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Tecnologia

Entrevistamos a Acadêmica que Estuda os Trolls

Em seu livro, a professora Whitney Phillips pede para repensarmos o uso de expressões como "não alimente os trolls".
Crédito: YouTube

Whitney Phillips é uma estudiosa de trolls.

Professora de comunicação na Universidade Estadual de Humboldt, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, ela passou anos no lodaçal da internet para estudar a ardilosa subcultura dos seres que, dentro de fóruns anárquicos como 4chan, se organizam para se divertir às custas do sofrimento alheio.

Seu livro "This is Why We Can't Have Nice Things" (É por isso que não podemos ter coisas legais, ainda sem tradução no Brasil) apresenta e analisa esse tipo de comportamento que, segundo a autoria, é perpetuado em sua maioria por homens brancos e privilegiados.

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Ao decodificar o mundo dos trolls, Whitney também explica a sociedade predominante. Os trolls, diz ela, agem como espelho e amplificador dos males da sociedade. Um retrato desse comportamento online é a trollagem de pessoas mortas no Facebook, um subgênero que ridiculariza o luto contemporâneo e havia sido pouco explorado até o lançamento do livro da acadêmica.

Nós nos encontramos com ela para discutir seu trabalho, o termo "trollagem" e como nós, como sociedade digital, podemos progredir.

Motherboard: Quando você decidiu que estudaria os trolls?

Whitney Phillips: Quando comecei meu doutorado em 2008, participei de um programa que estudava humor político. Na mesma época, meu irmão entrou no 4chan e, para zoar comigo, ele disse que eu ia gostar do site. Bom, já que eu estava na internet, fui ver do que se tratava. Não sei bem para o que eu estava olhando. Foi confuso. Eu nem sabia como classificar ou categorizar o tipo de humor que via ali. Isso me intrigou. Já se passaram uns bons anos desde que comecei a tentar formular algo. Ainda não entendi bem.

E você acha que sabe o que são os trolls agora?
Não, porque o sentido do termo "trollar" sofreu uma transformação profunda desde que comecei a pesquisar. Na época, eu buscava a trollagem subcultural. A coisa evoluiu e os veículos midiáticos começaram a usar o termo mais livremente. Associaram a elementos de fora. Desconfio do termo como uma generalização de comportamento, e acredito que isso produz mais problemas do que soluções, então "o que é trolar" ainda é uma questão problemática para mim.

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Por que você acha que a mídia ampliou a palavra "troll" para incluir o ciberbullying e o ódio aleatório na internet?

É algo simplificável, facilmente reconhecido e tem uma aura descolada e sinistra.

Então por que você define como "trollagem subcultural" pessoas que se chamam de "trolls" e que coordenam atividades "pela diversão"?

No prefácio do livro, afirmo que estou definindo a palavra dessa forma porque não posso me responsabilizar por abordar tudo que já foi descrito como trollagem. Isso exigiria mais uns 27 livros diferentes, e não é o que estou propondo aqui. É difícil fazer qualquer tipo de afirmação sobre os motivos pelos quais as pessoas fazem o que fazem na internet, especialmente quando estão sob o anonimato, mas acredito que uma coisa que a palavra trollar conseguiu foi dar coragem para que as pessoas sejam de fato ruins e cheias de ódio, que revelem seu pior lado.

"Muito da trollagem tem origem na violência de gênero e na retórica de gênero."

E então elas dizem, "ah, mas só estou trollando", como forma de não assumir as responsabilidades sobre seus atos, e querem que você seja compreensivo porque só estão brincando. Isso é uma bela de uma fuga. Mesmo quando não foi a intenção do que você quis dizer, você disse. Que tipo de impacto seu comportamento causa, independentemente do que você pensa sobre seu discurso ou comportamento? Não compro a desculpa do "eu só estava trollando" porque isso funciona como uma desculpa para as pessoas não assumirem o fato de que são cuzões sexistas ou qualquer outro tipo de cuzão que não devem ser.

