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Μodă

Tive que Sobreviver à Semana da Moda de Londres Só com Brindes

E obviamente não foi nada saudável.

O autor ganhando um salgadinho na London Fashion Week. Todas as fotos por Carl Wilson. 

A London Fashion Week é um evento que vem com seu próprio conjunto específico de certezas. Você vai: trombar com um estagiário sobrecarregado levando uma bandeja de latte de leite de soja, ver um membro da dinastia Guinness, e, por fim, perceber que a sacola de brindes da primeira fila (com de gel pra cabelo de efeito molhado e post-its de marcas famosas) não é tão legal assim.

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Mas se você é conhecido (blogueiro, stylist ou alguém cujo guarda-roupa contém 70% de malha de ouro), tem mais uma coisa: a LFW significa uma sequência de festas em coberturas e acesso ao bar da mídia do ME Hotel.

E essa certeza, em particular, se tornou uma parte muito importante da minha vida. Na semana retrasada, a VICE me pediu para sobreviver à London Fashion Week "sem gastar nem um tostão". E eles não estavam brincando. Tudo que eu iria comer, beber, vestir e ver tinha que ser dado pelo circo da LFW. As roupas com que cheguei no dia um seriam os trapos sujos de Negroni que eu estaria usando na quinta-feira, a menos que eu tivesse a sorte de encontrar uma camiseta da Snog x British Fashion Council numa das minhas sacolas de brindes.

Literalmente nada que eu não encontrasse na Semana da Moda de Londres podia entrar no meu corpo. Por cinco dias.

Gostei da ideia de me metamorfosear num sobrevivente no fundo das fotos do Mail Online, acima da glamourosa legenda "espectador na afterparty oficial da Marchesa". Então topei o desafio.

DIA UM

"Jack Willis" definitivamente não é meu nome. 

Chegando cedo na manhã da sexta-feira, minha primeira - e mais importante - tarefa era conseguir uma credencial de imprensa. Felizmente, isso foi mais fácil do que pensei. Só precisei infernizar a vida da equipe da Somerset House por meia hora, chorando porque tinha esquecido "de pedir uma carta de comissionamento", até ver a veia da testa de um dos atendentes quase explodir.

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Compreensivelmente, eles já estavam me odiando quando finalmente consegui o que queria. Provavelmente como castigo, tive que passar os cinco dias seguintes compartilhando o nome com uma marca usada por gente que te batia na escola e por iatistas profissionais.

Meu primeiro almoço consistiu de um saquinho de "Propercorn" e uma nova bebida chamada "Beauty Drink", porque, depois de duas ou três semanas tomando rigorosamente essas ovas de sapo infundidas com colágeno, sua pele deve ficar mais macia que a de um golfinho.

"Foi testado e tudo mais!", me disse a moça que estava entregando as garrafinhas. O que me deu confiança, acho, além de uma certa preocupação com a longevidade da marca, já que o discurso de venda deles depende de convencer as pessoas de que o produto não causa uma doença tropical.

Achei que seria legal assinar algumas listas de e-mail das relações públicas das marcas no começo da semana - algo que normalmente só faço sob coação. Apesar de essas listas só servirem para avisar sobre o lançamento do disco novo do Gentleman's Dub Club ou te mandar um guia de presentes de Natal prematuro, meu primeiro e-mail da LFW me garantiu a entrada no desfile dos estilistas portugueses Daniela Barros e João Melo Costa.

Depois do desfile, meu fotógrafo Carl e eu tomamos frozen yogurt numa barraquinha de cortesia da Snog e eu peguei pulseirinhas laranjas fluorescentes de uma caixa que encontrei. Não sei por que, mas não tinha nada escrito nelas. Imaginei que, no pior dos casos, eu podia trocá-las por algo que me desse algum sustento, no caso de eu não conseguir pôr as mãos em nada além de pipoca e águas conceituais.

