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As cidades que substituíram a polícia por assistentes sociais, médicos e pessoas sem armas

E deu certo.
Protesters march down Pennsylvania Avenue from the Capitol as George Floyd police brutality demonstrations and marches are held around Washington on Saturday, June 6, 2020.

Washington – não chame de “desfinanciar”. Mas cidades dos EUA estão encontrando novas maneiras de responder a problemas sociais que não se resumem apenas a mandar policiais armados.

Esses programas não recebem muita atenção, e alguns são bem pequenos, mas cidades estão trabalhando em abordagens alternativas locais para questões que policiais não parecem ser bem preparados para lidar, incluindo crises de saúde mental, pessoas sem-teto, problemas de trânsito, drogas e trabalho sexual. Algumas têm tentando voltar a resposta para especialistas treinados que não carregam armas. Outras colocaram especialistas trabalhando com os policiais.

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A análise de cada cidade feita pela VICE News encontrou vários exemplos. Nova Orleans terceirizou sua resposta para pequenos acidentes de trânsito para uma empresa privada. Eugene, Oregon, envia uma pequena equipe com um médico é um especialista em crise para lidar com um quinto de todas as chamadas para o 911. O condado de Miami-Dade da Flórida estabeleceu um imposto para restaurantes, e usa a renda para colocar pessoas sem-teto em abrigos e depois em moradias permanentes.

Esses exemplos da vida real apontam como as cidades podem transformar o pedido vago de “desfinancie a polícia” para uma realidade onde a verdadeira segurança pública é separada dos serviços sociais gerais, que às vezes a polícia não está bem preparada para lidar.

Mas isso ainda é apenas uma gota no oceano. Na maioria dos lugares, policiais armados continuam sendo a equipe de resposta padrão para lidar com coisas de música alta até uma lanterna traseira quebrada, com resultados que muitas vezes saem do controle e levam a violência e homicídio.

“A dificuldade no policiamento é que usamos o mesmo modelo para tudo”, diz Barry Friedman, que comanda o Projeto de Policiamento da Universidade de Nova York. “A polícia simplesmente não é treinada para muitas das coisas com que acaba lidando. Os policiais são treinados para usar a força e a lei. Então você consegue só resultados de força e lei.”

Mas mesmo antes da polícia de Minneapolis matar George Floyd na resposta para uma queixa de uma nota de $20 falsa, desencadeando protestos nacionais e um debate sobre desfinanciar departamentos de polícia, cidades já vinham experimentando novas ideias. Seus esforços focam em definir áreas problemáticas que tomam muito tempo e atenção da polícia.

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Saúde mental. Departamentos de polícia dizem que 10% de seu contato com o público envolve uma pessoa com doença mental, e aquelas com sintomas sem tratamento respondem por mais de 1 em cada 4 mortes com arma de fogo envolvendo a polícia.

Pessoas sem-teto. Uma onda de leis contra saques pelo país basicamente tornou ser sem-teto em algo ilegal, e colocou a polícia para fazer isso ser cumprido. Em 2016, um departamento de polícia da Califórnia informou que mais de 30% das chamadas eram sobre pessoas sem-teto.

Trânsito. Por que policiais armados estão no comando da segurança de trânsito? O economista Alex Tabarrok apontou que muitas mortes envolvendo a polícia ocorrem no trânsito, como no caso de Philando Castile.

“Sempre que há interações com a polícia, você tem uma oportunidade de abuso e má conduta”, disse Teri Ravenell, professor de direito especializado em conduta policial e direitos civis da Universidade Villanova. “Muita gente quer limitar essas interações no geral – especialmente dentro das comunidades não-brancas.”

O desenrolar desses programas não foi necessariamente acompanhado de cortes no orçamento da polícia – mas em alguns casos houve economia de recursos.

Nos EUA há cerca de 18 mil agências da lei diferentes, então qualquer mudança que aconteça será fragmentada.

Mas algumas cidades já estão mudando as coisas.

Eugene, Oregon

Saúde mental, assistência de crise

Um grupo de ativistas em Eugene lançou uma aliança improvável com a polícia local 30 anos atrás para fornecer um novo sistema de resposta a emergências. E isso se tornou um modelo para reformas em todo o país.

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O programa envia duas pessoas, um médico e um especialista em crise, em vez de um policial armado. O sistema se chama CAHOOTS – ou Crisis Assistance Helping Out on the Streets. Em 2018, o CAHOOTS realizou 24 mil respostas em Eugene e na vizinha Springfield, com serviço gratuito para qualquer pessoa passando por uma crise. Eles usam uma van branca com suprimentos médicos e cobertores.

