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Tecnologia

Qual É o Problema da Parceria Entre o Governo Brasileiro e o Facebook?

Mark, quais são suas verdadeiras intenções?
Crédito: Palácio do Planalto.

Em meados de abril, a presidente Dilma Rousseff vestiu o moletom do Facebook e anunciou que o Mark Zuckerberg traria internet de graça ao Brasil. O acordo fazia parte da plataforma Internet.org, a iniciativa da maior rede social do mundo para levar acesso aos dois terços da população mundial que ainda estão sem conexão.

Os detalhes do acordo não foram lá muito claros. O pouco que se soube foi que, a partir do Internet.org, os usuários teriam entrada gratuita no Facebook e em outros sites parceiros da empresa. Bastaria um aparelhinho e, pronto, seria possível subir umas fotos, Curtir uns posts e navegar por aí. A princípio, a iniciativa parecia bem legal e, vamos combinar, caía muito bem ao nosso país: de acordo com dados do IBGE, 50,6% da população nacional acima de 10 anos não está conectada à internet.

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Mas assim como dizem que cavalo dado não se olha os dentes, sabemos que não existe almoço de graça. Por isso 67 entidades mundiais ficaram com o pé atrás e questionaram em uma carta endereçada ao presidente do Facebook qual seria o real interesse de uma empresa tão gigantesca em oferecer internet gratuita. No Brasil, seis organizações assinaram essa carta perguntando: Mark, quais são suas verdadeiras intenções?

O presidente da rede social não respondeu, claro. Segundo o calendário do Facebook, ele deve chegar ainda esse mês em nossas terras para firmar de vez o acordo com o governo brasileiro e estabelecer as regras da parceria. Enquanto isso, o máximo que é possível obter de seu projeto é uma página de perguntas e respostas que não esclarecem muita coisa. A presidente Dilma Rousseff também foi questionada por meio de uma outra carta e permanece em silêncio sobre o assunto.

Mas, afinal, o que essas organizações temem do acordo?

A confusão começa com o nome da plataforma: Internet.org. Para muitos críticos, trata-se de um nome no mínimo pretensioso e que pode, a longo prazo, dar a ilusão de que a internet é o Facebook. Isso já acontece com muita gente, na real. Uma pesquisa feita pela agência de notícias Quartz apontou que boa parte dos usuários do Facebook em países onde existem problemas de conexão acreditam que o Facebook é a própria internet.

Guilherme Sena, diretor do Instituto Beta para a Internet e Democracia, um dos signatários das cartas acima citadas, explica que também existe uma grande preocupação com relação aos detalhes do projeto. Por enquanto, diz, está tudo muito nebuloso. "A gente não sabe como vai ser, não existe nada de concreto. Existe a ideia de que podem ser laboratórios (como o que já existe no bairro de Heliópolis, em São Paulo) e de que pode ser o franquamento de acesso gratuito à internet."

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Caso seja por franqueamento, explica Sena, a plataforma poderá funcionar por meio da prática de zero rating, que nada mais é do que poder acessar alguns aplicativos e sites gratuitamente, sem descontos na franquia de dados da sua operadora. Para os analistas, essa prática criaria um tratamento diferenciado no pacote de dados: uma boa parte da internet que não teria acordo com o Facebook seria prejudicada. "Fica muito claro o gerenciamento de rede de tráfego e pacotes quando você só consegue acessar alguns sites e todo o resto da internet está bloqueado mesmo usando uma única conexão", diz Veridiana Alimonti, do conselho diretor do Instituto Intervozes, outra entidade que assina as cartas. "Aí tem uma relação com a neutralidade: você não está tratando os pacotes de forma isonômica, está dando prioridades a alguns e bloqueando todos os outros", afirma.

"Você fraciona a internet para as pessoas só aquilo que o Facebook diz que pode ser acessado"

O ponto dos tais pacotes diferenciados é um dos mais questionados pelas organizações. Em teoria, a prática de zero rating fere o princípio da neutralidade Marco Civil da Internet, aprovado no Brasil ano passado e em debate público, que diz que as empresas devem "tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação".