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No bar do ME Hotel, o point de descontração da semana, cheio de colunistas exaustos e editores de compra afobados, pediram pra gente se juntar lá fora para ver uma performance de moda da marca Phannatiq, que prometia ser "arrojada" e "inspirada em Hackney".

Não entendi como fazer air guitar num glow stick tamanho industrial se encaixa em qualquer uma dessas coisas. O que testemunhei parecia mais uma produção do Andrew Lloyd Webber para Battlestar Galactica. Eu precisava de um drinque (grátis).

Esperando entrar numa festa, rumamos para o Hyde Park. No caminho, paramos num bar no Soho (onde a gente ficou sentado tomando água de torneira e rezando para alguém deixar metade de uma garrafa de Cava na mesa). Vi Alan Yentob, que estava sendo seguido por uma equipe de filmagem.

"Alan, estamos indo a uma festa", eu falei. "Quer ir com a gente a Mayfair?"

Ele deu uma boa desculpa - alguma coisa envolvendo visitar o flat do Mike Leigh.

Meu passe de imprensa colocou a gente para dentro da festa direto, validando ligeiramente meu comportamento escroto daquela manhã. Aí começamos a desfrutar dos nossos drinques grátis: dois limonchellos e duas cervejas em cada viagem até o bar.

Depois de algumas horas nessa fila de montagem alcoólica, notei uma mesa com salgados. A foto acima me mostra tentando serrar uma torta amanhecida com dois garfos. :(

DIA DOIS

O segundo dia não foi bom para comida. Na nossa confiável área de imprensa, mendigamos uns ursinhos de goma que estavam sendo distribuídos e bebemos o péssimo café grátis disponível.

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Acho que foi o pior café da manhã que tomei na minha vida, mas no caminho até o Freemason's Hall - onde vários desfiles iam acontecer - ficou ainda pior: ganhei uma sacola com esmalte e um pacote de morango-passa da Urban Fruit. Quem já experimentou isso sabe o quão opressivamente seco eles são. Sério, eu preferia beber o esmalte a engasgar com outra dessas pelinhas ressecadas de gosto forte.

Não ficamos muito tempo lá. Para o desfile da Little Shilpa, as garotas desfilaram usando uma máscara lembrando embalagem de bala de coco dos anos 70. Deve ser um negócio legal para quem curte essas coisas, mas eu não entendi. Pra mim, elas pareciam mais um risco de incêndio.

Para me preparar para a festa de Rick Owens daquela noite, fomos ao Strand descolar uma manicure de cortesia. Munida com um forte esmalte preto, a moça legal que me atendeu começou a lixar e pintar minhas unhas, dando um tempo para empurrar as cutículas roídas e passar um hidratante que não me pareceu muito caro.

Para ser honesto, eu não via como quatro unhas pretas e uma rosa iam me ajudar a me misturar com a multidão de góticos saudáveis que povoam as festas do Rick Owens, mas era o melhor que eu podia fazer.

Depois de andar até a Granary Square para pegar quatro gim-tônicas grátis no desfile de Shao Yen, fomos até um estacionamento atrás da Selfridges para o evento principal. Bom, principal no sentido de que, depois de vasculhar todos os e-mails, eventos no Facebook e mensagens no meu celular, a distopia enevoada do Rick Owens parecia a melhor opção da noite.

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"Como a porcaria de um estacionamento fica lotado?", alguém gritou na fila.

Aí, num flash, uma pessoa cujo otimismo eu admirei na hora pulou a barreira e correu pelo túnel enfumaçado de entrada da festa. Como já era de se esperar, a corrida dele foi cortada por uma fileira de seguranças, mas ele continuou lutando mesmo assim.

"Vou comer a sua mãe!", ele gritou.

Foi uma tentativa decente apesar de não muito efetiva. Seguranças tendem a te tratar melhor quando você não ameaça transar com a mãe deles.

