Um neurocientista explica por que curtimos pornografia
Pode não parecer, mas tem a ver com cócegas. Crédito: Ares Tavolazzi / Flickr

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Um neurocientista explica por que curtimos pornografia

Pode não parecer, mas tem a ver com cócegas.

David J. Linden é professor de neurociência na Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins e autor do livro Touch: The Science of Hand, Heart and Mind (ainda sem tradução para o português)

Após longa batalha envolvendo diferentes procedimentos médicos, meus filhos foram concebidos por meio da fertilização in vitro. Minha esposa enfrentou a parte desagradável do processo, com suas inúmeras injeções, exames e cirurgias. Já minha pequena contribuição limitou-se a me masturbar no consultório médico, um ambiente nada sensual.

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Recebi o copinho de plástico de uma enfermeira mal-humorada e fui guiado até a sala designada. A sala tinha paisagens marinhas amadoras penduradas nas paredes, móveis encapados com capas de plástico e uma pilha de revistas pornográficas — Penthouse, Hustler e afins. Isso foi em 1996, antes do auge da pornografia digital, e aqueles que esperavam algo mais estimulantes não tinham muita sorte. Tive dificuldade para entrar no clima, mas, para ser sincero, as revistas ajudaram. No momento certo, em homenagem à Penthouse, entreguei, com um sorriso tímido, meu copinho morno para a enfermeira.

Embora resultados de pesquisas não sejam completamente confiáveis, um recente estudo revelou que 66% dos homens e 41% das mulheres americanas consomem pornografia pelo menos uma vez ao mês. Uma análise dos pacote de dados que passam pelos servidores de internet indicou que a pornografia é responsável por cerca de metade do tráfego digital; muitos dizem que isso é um mito, insistindo que o número real é bem menor, por volta dos 4%. Os verdadeiros números permanecem ocultos na obscuridade do tráfego digital e do tabu cultural, mas não há como negar a popularidade da pornografia.

Mas por que a pornografia é tão popular? Existem várias formas de responder essa pergunta. Embora alguma parcela da pornografia seja utilizada como gatilho para a atividade sexual, a grande maioria do consumo de pornografia, seja por homens ou mulheres, serve ao objetivo de atingir o orgasmo por meio da masturbação. Na realidade, muitas pessoas têm dificuldade em alcançar o clímax masturbatório sem o uso de pornografia.

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Mas por que a pornografia é tão necessária para o onanismo? Em um nível psicológico, pode-se dizer que a pornografia facilita o orgasmo auto-induzido ao aumentar a excitação sexual e ao nutrir o escapismo sexual e fantasias. Essas respostas, embora corretas, falham em compreender um aspecto neurobiológico essencial do auto-estímulo.

Somos programados para prestar menos atenção a toques resultantes dos nossos próprios movimentos do que a aqueles vindos do mundo externo. Entretanto, se sentíssemos essas mesmas sensações enquanto estivéssemos parados, elas exigiriam nossa atenção: quem ou o quê está me tocando? Isso faz todo sentido: sensações que vêm do mundo exterior são mais propensas a chamar nossa atenção porque elas são potencialmente mais ameaçadoras ou curiosas (sensuais, deliciosas, intrigantes etc).

Somos programados para prestar menos atenção a toques resultantes dos nossos próprios movimentos do que aqueles vindos do mundo externo. Um bom exemplo são as cócegas.

Esse fenômeno é claramente ilustrado pelo exemplo das cócegas. É muito difícil fazer cócegas em si mesmo; a sensação tátil das cócegas auto-infligidas é muito mais fraca do que a sensação causada pelo toque de outro. Sarah-Jayne Blakemore e seus colegas do Instituto de Neurologia de Londres fizeram testes em que voluntários eram submetidos a cócegas ou instruídos a fazerem cócegas em si mesmos dentro de uma máquina de tomografia.

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As cócegas ativaram as regiões do cérebro envolvidas em descobrir a qualidade e a localização exata de um toque (os chamados córtices somatossensoriais primários e secundários), assim como as partes do cérebro responsáveis pelo teor emocional de um toque (o córtex cingulado anterior e o córtex insular posterior). Quando o teste foi repetido com o grupo da auto-cócegas, esses centros foram menos estimulados.

Entretanto, as auto-cócegas provocaram uma estimulação mais forte do cerebelo, uma estrutura cerebral que recebe estímulos da região do cérebro que controla nossos movimentos — como as descargas elétricas que fluem através dos neurônios para controlar os músculos da mão e do braço durante a auto-cócegas. O cerebelo é ativado quando as instruções de movimento estão especificamente relacionadas à resposta sensorial dos sensores de toque da pele. Em seguida, ele envia sinais inibitórios para os centros de toque do cérebro (e outras regiões), o que minimiza sua ativação e atenua a sensação de cócegas durante a auto-cócegas. Nosso cérebro sabe quando as cócegas são causadas por nossa própria mão, e controla sua resposta de acordo.

As semelhanças entre a auto-cócegas e a masturbação são óbvias. Em ambos os casos, o cerebelo é ativado, limitando a atividade neural nas partes do cérebro que respondem aos elementos sensoriais e emotivos do toque. Para intensificar os estímulos sensoriais durante a masturbação, é possível elaborar alguma fantasia, ou, ainda mais efetivamente, usar a pornografia. Ambas práticas ativam as regiões do cérebro ligadas à visão e a outros estímulos sensoriais. Quando lemos um conto pornô em vez de assistir a um filme, por exemplo, ativamos um número maior de regiões visuais em nosso cérebro conforme mentalizamos seu enredo.

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(É importante dizer que, até onde sei, essa teoria nunca foi testada — e é improvável que ela seja, dadas as prioridades financeiras do governo. Mas para que ela fosse, bastaria fazer com que homens e mulheres se masturbassem dentro de uma máquina de tomografia, com ou sem pornografia. Entretanto, há outro desafio: é difícil se masturbar sem balançar a cabeça de um lado pro outro).

Para intensificar os estímulos sensoriais durante a masturbação, é possível elaborar alguma fantasia, ou, ainda mais efetivamente, usar a pornografia.

O fato de reagirmos ao toque de atores numa tela da mesma forma que reagimos a uma carícia real é uma consequência da informação neural recebida pela ínsula posterior, o principal centro cortical ativado por toques e parte essencial do centro emocional do cérebro. O toque, além de ativar as fibras nervosas, leva informações altamente processadas até a ínsula posterior. Surpreendentemente, assistir a um vídeo de alguém sendo acariciado ativa a ínsula posterior de forma semelhante a quando se é tocado. A ativação dos centros de toque causada pela pornografia neutraliza a tentativa do cerebelo de amenizar as sensações causadas pelo auto-estímulo. O resultado final é que o aumento de atividade nos centros de emoções amplia o prazer causado pelo estímulo solitário, facilitando o orgasmo.

Eis a resposta. Caso a pornografia não contrabalançasse os circuitos responsáveis por detectar e suprimir as consequências sensorias de nossos próprios movimentos, ela não funcionaria como complemento à masturbação e, consequentemente, não teria um papel tão proeminente em nossas vidas pessoais e cultura.

Acesse o site de David e compre seu livro The Science of Hand, Heart and Mind (Viking, 2015). Você também pode seguí-lo no Twitter.

Tradução: Ananda Pieratti