Em sua defesa, o Facebook explica em seu FAQ que o Internet.org e a neutralidade da rede podem coexistir e que a empresa tem trabalhado para garantir que serviços não serão bloqueados. "A neutralidade da rede busca garantir que os operadores de rede não limitem acesso aos serviços que as pessoas querem usar, e o objetivo do Internet.org é prover a mais pessoas o acesso", diz a empresa no site.

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Não parece que as entidades signatárias da carta se convenceram com essa resposta do Face. Marcelo Saldanha, do Instituto Bem Estar Brasil, ressalta que o Facebook está se colocando no mundo como uma solução para o dividendo digital mas, na verdade, está ferindo a neutralidade da rede aplicando a prática de zero rating.

Para Guilherme Sena, se a coisa andar pra esse lado do acesso gratuito ao Facebook e seus parceiros, "você fraciona a internet para as pessoas acessarem só aquilo que o Facebook diz que pode ser acessado".

Internet dos ricos versus internet dos pobres

"Quando as pessoas usam serviços básicos gratuitos, muitas delas decidem pagar para acessar a internet mais ampla", diz Mark Zukerberg no vídeo de apresentação do Internet.org. A intenção do CEO parece bem clara: fazer com que as pessoas, depois de experimentar o gostinho da internet, passem a assinar um pacote de dados para ter acesso ao resto da rede.

O problema disso é que, de acordo com Veridiana, se cria uma internet "dos ricos" e uma internet "dos pobres", mais limitada. "Quem tem dinheiro para pagar um plano, tem acesso a toda a internet; quem não tem vai acessar alguns sites que a gente não tem muita transparência em relação a como eles são escolhidos", afirma. "O que a gente quer é que todo mundo tenha acesso à internet toda, é essa rede que é essencial e não uma lista limitada de sites, isso é outra coisa."

Existe também outra treta: a segurança e a privacidade na rede. O Facebook já detém dados de 1,4 bilhão de pessoas no mundo. Mark já sabe quem são nossos amigos, os lugares que frequentamos, os caminhos por onde passamos, o que curtimos, o que ocultamos dos nossos feeds, quais propagandas e notícias nos interessam. Talvez nem sua mãe saiba tanto sobre você quanto o Facebook sabe. Se o Internet.org controlar o que poderá ser acessado ou não por dois terços da população, terá o mundo inteiro em suas mãos. "Tendo mais acesso ainda, existe a preocupação de qual uso é feito com esses dados que estão disponíveis para a empresa e isso nunca é feito de forma transparente para o usuário. Existe aquela política de privacidade, os termos de uso, mas que a gente sabe que ninguém lê e que a linguagem não é tão acessível assim", diz Sena.

Veridiana lembra que é com esses dados que o Facebook faz dinheiro. A empresa pode até não estar cobrando grana dos portais e outros sites parceiros do Internet.org, mas, apesar da rede social dizer que não haverá propagandas na plataforma, existe um modelo de negócio aplicado na venda de dados dos usuários para quem quer anunciar no site. Mesmo que seja apenas para a publicidade que os perfis dos usuários sejam vendidos, "é importante ter controle sobre isso para coisas que vão do mais básico até o mais sério", alerta Veridiana. "Muitas vezes as pessoas lidam com essa proteção à privacidade como se não devessem se preocupar porque elas não estão fazendo nada de errado, não têm nada a esconder. Mas não se trata disso, de estar fazendo algo certo ou errado, e sim de você ter condição de continuar sendo o titular das suas informações. Quem tem que decidir se compartilha ou não informações sobre si mesmo é o indivíduo e não um terceiro."

Quando desembarcar aqui, nas próximas semanas, Zuckerberg e Dilma terão que dar várias explicações aos ativistas, aos críticos, aos usuários e à população nacional. Isso não significa que estão todos contra a iniciativa, diz Sena. "Pode ser uma oportunidade bacana, desde que feita de forma transparente e com alguns cuidados", opina. Saldanha me disse que as entidades estão abertas para sugerir o que seria de fato uma iniciativa para se reduzir o dividendo digital no Brasil.

Ao que parece, todos os signatários da carta estão do lado da inclusão digital. Eles só querem uma resposta: qual é sua verdadeira intenção, hein, Zuckerberg?