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Relato

Vinte dias até minha execução

Em Arkansas, nos EUA, oito homens devem ser executados com injeção letal nos próximos dias. Esta é a história de um deles.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US em colaboração com o Marshall Project .

Kenneth Williams é um dos oito homens que devem ser executados em Arkansas daqui 11 dias. O calendário estranhamente cheio desencadeou apelos de último minuto, além de processos sobre o uso do sedativo midazolam.


Pouca gente já viu pessoalmente um mandado de morte, sem falar em receber um com seu nome.

Lembro que o diretor instruiu a segurança a nos escoltar algemados de nossas celas, um de cada vez, para um pequeno escritório onde estávamos cercados por oficiais da prisão. O diretor leu em voz alta as informações do mandado, que incluíam nossos nomes, crimes e o veredito do júri.

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Houve silêncio. Minha mente não se alterou, já tendo passado por isso antes só para receber uma suspensão da execução mais tarde. Havia uma certa calma, sabendo que eu não estava só, outros sete homens estavam comigo — mas, mesmo sendo amigo dos outros caras, eu preferia ter passado por isso sozinho.

Me entregaram o mandado de morte, uma folha de papel mais comprida que o normal com o selo dourado do Estado de Arkansas. No final, havia a assinatura do governador Asa Hutchinson.

Morte, um passo mais perto. Tique, taque.


Quando [você] recebe uma data, você tem que ser o primeiro a dar a notícia para sua família. Mas muitas vezes a imprensa chega até eles antes. Para os prisioneiros, enquanto o dia fatal se aproxima, a parte mais difícil é saber que você condenou seus entes queridos a um destino amargo. Quando você partir, eles terão que continuar.

É vital que eu alcance um ponto no qual possa me perdoar, para poder escrever para minha filha de 21 anos e dar a notícia a ela. Logo estarei com a mãe dela, a deixando órfã. Só escrever essa carta já é o suficiente para me fazer considerar dar um soco no executor, mas tenho sustentando minha paz e perdão interior que recebi através da minha relação com Jesus Cristo.


Cara, as cartas vieram aos montes depois que a data da minha execução foi marcada! Na chamada do correio, recebi mais cartas do que nunca sobre o bem-estar da minha alma. "Você conhece Deus? Você aceitou Jesus Cristo como o Senhor da sua vida? Se não se arrepender antes de morrer, você vai para o inferno."

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As pessoas mandaram cartas impressas, escritas à mão, cartões, livros, etc.

A maioria desse material está destinado ao lixo. Onde essas pessoas estavam em todos esses anos, quando eu estava sentado no corredor da morte, quando eu poderia ter abraçado o que elas tinham a oferecer? As vejo como oportunistas, que querem se gabar para os amigos de como tentaram ganhar minha alma.

Neste ponto, um indivíduo já fez as pazes com Deus, ou não vai mais fazer.


Alguns outros prisioneiros escolheram não pedir clemência, sabendo que o comitê geralmente nega. Eles acharam que seria melhor se poupar da decepção.

Eu, por outro lado, vi uma oportunidade. Eu queria aparecer diante do comitê para mostrar que não sou mais a pessoa que fui um dia. Deus me transformou, e mesmo o pior de nós pode ser reformado e renovado. Revelar essas verdades é mais importante para mim que receber clemência. Ainda vou morrer um dia, mas falar de Deus diante do homem, essa é minha vitória.

Para as famílias das vítimas, para quem eu trouxe dor, perdas e sofrimento, por mais vazio que "Me desculpe por roubar seu ente querido" possa parecer, eu prefiro dizer, realmente sentindo isso, que não dizer.


A equipe de saúde mental me perguntou: "Você tem pensado em se machucar?" Fiquei ofendido — o pensamento por trás da questão é sair na frente de qualquer um pensando em acabar com sua vida antes que o Estado possa fazer isso. Eles não querem que a gente machuque eles.

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Depois que um prisioneiro no corredor da morte recebe uma data, outros que fizeram amizade com ele fazem seus pedidos: "Posso ficar com seu tênis? Me deixe seu relógio? Me dá seu rádio?" O pobre cara pode sentir que está sendo desmontado. Outras coisas que ele não quer dar aos colegas prisioneiros, como fotos de família ou cartas, ele manda para casa numa caixa, um pouco antes dele também ser mandado para casa numa caixa.


Um guarda apareceu na minha cela hoje e perguntou "Kenneth, você está bem?" Depois ele perguntou "Que tamanho de camisa e calça você usa? Que número você calça? Qual a sua altura? Quanto você pesa?"

É aquela coisa do cordeiro sendo medido antes do abate. Eu penso "Eles esqueceram que sou um ser humano, ou apenas não se importam?" Depois pensei "Não foi a minha falta de consideração com a vida humana que me colocou nesta situação para começo de conversa?"


Eu sei que midazolam, uma das drogas que eles usam no coquetel da injeção letal, nem sempre anestesia o prisioneiro completamente. Como serei um dos últimos a ser executado, alguns pensam que se uma das primeiras execuções falhar, isso pode prolongar a vida dos outros, incluindo a minha. Mas não quero viver porque outra pessoa teve que passar por essa agonia. Outros terem que sofrer para que eu viva por não sei mais quanto tempo — isso não é esperança, não se eu realmente aprendi minha lição sobre valorizar a vida dos outros.

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Kenneth Williams foi sentenciado à morte pelo assassinato de Cecil Boren, durante sua tentativa de fuga da Unidade Cummins em Grady, Arkansas, em 1999. Williams tinha começado a cumprir prisão perpétua pelo assassinato da universitária Dominique Hurd. Mais tarde ele confessou um terceiro assassinato, e foi responsável pela morte de uma quarta vítima num acidente de trânsito durante sua fuga.

Este ensaio foi derivado das correspondências entre Williams e Deborah Robinson, que está escrevendo um livro sobre os oito homens que devem ser executados em Arkansas.

Tradução: Marina Schnoor

Ilustração por Dola Sun.

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