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Tecnologia

O Futuro do Sexo Seguro

É difícil explicar para um milennial como é crescer com alertas na televisão sobre AIDS e um currículo de educação sexual.
​Crédito: Lia Kantrowitz

Estou transando numa cama flutuante, sobre uma pista de dança. Lá embaixo, os baladeiros viraram uma massa pulsante única. Ao meu redor, há outras camas, conectadas por uma passarela estreita, e através da luz elétrica fúcsia, posso ver corpos arqueados em movimento e bocas abertas ecoando gemidos, inaudíveis por conta da música.

Quando outro casal se joga na nossa cama, percebo que nunca parei para pensar em como estabelecer consenso quando a música está alta assim. Os intrusos rolam até nós, e nossos corpos se encontram numa colisão momentânea. Eles estão transando bem do nosso lado — dá para sentir o ritmo deles, o cheiro do suor. Nossos quatro corpos entram em sincronia, em paralelo. Quando ela se vira para mim e me encara, reconheço o convite. É excitante. Mas o impulso para me aproximar não passa de um impulso. Como comunicar protocolos de segurança quando não dá para escutar o outro?

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É difícil explicar para um milennial como é crescer com alertas na televisão sobre AIDS e um currículo de educação sexual focado unicamente nas diversas formas como o sexo pode matar, mas já não preciso fazer isso. Ano passado, a Organização Mundial de Saúde divulgou seu primeiro relatório global sobre resistência a antibióticos, revelando que estamos perdendo o último recurso na batalha contra a gonorreia. A resistência a antibióticos — a ameaça do futuro — está entre nós, e o sexo é um dos campos de batalha.

— Você deveria popularizar a fantasia de coelho em encontros sexuais – meu parceiro brincou mais tarde, quando saímos da balada e adentramos a noite fria de São Francisco.

Sexo vestindo um traje projetado para limitar a contaminação só soa ridículo até você lembrar que fantasias de mulher-gato, de látex, têm apelo sexual.

Fica amarrotada e parece um balão de aniversário murcho, deprimente

A Scroguard inspira pouco interesse sexual. Mas capaz que isso seja um atributo, não um defeito. Usar uma peça de borracha é uma arte, afinal. E na hora da transa, a última coisa que queremos é danificar a arte. A Scroguard, que tem sido condenada como o equivalente de borracha a um lençol com buraco, é basicamente uma calcinha fio-dental com uma abertura na frente, para o pênis. Junto com uma camisinha, seu propósito é proteger toda a área genital contra o que a série da HBO Girls descreve como "as coisas que ficam gruadas em volta das camisinhas."

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A embalagem prateada da Scroguard lembra mais um salgadinho do que o preservativo do futuro. Quando tiro a calcinha, ela fica amarrotada e parece um balão de aniversário murcho, deprimente. Meu parceiro a encara com um olhar suspeito.

— Que cor é essa? - ele pergunta. — Está despertando o meu vale da estranheza.

A Scroguard é quase da cor da pele dele, com um leve tom de icterícia. Seria melhor de qualquer outra cor.

Como a maioria dos humanos, meu parceiro tem objeções quanto a ficar ridículo. Tenho que lembrá-lo que estamos fazendo isso pela ciência. Apelo para a afeição dele por segurança em laboratório. Encorajo. Imploro. Saco um monte de pornografia estimulante, que ainda não tive a chance de resenhar.

Este é mesmo o futuro do sexo seguro?

"Modernizações criativas em preservativos como a Scroguard, embora esta seja engenhosa e inovadora, só vão pegar se forem mais fáceis e menos esquisitas que a camisinha", diz o professor de educação sexual Reid Mihalko. "Se levarmos em conta o comportamento humano acerca do uso de preservativos durante o sexo, o futuro do sexo seguro depende de nanotecnologias que intensificam a experiência."

Ele não está errado. Das 50 bolsas de exploração oferecidas pela Fundação Bill & Melinda Gates na categoria de contracepção, 15 foram concedidas a esforços para aumentar o prazer, intensificar a sensibilidade e reforçar a condutibilidade do calor — e muitos casos estão usando nanotecnologia, a manipulação da matéria no nível molecular. Examinar essas propostas é como abrir uma janela para as possibilidades do futuro.

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Uma das possibilidades está mais próxima do que imaginamos. As Camisinhas Origami esperam receber aprovação da Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) este ano. O nome das camisinhas provém da maneira como se desdobram, como uma sanfona, e não desenrolando. As Camisinhas Origami são feitas de silicone flexível e se ajustam direitinho, o que permite com que acompanhem os movimentos do pênis durante o sexo. De quebra, o silicone não tem cheiro nem sabor, diferente dos preservativos profiláticos disponíveis hoje.

Por que isso é tão importante? Nos últimos dez anos, os avanços em tecnologia de preservativos focaram principalmente no desenvolvimento de materiais que agem como versões melhores do látex tradicional. As camisinhas de látex se afinaram até ficarem com 45 mícrons de espessura, e em 2007, surgiu o Vytex, um látex natural com níveis bem reduzidos de proteínas que desencadeiam alergias. O mundo puramente sintético de camisinhas acrescentou poliisopreno às variedades existentes de poliuretano e polietileno, diminuindo a grossura das camisinhas para até 20 mícrons. Juntos, esses avanços melhoraram muito a sensação de prazer e, ao mesmo tempo, mantiveram a eficácia e a confiabilidade do preservativo. Mas, conforme o Vale do Silício já está cansado de saber, melhorias incrementais raramente atraem novos clientes — se você busca adoção generalizada, precisa de algo novo.

