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Quem tiver de sapato não sobra: como as investigações e delações da Odebrecht podem ruir a República

Para salvar o próprio rabo, empreiteira pode desmantelar todo o sistema político do Brasil.

Cena do filme "O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla.

É muito difícil, dado o calor dos acontecimentos, apontar algum norte para a crise política e econômica brasileira do biênio 2015/ 2016, mas entre as inflexões históricas que vão se desdobrando ao longo da Operação Lava Jato, provavelmente a decisão divulgada na noite desta terça-feira (22) de que os principais executivos do Grupo Odebrecht em prisão preventiva (alguns já condenados) pretendem realizar uma colaboração premiada com o Ministério Público, deve ganhar lugar de destaque quando esse pedaço da história brasileira for recontado no futuro.

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Acossados por todos os lados, incluindo uma condenação a mais de 19 anos de prisão a Marcelo Odebrecht, herdeiro e Diretor-Presidente afastado do grupo, além da possibilidade de quebrar a empresa por falta de crédito no Brasil e exterior, quatro executivos, além do próprio Marcelo, devem protocolar suas colaborações premiadas, incluindo também um acordo de leniência (espécie de colaboração feita por pessoa jurídica), conforme a declaração de um anônimo procurador à Folha de S. Paulo e, na sequência, uma nota da empresa divulgada ao Jornal Nacional.

As colaborações chegam em um momento crítico para a Odebrecht, quarto maior grupo privado do país. Na terça foi realizada a 26ª fase da Lava Jato, batizada de "Xepa", que causou uma devassa na busca de uma das provas mais contundentes dos esquemas de desvios e propinas realizadas entre a empresa e o poder público.

A partir da colaboração premiada da ex-funcionária Maria Lúcia Guimarães Tavares, o Ministério Público e a Polícia Federal se empenham em desnudar a área chamada "Setor de Operações Estruturadas", que funcionaria exclusivamente para o pagamento de propinas e acordos políticos em geral. Isso sim é que é organização contábil, afinal, indica que a Odebrecht, em algum nível, incluía o pagamento de propinas em seu balanço fiscal, como se fosse uma realidade tão inevitável quanto o Imposto de Renda.

Segundo a delação de Tavares, os pagamentos eram feitos semanalmente a diferentes operadores, a partir de planilhas que vinculavam as obras e operações do grupo e codinomes de beneficiários desses pagamentos. Parte desses operadores, identificados com apelidos como "Carioquinha" e "Paulistinha" (ambos a mesma pessoa, Álvaro Novis), "Tonico", "Tuta" e "Madeira" foram presos na terça. Além disso, Tavares conta que realizou pagamentos diretamente a Monica Moura, mulher do marqueteiro João Santana – o casal foi preso na 23ª fase da Lava Jato e indiciado nesta quarta (23).

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O "Setor de Operações Estruturadas" (sério, esse nome é lindo) foi extinto no primeiro semestre de 2015,e ainda não há dados consolidados sobre o quanto a Polícia Federal conseguiu recuperar do esquema, além de tabelas e indicações de diferentes recebedores e da recém vazada tabela de Benedicto Junior, diretor da Odebrecht Infraestrutura, com nomes de dezenas de políticos e respectivas doações (muitas possivelmente legais), apreendida na 23ª fase. Mas se a nota divulgada pela Odebrecht decidindo abrir as negociações para colaborar com a Justiça valer como algum indício, o estrago deve ter sido grande. A referida tabela voltou ao sigilo depois que Moro percebeu o tamanho da cagada, especialmente após ter sido chamado na chincha por Teori Zavascki em sua decisão nesta terça sobre o foro privilegiado dos áudios vazados na semana passada.

Se esta manobra pode sepultar definitivamente o governo Dilma, uma vez que a Odebrecht esteve entre os maiores doadores à sua campanha eleitoral em 2014 – além de, possivelmente, revelar a intimidade de Lula com o grupo, que marretou em 2011, sem licitação, o projeto de construção de cinco submarinos, incluindo um nuclear, em parceria com a França, no valor de R$ 32 milhões – também pode atingir, basicamente, todo o sistema político brasileiro. Se as doações legais listadas na tabela forem corroboradas com ações ilegais que deixarem rastros no "Operações Estruturadas", as eleições municipais de 2016 já chegam prejudicadas.

Mas talvez a jogada mais cínica da Odebrecht esteja em sua nota oficial, que afirma que "não termos responsabilidade dominante sobre os fatos apurados na Operação Lava Jato – que revela na verdade a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".

As evidências histórias desenham outra narrativa. A brincadeira começa com o decreto 64.345, de 1969, início dos "Anos de Chumbo" da Ditadura Militar. Com ele, o governo Médici cria uma reserva de mercado para as empreiteiras brasileiras, que passam a ser as únicas autorizadas a realizar obras públicas no país. É essa relação íntima com o poder que permitiu o crescimento das principais empreiteiras do país, segundo o professor e pesquisador Pedro Campos em seu livro Estranhas Catedrais. Entre as beneficiadas pela lei estava a maior empresa de todas, a Construtora Norberto Odebrecht, hoje sob o guarda-chuva do Grupo Odebrecht.

Entre 1971 e 1973, a Odebrecht saltou do 19º lugar como maior empreiteira do país para a terceira posição, e vai expandindo seus negócios, mesmo após a revogação do decreto em 1991, abraçando áreas como petroquímica e defesa. Segundo reportagem do Globo , a Lava Jato recebeu documentos de 1988 que remontam um sistema de pagamentos parecido com o atual na empresa. Quem entregou a papelada, que inclui manuscritos e planilhas com codinomes de políticos e valores de obras país afora, foi a ex-secretária financeira da Odebrecht, Conceição Andrade. Se não valem como prova devido à prescrição dos crimes, são um indício claro de que a empresa é muito menos vítima do que está tentando se pintar no momento. Pois é, amigo, o Terceiro Mundo vai explodir.

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