Lá dentro, techno industrial explodia dos alto-falantes e luzes estroboscópicas ocasionais revelavam exatamente o tipo de público que eu esperava. Um cara estava coberto de sangue, outro usava uma coroa de metal e tinha até uma gangue de condes franceses do século 12, com as caras pintadas de branco, andando de skate no meio dos dançarinos.

No bar, skinheads magrelos sem camisa serviam drinques com gosto de descongelante.

Um dançarino mijou no bar inteiro e foi arrastado para fora por seus próprios seguranças.

E isso foi demais para um cara abastecido apenas com algodão-doce grátis.

DIA TRÊS

O café da manhã de domingo foi basicamente igual ao de sábado: um lixo. Depois de tomar uma amostra de chocolate quente que me deram na rua e lamber os farelos de um manjar turco que um amigo me deu por pena, nosso primeiro destino era a Hanover Square. Com a Casa Vogue em cima da gente, fomos ao porão do Café Kaizen para o lançamento de uma nova revista de moda.

Acontece que o Kaizen é o lar do pior coquetel do universo: uma mistura indutora de bile de rum Koko Kanu, suco de limão espremido e xarope gomme. Mas, como era de graça, viramos uns cinco desses e tentamos nos aproveitar de uma oferta confusa do aplicativo de táxi Hailo.

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Dizia o título: "3 x 10 corridas durante a London Fashion Week". Pegar um desses táxis grátis foi fácil - pena que ninguém avisou o taxista de que ele tinha que transportar a gente sem receber nada. Cansado de ouvir a gente gritando os códigos redundantes que recebemos por e-mail, o cara nos chutou para fora do táxi no meio da Shaftesbury Avenue.

A próxima parada foi uma festa na nova loja pop-up da Shopcade. Foi isso que aconteceu lá:

Assim que entramos, alguém enfiou esses belos óculos de coração na minha cara e me entregou um telefone inflável. Nos separamos imediatamente: fiquei esperando me fazerem um rolinho de algodão-doce enquanto o Carl tomava várias rodadas de Lambrini.

Assim que o efeito do açúcar e do álcool bateu, a festa da Shopcade na LFW implodiu: "Todo mundo dá um passinho para a direita, por favor!", gritou uma menina enquanto três músicos andavam até o palco.

"Que são esses caras estranhos tentando estragar a noite de todo mundo?", pensei. Essa pergunta foi respondida quase que imediatamente. "Palmas para o Rough Copy!", gritou a mesma menina.

Com isso, veio a emoção de ouvir uma versão exausta de "Don't Let Go", da banda do X Factor.

Fomos embora instantaneamente para o Mahiki, onde a marca de luxo Serapol estava fazendo seu desfile de Primavera-Verão 2015. Com uma generosidade extraordinária, o local estava servindo uísque e outras bebidas de acompanhamento grátis. E, assim que decidimos vasculhar a lata de lixo mais próxima atrás de comida, uma horda de garçons apareceu trazendo pratos de frituras.

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"Tudo cortesia?", perguntei a Gail Porter, que parecia tão confusa quanto eu.

A foto acima mostra que ajudei a fritura a descer com um gole do baú de tesouro cheio de daiquiri de alguém. O que, pensando agora, foi uma vergonha.

Bêbados, fervendo e com as mãos cheias de espetinho de costeletas, dançamos ao som de Whitney Houston até que um cara acendeu uma daquelas velas que soltam faísca na boca e roubou toda a nossa atenção.

DIA QUATRO

A segunda-feira começou civilizada e terminou comigo comendo o almoço de alguém.

No começo da tarde, fomos até uma galeria de arte na 180 The Strand (um antigo quarteirão de escritórios que, agora, aparentemente é usado para coisas interessantes) para ver a linha de primavera retrô futurista de Thomas Tait. Enquanto as modelos andavam sob a fiação exposta e o pessoal das relações públicas se amontoava perto de uma pilha de gesso quebrado, "What Time Is Love" ,do KLF, começou a tocar. Eu me senti no meio de todos os filmes de moda feitos nos anos 90.

