Por que Bandas de Noise Rock Estão Tocando no CERN?
Crédito: CERN

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Por que Bandas de Noise Rock Estão Tocando no CERN?

Deerhoof foi o primeiro grupo a se apresentar no maior laboratório de física de partículas do mundo. O motivo: mostrar as semelhanças entre arte e ciência.

O que acontece quando se combina uma banda experimental de indie rock com um projeto experimental de física de partículas? Muito barulho, ao que parece.

A colisão do grupo americano Deerhoof, de São Francisco, e o CERN (sigla para Organização Europeia de Pesquisa Nuclear) na Suíça foi ideia do físico James Beacham.

Amigo de longa data da banda, Beacham queria trazer pessoas intrigadas pela ciência que é feita dentro da organização – a, vale lembrar, casa do Grande Colisor de Hadrons (cuja sigla em inglês é LHC) e de grandes descobertas da física, como o bóson de Higgs.

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Ele levou a Deerhoof às instalações do CERN em agosto para oferecer uma turnê à banda e, segundo o próprio, "inundou-os com ciência".

A banda também fez uma apresentação em uma enorme sala onde os ímãs supercondutores do LHC – cruciais para o funcionamento do colisor de partículas – são reunidos, testados e armazenados. Cada integrante da banda foi instalado em pontos isolados pelo local. A missão de cada um era uma só: improvisar.

"Não sei se alguém esperava que um vídeo de nove minutos com a pegada de experimentalismo de John Cage tivesse 70.000 visualizações em quatro dias", afirmou Beacham. Segundo o físico, ele convidará outros músicos de outros gêneros musicais para improvisar no CERN como parte do projeto Ex/Noise/CERN

O Motherboard se encontrou com Beacham e Satomi Mastuzaki, da Deerhoof, para conversar sobre o que uma banda de noise tem em comum com experimentos de física de partículas. (Bastante coisa, pelo visto.)

MOTHERBOARD: É a primeira vez que o CERN faz algo do tipo, de tentar unir a arte com a ciência?

James Beacham: Às vezes nos forçamos a ir para fora das formalidades e tentamos explicar o que fazemos para as pessoas comuns. Serve para não perdermos de vista o motivo pelo qual fazemos o que fazemos.

E qual seria o motivo?

Beacham: O CERN é uma instalação internacional de pesquisas dedicada à física de partículas fundamentais. Seu projeto principal é o Grande Colisor de Hadrons. Trata-se de um túnel circular de 27 quilômetros abaixo da terra entre a França e a Suíça, perto de Genebra. Dentro do túnel, estão ímãs supercondutores utilizados para enviar um feixe de fótons com uma velocidade próxima à velocidade da luz, e nós os colidimos uns com os outros. Fazemos isso porque buscamos resultados novos, um tipo de física nova jamais vista pelos humanos.

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O que é especial em 2015 é que duplicamos a energia utilizada na época em que descobrimos o bóson de Higgs. Então fizemos esse salto na energia e, na verdade, não sabemos o que vamos encontrar. É um tiro no escuro com muitas possibilidades, assim como as novas partículas que possivelmente descobriremos e os efeitos novo que poderemos ver. É muito empolgante e um tanto esquisito – afinal, estamos avançando no desconhecido.

A Deerhoof faz o que faz porque eles não conseguem parar."

E vocês querem explicar isso por meio da música?

Becham: É um jeito de conseguir a atenção das pessoas. Assim elas podem ver o equipamento que temos aqui e talvez se interessem um pouco mais a respeito da ciência.

Isso é um pouco estranho por causa da forma. Não se trata de uma coisa meramente explicativa. É como a arte de John Cage e Matthew Barney para tentar chamar a atenção das pessoas. Por isso que é tão singular. Não acredito que o CERN já tenha produzido algo assim.

Como a Deerhood entra nisso?

Becham: As melhores partes dos shows são quando eles ultrapassam melodia e o compreensível e vão para o desconhecido, para regiões musicais profundas. Eles fazem isso a partir de uma base. E é mais ou menos o que percebi no show deles e compreendi subconscientemente o tempo todo: uma banda como a Deerhoof faz o que faz porque eles não conseguem parar. Eles querem começar dessa base musical de ideias já conhecidas e extrapolar o limite porque são curiosos e estão ultrapassando limites.

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E é mais ou menos o que fazermos aqui no CERN. As pesquisas que fazemos aqui não acontecem por causa do dinheiro, não fazemos nada para obter lucro. Fazemos porque realmente queremos descobrir o que aconteceu um trilionésimo de segundo após o Big Bang. E, para isso, temos que construir um detector ainda maior para voltar ainda mais no tempo. Eis o grande motivo pelo qual fazemos isso: porque somos curiosos.

Satomi, como você se sentia antes de vir ao CERN e tocar com sua banda?

Satomi Matsuzaki: Eu não fazia ideia do que iria acontecer antes de a Deerhoof chegar. Acelerador? Matéria escura? Produzir um buraco negro? Algo muito louco devia acontecer no CERN; essa era minha impressão. Depois que chegamos aqui, nós nos familiarizamos com a grande energia e mente aberta do CERN. Nós nos supercolidimos uns com os outros e tentamos quebrar a barreira entre a música e a ciência. Não importa como as áreas da criatividade estejam categorizadas, somos pessoas que gostam de aventura. Eu me senti muito bem-vinda e em casa quase imediatamente.

James, você deu a eles algum parâmetro para a apresentação?

Beacham: Quis dar a eles um pouco de estrutura para que tivessem alguma referência com que se basear. Mas fiz de um jeito físico. Fiz indicações do tipo "aqui é seu lugar" – por exemplo, [o guitarrista] John [Dieterich] no canto superior direito [do vídeo], no topo desse andaime. Achei que poderia ficar legal visualmente e, além disso, me intrigava ver o que poderia acontecer porque não havia jeito de colocar os amplificadores lá em cima. Basicamente, seria somente ele e os pedais enquanto seus amplificadores e alto-falantes ficavam lá embaixo para que ele não pudesse controlar os níveis. Foi fantástico ver a forma como os integrantes da banda responderam uns aos outros de forma coletiva; eles souberam não só compreender e habitar um espaço, mas também improvisaram dentro dele.

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O que vocês acharam do resultado final?

Matsuzaki: Foi muito surreal estar na maior instalação científica de vanguarda e tocar nossas músicas. Fiquei muito surpreso ao ver que nossa música estava em harmonia com a atmosfera criativa do CERN e com os barulhos que as máquinas fazem lá. Senti um arrepio ao ouvir os ecos do meu baixo distorcido em uma sala enorme onde estão os túneis que mudaram nossa compreensão do mundo.

Beacham: Espero que tenhamos inspirado eles tanto pela urgência de compreender e explorar aquilo que fazemos aqui e em como isso pode parecer similar ao que eles fazem como artistas. No fim, é o que tentamos fazer: tentamos mostrar às pessoas que acham que o CERN é algo completamente cerebral, quando, na verdade, muito do que fazemos vem da ânsia básica em compreender o mundo e explorar além do que enxergamos. É por isso que fazemos o que fazemos.

TÓPICOS: wat, cern, deerhoof, Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, grande colisor de hádrons, música, ciência, James Beacham, Suíça, Satomi Mastuzaki, Ex/Noise/CERN

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri