 30 anos e quando tinha 7 anos, o São Paulo tinha aquela máquina, com Raí, Cafu, Muller, Palhinha, Cerezo. Mas me apaixonei mesmo pelo futebol em 1994, com a Copa do Mundo, com a festa toda. Aí tem um segundo momento, do boom da TV a cabo, com ESPN, com a PSN. Entre 2000 e 2001, a Lazio tinha um time com Nedved, Claudio Lopes, Simeone, Verón… Era incrível. E, poxa, é um time com uma torcida fascista, né? Mas foi a Lazio que me fez gostar do futebol internacional. Peguei o auge do antigo Winning Eleven também. Jogava muito aquilo. Meu entretenimento girava e ainda gira em torno do futebol.

Um cara como você poderia ter perdido o gosto pela homofobia do mundo da bola…
Gay conhecer e gostar de futebol espanta as pessoas. E economicamente é burrice. Você encorajar o futebol como esporte de 'macho' é perder pelo menos 50% de público. O Richarlyson é muito melhor que o irmão dele, o Alecssandro [do Palmeiras] e não conseguiu fazer uma carreira. Era pegar na bola e gritavam 'viado'. É como se o Kaká pegasse na bola e chamassem "Hétero! Hétero! Hétero!". É desagradável. Ninguém vai se sentir bem com isso. É doloroso ficar o tempo todo assim. Vendo com os amigos, o Neymar cai e o primeiro xingamento é 'viado'. Começa uma sensação de que não pertenço ao futebol. É difícil achar uma pelada de fim de semana, porque lá estão os xingamentos de novo: "Chuta como homem, não chuta como viadinho". Você entende como os gays se afastam. Fiquei empolgadíssimo com a Copa do Mundo no Brasil. Mas vou para Rússia? Vou para o Catar? Se aqui é assim, imagina por lá! Então o futebol vai ficando como esporte de macho. Enquanto isso, o Super Bowl coloca Lady Gaga no intervalo. O que você acha que poderia ser feito para ter mais mulheres e LGBTs no estádio ou numa organizada?
Criminalizar a homofobia é gerar o consenso de que é um erro. É tirar a visão patriarcal de mundo. Todo xingamento dentro do campo do jogo é sexualizado, transformado em gay e mulher. Juiz é 'filho da puta'. Jogador ruim é 'viado'. O futebol é o último reduto do homem macho. É desolador. Mas o esporte não está desconectado do mundo. Como conseguiram punir os torcedores do Grêmio no caso do Aranha? Porque racismo é crime. As pessoas precisam ser punidas. Os clubes precisam entender isso. Não é tratar gays como extraterrestres no estádio, mas respeito. Se alguém te bater porque está com uma camisa do São Paulo e é gay, você precisa criminalizar esse cara. Os ídolos precisam se posicionar também. O Diego, no Flamengo, e o Rogério Ceni, no São Paulo, são caras que conseguiriam abrir uma conversas dessas. Quem tem mais moral que o Ceni para falar que vão abraçar o apelido de bambi? E os jogadores e jogadoras mais fodas que você viu?
Apesar do nosso papo aqui desconstruidão, assumo que preciso aprender mais sobre as meninas, acompanhar mais. O Zidane tenho em alta conta, pela vida pessoal tranquila, apesar da cabeçada, né? Raí, Leonardo, Kaká são da minha geração. E gosto muito do Simeone. Simeone?
Pois é! Sempre joguei com a camisa 14 por causa dele. Ele sempre jogou na Inter de Milão e na Argentina com a 14. O Ronaldinho [Gaúcho] era foda demais. Lembro de um gol dele contra o Chelsea pela Champions. Estava tudo fechado na entrada da grande área e dá uma sambada na bola e faz de pico no canto! Que golaço!

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Beatriz Novais, torcedora do Santos. Crédito: Arquivo pessoal

Beatriz Novais, 20, estudante de educação física.
Fanática pelo "Santástico", acabou entrando no Pacaembu lotado ao lados dos jogadores do Corinthians. E curtiu muito.

