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Música

A Arte do Punk com Bryan Ray Turcotte

Entrevistamos um cara que vem se debatendo nos shows de punk desde muito antes de você ter participado de sua primeira roda de pogo.

Bryan e parte da sua coleção de filipetas. Fotos por Jamie Lee Curtis Taete

Bryan Ray Turcotte vem se debatendo nos shows de punk desde muito antes de você ter participado de sua primeira roda de pogo: a grande corrida maluca dos espermatozoides até o óvulo. Ele conheceu o punk no começo dos anos 80 quando era só um moleque no Central Valley da Califórnia e, nos anos 90, se mudou para Los Angeles, tentado pela cena maior. Ele está lá desde então e conseguiu erguer seu próprio império punk (mesmo que isso pareça um grande paradoxo pra você).

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O que começou como uma coleção pessoal de filipetas punk, com o tempo se tornou um livro, o Fucked Up + Photocopied  [Fodido + Fotocopiado], uma crônica de centenas de cartazes de show daquela era. Seu interesse em arte e música o levou pra trampos de supervisão de comerciais e filmes, assim como consulta gráfica pra marcas grandes como Levis e Converse. Agora, Turcotte e seu parceiro, Bo Bushnell, encabeçam uma exposição de arte associada à música da juventude de Turcotte no museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (o MoCA). Semana passada, um episódio da MoCA TV sobre os Dead Kennedys estreou no canal do YouTube do museu como um complemento da exposição.

Conversei com Turcotte sobre crescer sendo punk e o poder de uma filipeta.

Camiseta do Darby Crash e bótons.

VICE: Como foi seu primeiro show de punk?
Bryan Ray Turcotte: Ah, cara. Foi um show tão foda. Era um show pequeno, Dischord, Grim Reality e acho que o Crucifix — não tenho certeza — no De Anza College em Los Gatos. Foi um lance assim, tipo, eu curtia a música e a cena, mas eu era muito mais novo do que os garotos da minha escola que curtiam isso. Então aquele show foi como meu batismo. Eu tinha raspado a cabeça e usava um pequeno bracelete punk, mas eles disseram: “Você vai nesse show”. Então esse foi meu batismo, minha primeira vez sendo jogado num mosh pit e tal. Tenho a filipeta aqui em algum lugar.

Você lembra do que pensou quando viu a filipeta desse show específico?
Foi uma dessas experiências que mudam a sua vida, como quando ouvi Clash e acordei, musicalmente falando. Depois que vi a filipeta (e fui pro show,vi os cabelos espetados, as jaquetas pintadas e o visual todo), não tinha como voltar atrás. Isso definitivamente mudou minha vida para melhor.

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Como sua imersão nesse mundo do punk funcionou na época? É provavelmente muito diferente do que se o punk tivesse surgido durante a era da internet, não?
Eles me educaram, sabe? Os caras eram mais velhos. Tínhamos sorte porque um dos caras que andava com a gente era do Reino Unido, então ele sabia várias coisas sobre a geração anterior. “É assim que você dobra a barra da calça. É assim que você espeta seu cabelo com gel Knox”. Aprendi a cortar cabelo com esse cara, daí me tornei o cara do cabelo punk. As camisetas eram feitas à mão. A gente ia pros brechós, comprava roupas baratas e as modificava. Era um puta trampo, mas foi a primeira vez que senti como se tivesse um mentor. Continuo me espelhando nesses caras.

Um pouco da coleção de camisetas do Bryan.

Quando você começou a colecionar filipetas?
Nas antigas, era assim que você ficava sabendo dos shows. Elas falavam comigo visualmente, mas eu pegava essas filipetas principalmente pra saber o que estava acontecendo. A gente atravessava a cidade inteira de skate pra pegar as filipetas. Você tinha que ir até lá, destacar um deles, colocar no bolso e depois avaliar aonde você queria ir e decidir o que queria ver. Ainda dá para pegar filipetas hoje em dia, mas não é algo feito com tanta frequência. Eu só coloco um cartaz do lado de fora da Intelligentsia e recebo muitas reações. Agora é tudo convite direto — a gente nunca fazia isso naquela época. Em um ano, eu já tinha filipetas suficientes pra cobrir as paredes do meu quarto de cima a baixo. Foi o que levou à primeira coleção em Fucked Up + Photocopied: minha mãe me ligou para dizer que estava se mudando, então dirigi de Los Angeles a Los Gatos para pegar todas as filipetas de volta, porque eu sabia que ela ia jogar tudo fora.

