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Tecnologia

Como Um Suposto Agente Duplo do DEA Foi Preso Por Ganhar Dinheiro No Silk Road

Dois ex-investigadores do caso Silk Road foram presos por lavagem de dinheiro e fraudes relacionadas diretamente à investigação.
​Crédito: Shutterstock

Dois ex-investigadores do caso Silk Road, a operação que desbancou o mercado negro da internet, foram presos por lavagem de dinheiro e fraudes relacionadas diretamente à investigação.

Shaun Bridges, um ex-Agente Especial do Serviço Secreto Americano, e Carl Mark Force IV, do DEA (Orgão de Combate às Drogas) faziam parte da Força Operacional Silk Road de Baltimore. Mas é a história de Force, mais especificamente, que nos ensina exatamente o não deve ser feito por alguém que quer manter várias identidades na deep web sem ser pego.

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Force era, segundo as acusações, um agente duplo: membro de uma força-tarefa para capturar o líder do site, conhecido como Dread Pirate Roberts ("Temível Pirata Roberts", em tradução livre, e também conhecido como DPR), e ao mesmo tempo informante do criminoso.

Segundo a queixa criminal disponibilizada no dia 30, Force cometeu uma série de erros básicos que o levaram a ser identificado como a fonte de DPR e como receptor de centenas de milhares de dólares.

A queixa alega que Force se apresentava como "Nob", um importante traficante de cocaína, durante o período que passou infiltrado na Silk Road. Com essa falsa identidade, Force fez negócios com um funcionário da Silk Road, Curtis Green, que deu seu endereço pessoal para o agente e foi subsequentemente preso. Essa prisão resultaria em um elaborado — e falso — assassinato encomendado: os agentes do DEA mandaram fotos de Curtis Green para o DPR como "prova" de que o trabalho estava feito.

Após isso, "centenas de milhares de dólares" em bitcoins foram depositados na conta pessoal de Force

O Departamento de Justiça afirma que Force também mantinha uma série de identidades falsas não aprovadas pelo DEA, sendo uma delas a alcunha "French Maid".

Após o servidor do Silk Road ter sido desativado em outubro de 2013, a justiça ganhou acesso a todas as mensagens trocadas entre usuários do site. Entre elas estavam as mensagens trocadas entre French Maid e DPR. Em sua primeira mensagem para DPR, French Maid assinou com o nome Carl e se esqueceu de criptografar a mensagem, o que permitiu que os investigadores a lessem.

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"Eu recebi uma informação importante que você precisa saber com urgência. Por favor me envie sua chave pública do PGP. Carl." [Ênfase da queixa criminal]

Parece que French Maid percebeu seu erro rapidamente, o que o levou a enviar uma segunda mensagem apenas quatro horas depois. Com o título "Oooooops!", a mensagem de French Maid afirmava que ele era na verdade uma mulher chamada "Carla Sophia", e que ela tinha "muitos namorados e namoradas nesse mercado. O DPR vai querer escutar o que eu tenho para dizer :) beijinhoooos."

Independente de DPR ter caído ou não no blefe, o prejuízo já estava feito, e essa mensagem seria uma das evidências apresentadas como prova da ligação entre Carl Mark Force IV e o perfil do French Maid.

Os investigadores também descobriram que Nob e French Maid usavam o mesmo e ultrapassado software de criptografia. "Isso não é o mesmo do que, por exemplo, duas pessoas com o mesmo modelo de celular e com o mesmo software desatualizado", afirma a queixa. "Na realidade, essa versão desatualizada utilizada tanto por French Maid quanto por FORCE (agindo como Nob) é mais uma prova, tendo em vista o grande número de versões disponíveis."

As provas mais concretas da conexão entre Force e French Maid estão na investigação da quantia supostamente recebida pelo acusado. Segundo os dados do servidor do Silk Road, no dia 15 de setembro, DPR fez uma transferência de 770 bitcoins para French Maid, quantia que valia cerca de US$98.000 na época. De acordo com a queixa, essa transferência ocorreu na mesma época em que Ulbricht escreveu o seguinte em sua ata: "paguei US$110k a French Maid pelo nome que [K]arpeles ofereceu a DHLS [provavelmente um erro de digitação, significando DHS]." French Maid teria dito a DPR que Mark Karpeles, o dono do hoje extinto mercado de ações do Bitcoin, havia revelado sua identidade para as autoridades.

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Trecho da queixa oficial.

Embora esses 770 bitcoins tenham sido enviados para quatro contas diferentes, teoricamente para esconder o seu destino final, os investigadores conseguiram traçar o caminho dessa quantia através da análise do blockchain, o que revelou que todas essas transações foram parar em na mesma conta entre os dias 23 e 29 de setembro.

A conta, criada na plataforma de cotação de Bitcoin CampBX, pertencia, na realidade, a Force. "Informações oferecidas pela CampBX revelam que essa era uma conta gerenciada pelo próprio FORCE", afirma a queixa.

Além disso, pelo menos 600 bitcoins foram transferidos dessa conta para outra, desta vez aberta na plataforma Bitstamp. Essa conta, ainda de acordo com as informações obtidas pelos investigadores, pertencia a Force, e teria sido registrada com seu "endereço pessoal, sua data de aniversário, o número de sua conta bancária e endereço de email pessoal".

Na última etapa dessa transação, esses "centenas de milhares de dólares em bitcoins" foram transferidos para a conta pessoal de Force, levando o pagamento de DPR ao informante French Maid direto para os bolsos do agente secreto.

Além disso, o agente está sendo acusado de utilizar outra identidade para tentar ganhar mais dinheiro, dessa vez com chantagem.

Em abril de 2013, o usuário "Death From Above" mandou uma mensagem para DPR; nessa mensagem, ele afirmava saber tudo sobre a plano de matar Curtis Green — o mesmo plano no qual Force, durante seu período como agente do DEA, esteve envolvido — assim como a identidade de DPR.

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Alguns dias e várias mensagens depois, Death From Above escreveu para DPR: "Quero US$250.000 na minha conta para não revelar sua identidade para a polícia."

No entanto, após checar os registros do trabalho de Force na investigação do Silk Road, os investigadores notaram que ele havia entrado na conta do perfil "Death From Above" utilizando um laptop oficial do DEA.

"Em algum ponto das várias horas de gravação, podemos ver uma mensagem sendo escrita sob a alcunha de 'Death From Above'", diz a queixa.

Se as acusações do governo forem verdadeiras, isso significaria que Force cometeu vários erros. Ele disponibilizou seu nome verdadeiro em uma mensagem não-criptografada, ligou sua identidada ao dinheiro que ele estava ganhando ilegalmente, e esqueceu de separar seu disfarce oficial na investigação da identidade que ele havia criado para ganhar mais dinheiro, utilizando o mesmo computador para ambos.

Desde que o Silk Road foi desativado, em outubro de 2013, descobrimos que todos — de traficantes e administradores a agentes duplos chantagistas — cometem erros. Mesmo anos depois, ainda existem pessoas sendo indiciadas, e o número só tende a aumentar.

Tradução: Ananda Pieratti