Como o futebol chegou a você?
Bia: Acho que na pré-escola [por volta dos 6 anos]. Venho de uma família dividida: são cinco irmãos, com dois palmeirenses, dois são-paulinos e sou a única santista, por conta da família do meu pai. Mas jogo futebol desde pequena. Entrei em campo quando tinha 12 anos, com Pacaembu lotado, mas foi com o Corinthians… Nossa, como rolou isso?
Jogava na escolinha do Corinthians aqui do [bairro] Cooperativa, em São Bernardo [no ABC]. Entrei com os jogadores todos. Lembro bem da festa. Foi uma sensação que não consigo explicar e por mais que estivesse com a torcida rival não tinha como não sentir aquilo tudo. E quando foi isso?
Em 2007. O jogo terminou 2x1 para Corinthians. Era contra o Figueirense. Até lembro que o Finazzi fez gol [foram dois de Finazzi pelo Corinthians e Chicão descontou para o time catarinense]. Estádio lotado, torcida, aquela adrenalina… Foi mais marcante do que torcer mesmo pelo Santos, para dizer a verdade (risos). E com o Santos? Nunca rolou entrar na Vila Belmiro tirar a zica?
Acredita que nunca fui? Mas vi a final de 2010, do Paulistão. Era para o Santo André ter sido campeão, teve um gol mal anulado, né? Só que tinha o Ganso naquele dia e ele não deixava. Lembro demais disso. Ele segurava a bola, dribla, lançava, jogou muito mesmo. Teve aquele lance clássico do escanteio, que ele só tocou na bola. Final de campeonato é emoção, né? No estádio, então… Já assisti a seleção feminina no Pacaembu, em 2013. Tinha Marta, Talitinha, que jogava muita bola. A Cristiane lembro que não estava. Como é ser mulher e praticar um esporte tão encurralado pelo machismo?
Tem mudado, tem diminuído o preconceito, mas com passos de tartaruga. Lembro que, quando a Marta veio para o Santos, a Band transmitia os jogos. Aí foi ela sair e essa visibilidade diminuiu de novo, voltou a ser quase nada. Então fica nisso: Um jogo de futebol feminino só é transmitido quando é seleção. Falta incentivo dos clubes para isso. Gosto e pratico esporte desde sempre. Era a única menina entre 40 meninos na escolinha. Meu treinador disse que só poderia ficar até aos 14, por conta das mudanças do corpo e da força física dos meninos. Quando comecei a crescer e vi que mulher não tem espaço no futebol, desisti de ser jogadora. É impossível. E jogando também têm diferenças. Por me vestir de forma mais masculina do que feminina, os homens entram mais forte e me tratam como menino. As meninas "mais femininas" não sofrem faltas, eles têm mais cuidado. O que faz você aguentar a homofobia no futebol?
Paixão. O esporte em si é muito maior que qualquer preconceito. É para unir as pessoas. Não acho que porque há quem não respeite que deva deixar de fazer o que gosto. Nem vou ouvir quem quer me botar pra baixo. Acontece que não temos visibilidade. Você não vê jogadores que são gays, eles não podem nem assumir, com todo esse preconceito nos clubes e na mídia.

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Edgar, torcedor do Inter de Porto Alegre. Crédito: Arquivo pessoal

3. Edgar Maciel, 27, colorado e repórter multimídia.
Não sabe a conta de quantos jogos assistiu das arquibancadas do Beira Rio, sua verdadeira casa em Porto Alegre.