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Qual filipeta você nem acredita que ainda tem?
Lembro de estar na Tool and Die e ver o vocalista dos Fuck-Ups sentado no chão desenhando a filipeta da noite seguinte, depois correndo para fazer as cópias e voltando. Foi um momento muito estranho, assistir ele desenhando, depois saindo, voltando com as cópias e me entregando a filipeta. E fomos lá no dia seguinte. Enfiei a filipeta no bolso e ela ficou toda rasgada e fodida, mas ainda a tenho, é a primeira filipeta do Fucked Up + Photocopied.

Qual é o processo típico da produção de uma filipeta, do conceito ao produto final?
Havia algo de especial em andar de skate até o centro da cidade e ver uma filipeta com uma explosão nuclear nela ou algo do gênero. Elas podiam ser muito explícitas, chocantes, satíricas ou só engraçadas. Algumas filipetas eram só “Free Beer!”, outras faziam uma gozação com o Reagan, outras tinham uma foto bem grande do Keith Richards com um bigode maluco ou algo assim. Pra todo show que a gente fazia, fosse uma festa ou não, a gente fazia uma filipeta. Você só tinha que pedir pros moleques da escola de arte ajudarem. A gente estava no colegial, então, se ficávamos sabendo de algum carinha que desenhassem caveiras bem, a gente dava as filipetas pra ele desenhar, depois alguém entrava de fininho na sala dos professores pra fazer umas cópias. Na época não tinha esses quiosques de xerox.

Havia, certamente, um aspecto artístico nessas filipetas. Elas eram muito mais do que um pedaço de papel com data, hora e local escritos nela.
As pessoas costumavam trocar filipetas. Tinha gente que escrevia cartas no verso. Se você escrevesse uma carta pro Mike Muir do Suicidal Tendencies perguntando aonde podia arrumar uma das camisetas originais que eles usavam, ele sempre respondia dizendo: “Faça você mesmo, moleque! Toma um adesivo”. E isso era sempre no verso de uma filipeta do Suicidal Tendencies. Era incrível conseguir essas filipetas de Los Angeles, porque a gente só conseguia imaginar como era grande a cena de lá. Era tipo uma Meca pra gente lá do norte.

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O molde dos chapéus originais do Devo.

As filipetas morreram ou só andam subutilizadas?
Sou velho o suficiente para ter visto ciclos começarem e passarem. Tenho muita esperança hoje em dia porque acho que o círculo está voltando para o punk. Costumávamos ter Solid Gold passando na TV, agora você tem Dancing with the Stars. Todo mundo está focado nos singles de novo. É como se fosse 1976 novamente. E o que saiu disso foi o punk, o hip hop, a cultura do Faça-Você-Mesmo e a confecção de filipetas. Vi o vinil voltar. Vi o ressurgimento do foco na qualidade em vez da quantidade.

As filipetas eram para ser descartáveis, se você guardava alguma e ela durava 30 anos era um milagre. Vejo aquela filipeta do Fuck-Up e lembro exatamente onde eu estava naquele dia. Fazia tanto calor que as paredes suavam. Lembro daquilo. É como pegar uma estrela. É físico. É uma experiência. Não me sinto assim com as filipetas de internet. Acho que as pessoas vão perceber que querem mais. Todo mundo está disponibilizando discos e MP3s, mas, no final das contas, as pessoas querem mais de uma experiência pra ajudá-los a ver além das porcarias. Se você dá uma filipeta para alguém e essa pessoa vai ao show, a experiência vai ser muito mais forte do que se ela simplesmente ficar sabendo disso por alguma rede social.

@totallyallen

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