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É nesse quê de novidade que a maioria dos bolsistas mirou.

Hydrogéis são basicamente moléculas de água integradas numa matriz de polímero. O resultado é um material incrivelmente elástico, resistente e autolubrificante, o que permite com que o preservativo libere medicamentos. É muito mais parecido com a pele do que o látex, e a chave da inovação, no caso, será determinar se ele efetivamente previne a transmissão de doenças.

Superelastômeros são uma nova classe de materiais sintéticos robustos e altamente flexíveis, que talvez abram o leque de opções para muito além dos materiais sintéticos que usamos atualmente em camisinhas. Um dos mais promissores é o poli(glicerol-sebacato), mais conhecido como PGS, que foi originalmente criado para reparar tecidos moles e órgãos. Além de ser bem biocompatível, é biodegradável e feito com materiais renováveis; é digno do selo verde de aprovação.

Superelastômeros talvez sejam a chave para o desenvolvimento de um preservativo ainda mais fino que os polímeros atuais, e eles têm propriedades térmicas interessantes: uma possibilidade é um polímero elástico ativado pelo calor, que se contrai de leve durante o sexo, moldando-se completamente ao pênis. Pense em um filme plástico (que, aliás, tem uma espessura de 12,5 mícrons, um objetivo que não está fora de questão com os superelastômeros).

O grafeno é uma forma bidimensional de carbono, conhecido por sua força, elasticidade e capacidade de conduzir eletricidade e calor. Isolado em 2004, o grafeno foi usado primeiro, com êxito, dois anos atrás, na criação materiais compostos, cujo resultado provou ser 500 vezes mais forte que sua matéria-prima. Aplicado ao sexo seguro, o grafeno seria coberto por materiais de barreira — como tecidos multicamadas e barreiras de água — para a produção de uma camisinha 100 vezes mais fina do que as melhores camisinhas atuais, bem mais impermeável e extremamente resistente.

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Se esses materiais compostos de grafeno chegarem ao mercado, pode ter certeza de que veremos propagandas com os preservativos em uso para alguém levantar um carro: "Se você é mais durão que carboneto de tungstênio, precisa de algo mais forte que diamante!" (E agora vocês sabem por que não trabalho com publicidade.)

Mas o futuro não está somente cheio de novos materiais em potencial. A nanotecnologia veio para transformar os materiais que já conhecemos em experiências completamente novas. Por exemplo, o látex é extremamente hidrofóbico e uniforme, mas a nanotextura poderia replicar uma textura menos uniforme, e poderia também conter uma camada fina de água sobre sua superfície. Isso não só faria com que a textura da camisinha parecesse mais humana, como reduziria bastante as irritações causadas pela fricção excessiva de encontros mais longos que a média.

Imagine uma camisinha que ajuda o usuário a manter uma ereção

Em grande parte, a animação em torno da nanotecnologia parece centrada em maneiras para replicar o que já conhecemos: pele humana, tecido mucoso humano, e por aí vai. Mas há alguns pesquisadores que estão mirando além. Pelo menos dois dos bolsistas mencionaram a exploração de mecanismos de liberação de estimulantes nas próprias camisinhas. Um dos estimulantes mencionados, a prolina glicosilada/óxido nítrico, é uma substância que, quando absorvida, solta óxido nítrico no sistema, estimulando o fluxo sanguíneo para uma excitação maior durante a transa. Imagine uma camisinha que ajuda o usuário a manter uma ereção — você está no caminho certo. Revestimentos em ambos os lados significaria uma promessa real de prazer para ele e para ela. Olá, dilatadores de vasos!

Firaz Peer e Andrew Quitmeyer, do Comingle.io, estão desenvolvendo o protótipo da Electric Eel ("Enguia Elétrica" em inglês), uma camisinha com correntes condutoras embutidas para pequenos choques de estímulo durante a transa. Quando o duo apresentou a ideia pela primeira vez, ano passado, a maioria das reações foi negativa. Mas, assim como a Origami e os pesquisadores que pretendem infundir estimulantes nas camisinhas, os fabricantes da Electric Eel parecem entender que o sexo seguro é mais do que segurança e funcionalidade.

Está claro que estamos começando a caminhar rumo ao desconhecido em termos de sexo seguro, o que é essencial se queremos ver mais produtos inovadores nesse segmento. E esses produtos importam; o HIV pode não ser mais uma sentença de morte sem escapatória, mas a resistência a antibióticos por parte das DSTs é uma ameaça real e iminente do futuro. Precisamos nos equipar para enfrentar esses riscos, mesmo se isso significa ficar ridículo num fio-dental de látex até que a ciência alcance a demanda.

Este artigo faz parte dos ​Corpos do Futuro​, uma colaboração entre o Motherboard e a LadyBits. Siga a LadyBits no Twitter e no Facebook.

Tradução: Stephanie Fernandes