Já parou para pensar de onde nasceu o futebol na sua vida?
Edgar: De família. Na verdade, não era colorado. Era gremista, por conta do meu pai. Desde pequeninho ele comprou a camisa do Grêmio, aquela da Coca-Cola, de 1992. Frequentava o estádio com ele e tudo. Mas o irmão mais velho era colorado e tinha ganho a camisa do Inter, também aquela da Coca-Cola, que era lindíssima. Achei muito linda a camisa e ganhei uma do meu irmão. Daí comecei a torcer pelo Inter viciosamente. O Inter teve uma época muito difícil nos anos 90, que não ganhava nem gripe. Na escola, 90% dos meus amigos eram gremistas. Essa coisa só foi melhorar em 2006. Isso depois de piorar muito e quase ser rebaixado no Brasileiro duas vezes no começo dos anos 2000. Estava no estádio naquele golaço do Dunga [em 1999, gol que salvou o Inter do rebaixamento]… Contra o Palmeiras?
Isso. Caí em lágrimas. Me aliviou muito. Tive o maior orgulho de ser colorado naquele dia mesmo quase rebaixado. O Inter foi muito guerreiro naquela partida. Perdemos uma semifinal da Copa do Brasil para o Juventude por 4x0, em 1999, em pleno Beira Rio. Estava lá na social, com um amigo do meu pai. Praticamente todos jogos estava lá. Mesmo na fase ruim. O Inter esteve em toda a minha infância. Quando não tinha dinheiro, ia de Coreia [setor mais popular do antigo Beira Rio]. Naquele Grenal que o Ronaldinho deu o lençol no Dunga estava de Coreia, por exemplo [também em 1999]. Mesmo antes de sentir mais presença na minha sexualidade, o Inter estava na minha vida. Deixo de sair para ver os jogos, seja no celular, na televisão, no Premier. Como é com o namorado? Ele curte futebol também?
Não, na verdade. Mas agora ele para para ver comigo. Ano passado foi um ano que sofri muito, cara. Mesmo quando estava na casa dele, ele parava para ver comigo, foi um baita parceiro. Eu reclamava muito do time, da bosta que o Inter estava e ele lá do meu lado. No pior ano da história do Inter, sabendo que não tínhamos nenhuma jogada, não desisti de nenhum jogo. Foi um ano para provar que o Inter está na minha vida não importa o que aconteça. Vamos falar de coisa boa também, vai. Diz aí os jogos inesquecíveis da sua vida?
É a Libertadores de 2006. Fui em todos jogos no Beira Rio. Foi o ano que tive mais orgulho, que o time jogou com muita garra, a torcida encorpou demais o time. E teve o jogo no Morumbi também, né? Toda a imprensa apontava o São Paulo como favorito. Bem nesse dia do primeiro jogo da final, caiu um temporal em Porto Alegre e acabou a luz na minha casa. Lembro que eu e meu irmão fomos para o carro do meu pai para ouvir na [Rádio] Gaúcha, com o Pedro Ernesto Denardin. E quando o Sóbis faz o segundo gol tem aquela narração polêmica… Do "rasga a camisa do São Paulo"?
É. Quando isso aconteceu, eu chorava dentro do carro. Nunca imaginei ver o Inter campeão depois de tanto tempo. Não era sócio nessa época, e a busca por ingresso foi inacreditável para o segundo jogo da final. Fiquei três dias acampado para conseguir o ingresso. Meu irmão nem conseguiu porque precisava trabalhar. Era inverno, então levei coberta, levei guarda-sol para não tomar chuva e fiquei lá sentado até conseguir meu ingresso. Meu irmão não conseguiu ir comigo. Vi a final sozinho no estádio na arquibancada inferior, que não tinha cadeira e nem se compara com o que é hoje. Estava lá com a minha capinha de chuva e o Ceni soltou aquela bola e o Fernandão fez o primeiro gol. Chorei para caramba! Abracei um cara do meu lado e ficamos lá chorando juntos. Fiquei na rua até umas três da manhã sozinho comemorando. Claro que o Mundial é importante. Mas ganhar a Libertadores no Beira Rio contra o São Paulo… Nunca foi esquecer. Nem no bicampeonato fiquei tão feliz. Ouvi de outro entrevistado uma coisa que achei ótima: o futebol é o último reduto do homem machão. Concorda?
Exato! É o último reduto para o machão dar como desculpa para toda simbologia que ele tem. Tanto na questão do "hoje é meu dia de futebol" na relação com a mulher, por exemplo, como desculpa numa traição, o "estou no futebol e não posso te atender". No futebol, o gênero é usado como um ataque, como algo menor, como algo baixo. Ser usado como xingamento, como se eu, que sou gay, não pudesse gostar de futebol. Vocês héteros usam isso como um instrumento de empoderamento do quão hétero vocês são. Sou apaixonado pelo meu time, um homem que gosta de futebol. Não tem relação entre ser gay e gostar de futebol. O que faz você suportar o grito de bicha no estádio?
Não sei se é suportar a palavra certa. Gostaria muito que meu time tivesse uma campanha contra a homofobia. Que o Inter abrisse os braços para mim e dissesse: 'Você não é menor por ser bicha'. Gostaria muito que a torcida organizada que eu gosto de escutar e cantar junto não me rebaixasse como um xingamento para o árbitro ou para os rivais. Amar o Inter e o futebol é muito maior que ouvir esses xingamentos. É um ambiente hostil, baixo e cruel. Queria que o futebol fosse mais educado, mais acessível para as mulheres. Dói muito ouvir alguém gritando uma coisa que não tenho vergonha de ser. Se me perguntar no meu trabalho, em casa, no estádio, vou responder que sou gay. Sou assim, nasci assim. Tem amigos LBGT que deixaram de ir ao estádio?
Sim, tenho um amigo. Ele frequentava o Beira Rio comigo, era meu antigo companheiro até me mudar para São Paulo. Ele deixou de ir ao estádio exatamente por isso, por se sentir excluído da torcida. E isso acontece por todos lugares. Os torcedores são-paulinos serem chamados de bambi. É mundial também. É na Espanha, é em Portugal. Imagina um Morumbi cheio te chamando de bicha? O cara que fala isso pensa que ser gay é algo menor. Mas ele precisaria pensar: e se fosse eu? O que pode começar a mudar isso tudo?
Teria o maior orgulho de ver um jogador do meu time se assumisse gay. Teria a maior inspiração de torcer por esse cara. Tenho certeza que tem gay no meu time, que tem no seu time. Mas teria o maior orgulho de ver um cara que ganha a vida com o futebol e fizesse isso. Num segundo passo, o clube incentivar. Que o esporte voltasse a ser inclusivo. De como o meu clube foi inclusivo lá no começo, quando o Grêmio não aceitava pessoas pretas torcedoras e o Inter abriu as portas para elas e para toda a sociedade gaúcha. Gostaria que o Inter fosse inclusivo nisso, que abrisse as portas para os LGBTs, para nós, para as lésbicas, para as trans, para as travestis, para todo mundo. Queria um Inter que fosse inclusivo como o clube que me apaixonou quando criança. Queria o clube do povo e queria ser esse povo.