O programa agora lida com 20% das chamadas para o 911 e custa $2,1 milhões por ano – uma pequena fração dos orçamentos da polícia de Eugene e Springfield combinados de $90 milhões, como o coordenador clínico Ben Brubaker disse recentemente para a NPR.

O grupo estima que economiza $6 milhões em custos de serviços médicos.

Outras cidades explorando programas baseados no CAHOOTS incluem Olympia, Washington; Oakland, Califórnia; Denver; Nova York; Indianápolis; Portland; Austin, e Chicago.

Denver

Saúde mental, abuso de substâncias

Denver acabou de lançar um programa baseado no CAHOOTS conhecido como Support Team Assisted Response (STAR).

Ele envolve despachar um paramédico da Denver Health e um assistente social para chamadas do 911 menos sérias numa van discreta – em vez de policiais armados.

Durham, Carolina do Norte

Menos policiais e uma “força-tarefa de segurança e bem-estar comunitários”

O conselho municipal votou contra contratar 18 novos patrulheiros ano passado, depois de uma campanha pública liderada por um grupo chamado Durham Beyond Policing.

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A cidade agora está explorando uma nova “força-tarefa de segurança e bem-estar comunitários”.

Colorado

Saúde mental

O estado do Colorado está usando milhões em impostos de maconha legalizada para mandar profissionais de saúde mental com a polícia para chamadas de 911.

Oito cidades, incluindo Denver e Grand Junction, recebem até $360 mil por ano do Marijuana Tax Cash Fund do estado para pagar as equipes de resposta.

Nova Orleans

Acidentes de trânsito

A Cidade de Nova Orleans contratou uma empresa chamada On Scene Services para mandar agentes de trânsito para a cena de acidentes.

A ideia originalmente foi proposta como uma maneira de liberar os policiais para lidar com crimes sérios.

Durante o lançamento do programa piloto no começo de 2019, o tempo de espera médio para o OSS era de 90 minutos, comparado com uma média 2 horas e 7 minutos de espera pela polícia normal.

Austin, Texas

Saúde mental

A cidade de Austin recentemente canalizou milhões de dólares para serviços de resposta de saúde mental através de chamadas para o 911.

Além da polícia, departamento de bombeiros e ambulâncias, aqueles que ligam para a emergência também podem pedir serviços de saúde mental. O grupo se chama Expanded Mobile Crises Outreach Team (EMCOT).

Martinsburg, Virgínia Ocidental

Drogas

Um programa chamado The Martinsburg Initiative visa combater a pandemia de opiáceos na área com uma nova abordagem pensada para intervenção precoce.

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O sistema identifica jovens com vários fatores de risco e os aborda juntamente a suas famílias, oferecendo ajuda psicológica para violência doméstica, aulas para pais, terapia, tratamento para abuso de substância e orientação.

“As autoridades abraçaram a sabedoria comum de que você não pode prender pessoas como um jeito de resolver o problema das drogas”, escreveu Maury Richards, chefe do Departamento de Polícia de Martinsburg, num artigo de opinião descrevendo o projeto.

Seattle

Drogas, trabalho sexual

Seattle é pioneira de um modo para os policiais se tirarem da equação quando se trata de posse de pequenas quantidades de drogas e trabalho sexual. O programa se chama Law Enforcement Assisted Diversion, ou LEAD.

O processo envolve os policiais entregando pequenos infratores para especialistas em vício ou assistentes sociais, em vez de levá-los para encarceramento e um ciclo de prisão, soltura, prisão.

O programa desde então se espalhou por dezenas de cidades ao redor dos EUA, incluindo Santa Fé e Albany, Nova York. Enquanto o projeto não corta totalmente os policiais, um estudo descobriu que pessoas que entravam no programa tinham 60% menos chances de ser presas novamente dentro de seis meses, comparado com pessoas que não entravam.

O programa LEAD de Santa Fé custou $9.507 por indivíduo nos últimos três anos, comparado com uma média de $42 mil por indivíduo no sistema usual.

Condado Miami-Dade

Pessoas sem-teto, violência doméstica

No começo dos anos 1990, mais de 8 mil pessoas sem-teto vivam nas ruas de Miami. Mas em 1993, o condado aprovou um plano de cobrar uma taxa de 1% em contas de restaurante, e usar o dinheiro para habitação e outros serviços.

O programa reduziu a população sem-teto da cidade em cerca de 85% desde então – apesar de não ter consertado tudo. A taxa também canaliza 15% da renda para centros de violência doméstica.

Imagem do topo: Manifestantes marcham pela Avenida Pensilvânia do Capitólio em resposta ao assassinato de George Floyd em Washington, 6 de junho de 2020. (Foto por Bill Clark/CQ-Roll Call, Inc via Getty Images.)

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