Um baile de fetiche na Páscoa
Todas as fotos por Luis Mora

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Sexo

Um baile de fetiche na Páscoa

Caí pelo buraco do coelho para assistir a criaturas temáticas se chicoteando numa cruz, tudo em nome do simbolismo da data.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Se você estivesse onde eu estava nas primeiras horas da manhã de Páscoa, você poderia achar que escorregou literalmente por um buraco de coelho. Não um buraco proverbial — um buraco de coelho de verdade, com luzes néon coloridas piscando, um DJ sem camisa tocando house industrial para uma sala cheia de coelhos seminus, pulando em roupas de bondage. Claro, havia decorações típicas que você veria numa festa de família nesse feriado: ovos multicoloridos em cestas, festão em tons pastel, pirulitos de arco-íris. Mas eles também tinham chicotes, uma quantidade ridícula de couro e pessoas sendo puxadas por coleiras.

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No salão principal do Baile de Fetiche de Páscoa da Subspace, realizado em Toronto, o clima não era tão diferente de algumas raves que frequentei na vida, fora a quantidade cada vez maior de pele que os participantes mostravam e a quantidade de acessórios de couro. Entrando na parte masmorra da festa, que era uma grande sala nos fundos do lugar com chão de madeira e paredes brancas, comecei a ficar mais consciente de onde diabos eu estava me metendo no final de semana da Páscoa.

Depois de ler as regras coladas na porta — que proibiam nudez genital e penetração, mas permitiam piercings e "brincadeiras limitadas com faca" — admito que fiquei um pouco confusa. No caminho para festa, minha cabeça estava cheia de dúvidas sobre se haveria ou não sexo, se fetiche de Páscoa é uma inclinação sexual real e se eu entraria numa cena parecida com o infame pornô de coelhas lésbicas da Sasha Grey. Mas, felizmente, o organizador do evento Craig Galbraith esclareceu alguns equívocos em que eu e muitas pessoas fora da subcultura acreditam.

"Fetiche tem menos a ver com sexo e mais com sexualidade", me disse Galbraith. "É um acordo entre duas pessoas para participar de uma atividade que é erótica, mas que não precisa incluir sexo… é quase como uma massagem nua."

Me sentando num dos bancos do bar ao lado de uma área separada que continha cinco móveis — incluindo um grande X de madeira chamado cruz de Santo André — onde pessoas podiam ser amarradas e chicoteadas, conheci uma garota simpática chamada Sabrina, usando uma minissaia roxa e orelhas de coelho pretas com lacinhos.

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"É um jeito ótimo de aproveitar a Páscoa, e sei que muita gente aqui não tem muitos familiares", me disse Sabrina. "Para mim é especialmente incrível — conheci tanta gente legal aqui, e ser parte da comunidade de BDSM é como ser parte de uma família… você não está sozinho, todo mundo aqui compartilha alguma coisa." Enquanto a Sabrina começava a se transformar na minha guia espiritual de fetiche, olhei para a área da masmorra e notei que os dois amigos que estavam me acompanhando no evento tinham se instalado ali — uma estava inclinada num banco enquanto o namorado batia na bunda dela com uma longa calçadeira de metal, e estava gemendo enquanto ele a acertava conforme o ritmo da música.

O Baile de Fetiche de Páscoa é um evento anual realizado pela Subspace, uma comunidade de fetiche de Toronto fundada em 2006. A Subspace, batizada com o nome do estado mental alterado em que uma pessoa sub pode entrar durante uma cena com uma dom, já fez vários eventos temáticos nos últimos anos: de militar a médico até abdução alienígena. O baile naquele sábado era um dos últimos eventos grandes que a Subspace organizaria. Galbraith, que tem 45 anos, me disse que estava se aposentando das grandes festas e logo se concentraria principalmente em eventos mais íntimos em seu estúdio. Mas naquela noite, a multidão era povoada por coelhos, porcos e outras criaturas da Páscoa.

Quando perguntei a Sabrina se existia mesmo um fetiche com Páscoa, ela basicamente me disse que tudo é possível: "A pessoa pode curtir coelhos e, claro, há os fetiches religiosos – tem gente que curte muito a ideia de ser Jesus na cruz".

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Armada com essa informação e com o fato de que a Sabrina mencionou ter visto alguém com estigmas na festa, decidi tentar encontrar Jesus no baile de fetiche.

E achei não apenas um, mas toda uma trindade de Jesuses, incluindo um com uma coroa de espinhos e estigmas de glitter vermelho. Um deles, uma maquiadora profissional que estava vestida como um coelho demente vermelho e preto, e atendia pelo nome Helly, me mostrou cicatrizes de verdade de piercings que ela fez no pulso, enquanto me explicava o que a Páscoa significava para ela.

"Em certo ponto da vida, tive uma família grande que recheava perus e toda essa merda, aí, por um tempo, não tive onde morar e fiquei pulando de casa em casa", me disse Helly. "Até recentemente, esse era só mais um dia para mim… mas tive um encontro incrível noite passada com um cara que queria comemorar a Sexta-Feira Santa me crucificando — isso não aconteceu, mas quero muito tentar!"

Galbraith, dono da Subspace, me disse que além dos grandes bailes de fetiche mensais, ele (e um grupo de voluntários dedicados) também realizavam pequenos jantares íntimos de Ação de Graça e Natal no estúdio da Subspace em Liberty Village — que serve como a casa de Galbraith, masmorra e oficina de aulas de fetiche, como bondage japonês. E apesar de haver uma atmosfera sexualmente carregada nos eventos da Subspace, aqui não é um lugar onde você encontra caras agressivos dando em cima de mulheres desinteressadas. A comunidade tem diretrizes severas quando se trata de respeito e consentimento.

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"Gosto muito de curtir com mulheres lindas e nuas, e quando comecei a fazer esses eventos, percebi que não tinha muitos lugares onde garotas pudessem expressar sua sexualidade num ambiente protegido, onde não eram assediadas por caras aleatórios", explicou Galbraith. Depois ele começou a construir um cenário com os eventos da Subspace (listado no Fetlife) nos quais seus convidados podiam se sentir num espaço seguro para expressar suas fantasias, incluindo a implementação de monitores na masmorra para garantir que os participantes estão seguindo as regras.

"É uma questão de juntar as pessoas certas que entendem respeito e etiqueta; assim todo mundo pode ser quem é sem se sentir envergonhado ou julgado", ele disse.

Os sentimentos de Galbraith foram repetidos por literalmente toda pessoa com quem falei no evento, incluindo o casal Stuart e Rachel, que frequentam os eventos da Subspace desde que estão juntos – sete anos. Quando perguntei a Stuart, um advogado de seguros de 51 anos usando uma calça de couro preta justa, por que eles vinham aos eventos da Subspace, ele me disse: "Não importa no que estamos interessados no momento, podemos experimentar… Nosso sexo não é muito baunilha, então se queremos encontrar parceiros extras, este geralmente é um bom lugar". Rachel, sua parceira, disse: "As pessoas são muito mais abertas [nos eventos da Subspace]. Num ambiente de clube de sexo, tudo tende a ser muito fechado e muito hétero".

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Como Stuart e Rachel, muitas pessoas nos eventos da Subspace são veteranos da cena. Ao lado da pista de dança no final da festa, conheci Mstress Leah (que foi agressivamente insistente para que eu lembrasse de tirar o "i" de Mstress), uma mulher com uma blusa transparente cobrindo seus enormes seios, usando couro dos ombros aos pés, e que é parte da comunidade de fetiche há 23 anos. "Adoro a estética, o visual — mas isso é funcional também… quando domino alguém, sinto um barato que dura por dias", me disse Mstress Leah, que mencionou que tinha um jantar com amigos na noite seguinte, enquanto gesticulava para uma mulher presa num bondage com cordas num canto do salão principal. "Eu poderia colocar alguém na cruz de Santo André e castigar a pessoa pra caralho, isso me deixaria muito feliz com os dias santos… o simbolismo é demais para não se divertir com ele."

No final da noite, minhas orelhas de coelho começaram a apertar minha cabeça enquanto eu chegava perto de uma overdose sensorial, mas finalmente tomei coragem para participar na masmorra pelo menos uma vez. Enquanto minha amiga me inclinava sobre um equipamento, cobri o rosto, me sentindo ligeiramente envergonhada enquanto ele corava, e deixei ela me bater várias vezes com a longa calçadeira de metal. O metal estava gelado, mas fiquei surpresa em ver não doía tanto assim.

Pedi para ela bater mais forte.

"Estou sentindo que você vai voltar aqui", me disse Sabrina.

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Tradução: Marina Schnoor

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