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Clara, palmeirense. Crédito: Arquivo pessoal

Clara Lua, 17 anos, estudante.
Aprendeu a comemorar os gols do Palmeiras com o avô.

De onde vem sua paixão pelo futebol?
Clara: Minha família nunca foi muito ligada ao futebol, mas cada um aqui sempre manifestou seu time de preferência. Por outro lado, minha mãe se formou em Educação Física e sempre esteve muito ligada aos esportes de uma forma geral. Acho que essa proximidade com o meio esportivo fez com que eu acabasse criando afinidade com certas modalidades, daí essa paixão pelo futebol.

Quem tem influenciou a começar a torcer?
De todos os membros da minha família, sem dúvida o mais apaixonado era meu avô. Durante toda a minha infância ele foi uma das figuras de maior influência. Lembro que em muitas tardes de domingo ele ficava na sala torcendo, com aqueles rituais dele. No começo era só uma coisa engraçada, mas com o tempo e, principalmente, depois que ele faleceu, percebi que a sementinha estava plantada. Agora era eu quem faço aqueles rituais todos. Ele comemorava todos o gols batendo na barriga com força, sempre assistindo aos jogos na poltrona da sala.

Qual é seu jogo inesquecível mais recente?
É difícil escolher um jogo, mas existe um que não sai da minha cabeça. A penúltima rodada do Brasileirão de 2016. Era domingo de vestibular e eu lembro que cheguei em casa depois da prova e liguei a televisão minutos antes de sair o primeiro e único gol que deu o título pro Palmeiras com um rodada de antecedência [Palmeiras 1 x 0 Chapecoense]. Foi o primeiro Brasileiro que vi o Palmeiras vencer depois da morte do meu avô, em dezembro de 2008.

Jogadores ou jogadoras favoritos?
Quando comecei a praticar esportes, meu pai me chamava carinhosamente de "Marta Junior". Acho que isso ajudou para que eu acompanhasse tanto ela e passa-se a admirá-la. Lembro também do goleiro do Palmeiras, Marcos, claro.

Como é gostar de um esporte tão machista?
Nunca tive nenhuma experiência traumática em relação a isso. Muito pelo contrário. Na escola, quando alguém (principalmente os meninos) ficavam sabendo que gostava de meninas, para eles era natural que eu gostasse e entendesse de futebol ou de qualquer outra coisa "masculina". Por outro lado, dentro de casa, a ideia de me ver assistindo a um jogo ou ainda jogando, fosse na quadra ou no videogame era gatilho para o tipo: "Isso não é coisa de menina". Já ouvi muito coisas do tipo: "Ah, mas você é lésbica, claro que gosta de futebol". Dá medo de ir ao estádio?
Tenho medo, mas acho que a violência dentro do futebol atinge inúmeros campos, não é só com a sexualidade de um ou outro torcedor. É ignorância de tamanho ainda maior.

O que faz você suportar a homofobia no futebol?
Meu avô nunca me reprimiu por torcer com ele nos domingos ou por pedir que ele me levasse para jogar bola. Mesmo tendo falecido antes de me assumir como lésbica, acho que ele nunca trataria o esporte como "coisa de menino". Acho que é isso que me faz continuar torcendo todo dia. É a ideia de que com o tempo possamos vencer essa coisa de que é preciso ser "homem com H maiúsculo" pra gostar de um esporte que é de todo mundo.