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Gosto da forma como você trata da relação entre os trolls e a mídia mainstream. Você diz ambos utilizam a mesma ferramenta, a mesma engenharia social. Você recebeu muita resistência por causa disso?

Esse é um assunto que levanto com frequência quando interajo com a mídia e que não aparece com frequência em histórias sobre trolls. Não posso falar do processo editorial de outras pessoas, mas acredito que seja um assunto sensível quando você trabalha em um veículo midiático. Você tem um trabalho, e, com frequência, esse trabalho significa publicar as histórias que vão gerar maior audiência. Então acaba sendo um diálogo delicado com os jornalistas porque não quero parecer que estou acusando alguém pessoalmente, mas o sistema, e a economia baseada em cliques de modo geral, acabam proporcionando histórias bastante sensacionalistas.

Você acha que a mídia não vai deixar de ser sensacionalista… Isso significa que os trolls vão existir para sempre?

Acho que a trollagem é um sintoma de muitos males culturais que não se trata somente de sensacionalismo midiático. Muito da trollagem tem origem na violência de gênero e na retórica de gênero. De todas essas estruturas culturais que os trolls ocupam de forma bastante confortável, a mídia sensacionalista é só uma delas — há outros jeitos de os trolls utilizam para se ajustarem na cultura predominante norte-americana.

"É muito importante focar nos verbos do comportamento na internet."

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A mídia deveria cobrir as atividades dos trolls de uma forma responsável?

Essa resposta mudou ao longo dos anos, bem como a maneira como eu a esquematizei agora. Fico relutante em usar a palavra "trolls" como uma generalização de comportamento porque não acredito que isso ajude muito. Sou constantemente chamada para falar sobre a trollagem e várias vezes minha resposta foi "isso não é trolagem, não chame isso de trollagem". Não dê a isso um ar de brincadeira. Não cole a etiqueta do "eles estão só trollando" a esse tipo de comportamento porque é algo muito mais sério. Chame do que é de verdade e, nesse caso, chame de violência de gênero ou misoginia violenta, que é um jeito melhor de tratar do assunto.

É muito importante focar nos verbos do comportamento na internet, principalmente nas agressões on-line e nos antagonismos, e focar no que está acontecendo de verdade. Bem, a misoginia violenta está acontecendo, então vamos chamá-la pelo nome, e não por esse substantivo difuso que tem conotação de brincadeira e que abre um precedente para que as pessoas repudiem com "bom, mas eu só estava trollando". Se você acusa alguém de ser um misógino violento, como ele vai responder? "Ah, eu só estava sendo um misógino violento"? Isso não oferece o mesmo tipo de fuga. Acredito que, ao mostrar a preponderância de comportamento misógino violento, não damos às pessoas a possibilidade de fugas retóricas. Evitar esses substantivos difusos nos permite focar no comportamento de verdade e a pensar de forma cuidadosa e crítica sobre como podemos responder a comportamentos específicos em oposição a usar uma palavra que funciona como um sinônimo para cuzão.

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Como você faz as pessoas não serem cuzonas na internet? É uma pergunta vaga. Ninguém tentaria responder essa pergunta a sério com as leis, mas é o que está acontecendo e, quando as pessoas usam a palavra "trolar", isso levanta mais problemas do que soluções.

Você mencionou as leis. Acredita que precisamos mesmo de algum tipo de lei antitrollagem ou um tipo de legislação similar?

Acredito que como a palavra "trollagem" se tornou tão difusa, uma "lei antitrollagem" corre o risco de ser muito ampla para ser de fato efetiva. Se for realmente necessário que haja uma lei anticuzões, o que isso significa? Algo precisa ser feito, mas não sei como uma legislação ampla poderia funcionar.

Como a trollagem feminista, ou a "trollagem do bem", que você discute em seu livro, se encaixa nisso tudo?