Em seguida, a Photographer's Gallery trouxe Red Bulls e cervejas grátis ao Showroom dos Estilistas.

Nesse segundo local, encontramos Daisy Knights, que faz joinhas de plástico que você coloca no cadarço do tênis. Eu estava morrendo de fome nesse ponto e comecei a explicar o que estava fazendo por pura frustração.

"Pode ficar com o meu café da manhã", ela ofereceu, gentilmente me entregando uma barra de cereal sabor pão de banana. "Ainda não comi e já são mais de seis horas."

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No Sanderson Hotel, conseguimos umas vodcas sabor lichia na área de imprensa, então ficamos por ali de olho na próxima sacola de brindes, que torcíamos para ter gim e cachorro-quente.

Mas não. Derrotados, fomos ao banheiro para usar os conteúdos reais da sacola: creme facial e perfume.

Depois de uma longa caminhada até o Lyst Studios, na Hoxton Square, fomos recebidos por modelos trancadas numa jaula multicolorida. Provavelmente uma das recepções mais perturbadoras que já tive.

Num canto, um aplicativo "antisselfie" chamado Glitché filmava quem passava e projetava a pessoa, toda pixelada, na parede. Enquanto eu encarava minha cara sonolenta, derrotada e "glitchada", a dona da galeria, Katie Rose, apareceu, e depois de ficar sabendo da minha greve de fome involuntária, me ofereceu comida.

"Eu podia me acostumar com isso", pensei, antes de perceber que eu não tinha nenhuma razão para querer uma coisa dessas.

DIA CINCO

A lição da terça-feira foi a seguinte: assim como pode sustentar a vida, a Semana de Moda de Londres pode tirá-la. Naquela manhã, no Topshop Show Space, um pedreiro caiu pelo telhado corrugado coberto de musgo em cima de uma viga.

Eu tinha estado lá para o desfile da Marques Almeida uma hora antes, onde peguei um sanduíche de javali para o café da manhã (eu sei) e fui ao sofá da Somerset House me deitar e tentar ignorar o fedor das minhas roupas já quase mofadas.

Sem conseguir convencer ninguém a me dar seu almoço, pegamos um riquixá do gim Gordon's que estava lá para levar os convidados até um dos eventos da marca. Quando descobrimos que o tal evento não era de graça, pedimos para o motorista nos deixar no Lincoln's Inn Fields a fim de podermos admitir nossa derrota no conforto de um gramado verdejante.

Apesar de ter ficado acabado, acho que não me saí tão mal. No começo, eu tinha a sensação de que sobreviver à semana da moda sem minha carteira era um desafio praticável. E eu estava certo. É relativamente fácil, desde que você não ligue de viver de tortas amanhecidas, álcool e pena. Ter uma credencial de imprensa é vital, e o resto é só uma mistura de perseverança, sorte e filantropia de estranhos. E mais: eu trabalho numa revista cujos prazos frequentemente obrigam a gente a usar a mesma roupa cinco dias seguidos e a perder alguns quilos, então a coisa não foi tão difícil quanto poderia ser.

É um espetáculo interessante a LFW. Moda é uma indústria intrinsecamente ligada ao consumismo, então não é surpresa que embaixadores de todas as marcas apareçam no evento distribuindo desde ursinhos de goma orgânicos até os últimos carcinógenos líquidos. E é esse aspecto que torna o evento um lugar perfeito para sobreviver apenas de brindes. Aqui, as pessoas se atropelam para te dar coisas de graça, te ajudando a economizar o orçamento de cinco dias para pagar as contas, fazer uma viagem de final de semana ou comprar um lanche de javali tamanho grande.

Meu único conselho: troque de roupa algumas vezes. Acho que meu look da semana inteira pode ter me dado rubéola.

@jackstuartmills

Tradução: Marina Schnoor