Não sei. E sou ambivalente quanto a isso. Acho que a retórica da trollagem – essencialmente o processo de incomodar as pessoas até revelar suas intenções verdadeiras e atacá-las sem que elas percebam – pode ser uma estratégia de retórica efetiva. Pode ser bastante benéfica, pedagogicamente falando, o tipo de insistência que culmina em uma conversa mais significante do que uma situação contrária. Magoar uma pessoa e se importar com o assunto para que possa haver um diálogo mais significativo. A retórica da trollagem pode funcionar para isso, mas o antagonismo imbuído nela e o fato de que a retória da trollagem quase sempre impossibilida a falta de consentimento realmente me preocupam. Não sei como me sentir a respeito de abraçar um comportamento baseado em não permitir que outras pessoas escolham ou não se participam dela. Não estou dizendo que não possa ser feito ou que eu não tenha visto acontecer, e pode ser realmente satisfatório trollar um racista ou misógino e deixá-los tão putos a ponto de fazê-los parar.

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Você menciona no livro os trolls de subculturas que usam clichês racistas e que miram minorias. Eles fazem isso para ridicularizar minorias ou toda nossa cultura?

É difícil saber quem realmente são os alvos das trollagens. Muitas vezes estão usando clichês racistas para enganar as pessoas, mas não dá para saber qual é o alvo deles nessa ridicularização. Às vezes é só para dispersar mesmo.

"Você está mais preocupado em proteger e privilegiar o discurso de quem? Quem você acha que o resto do país deve ouvir?"

Outro exemplo: na trollagem de páginas de pessoas que já morreram no Facebook, uma jovem branca foi assassinada e as pessoas estavam indignadas, quando um troll decidiu chamar atenção para o fato de que uma jovem negra tinha sido assassinada no mesmo dia, do outro lado do país, mas que ninguém se importava com isso. Aí estão eles, usando tensões raciais para fins de trollagem.

Esse exemplo básico mostra a forma como usam a palavra "negra", como essa palavra é proeminente no léxico da trollagem. Esse tipo de agressão racista está generalizada nesses círculos.

No fim do livro, você fala sobre educar as pessoas a respeito dos trolls, para que as pessoas saibam quais são as intenções delas na internet. Como você acha que isso pode ser feito?

É uma questão bastante complicada, porque eu certamente não quero advogar nenhum tipo de solução cujo predicado está em culpar a vítima. Do tipo, "bom, se você não tivesse deixado que trollassem com você, não estaríamos nessa situação agora, então não deixe que isso aconteça de novo e não teremos nenhum problema". É o que acho dessas soluções ou qualquer solução que termine com a frase de efeito "não alimente os trolls". Digo frase de efeito porque é uma coisa tão grotesca de se dizer quanto colocar o ônus na pessoa que é o alvo. Dependendo das experiências de vida dessa pessoa, algo que parece pequeno para alguém, pode ser devastador para outro. Então é difícil saber exatamente como os insultos serão recebidos… É por isso que sou resistente a esses tipo de discurso "vê se cresce, cara, se você não aguenta tranco, fica longe da internet".

Sim, é algo que ouço o tempo todo dos "trolls". "Fulano(a) é tão sensível, são só palavras numa tela." Mas o que acontece é que nossas vidas agora se passam em telas.

Exatamente. Então em vez de colocar o ônus no alvo, o que não é justo, acho que é bom levar em consideração tanto o troll quanto o alvo, e também aos responsáveis pelas plataformas. Muitas dessas conversas suscitam na questão: você está mais interessado em proteger e privilegiar o discurso de quem? Você está mais interessado em proteger e privilegiar as pessoas que estão sendo desagradáveis com mulheres, pessoas de cor e LGBTs ou vocês estão mais interessados em tentar permitir que haja um espaço para o apoio ao maior número de vozes, de conversas mais democráticas?

É o que falta no momento em muitas conversas sobre "liberdade de expressão" na internet, que não se trata, necessariamente, de preservar a Primeira Emenda, mas sim de censurar – as pessoas estão armadas para preservar a liberdade de expressão das pessoas desagradáveis mas o que dizer das pessoas cujas vozes são silenciadas? Isso se torna uma questão de escolha: você está mais preocupado em proteger as vozes de quem? Quem você quer ouvir? Quem você acha que o resto do país deve ouvir?

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri