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A Estranha História do Filme Inédito (e Lendariamente Ruim) do Quarteto Fantástico de 1994

O filme foi uma jogada para ajudar uma produtora alemã manter os direitos autorais dos personagens por dez anos, mas ninguém contou isso ao diretor, Roger Corman.

Still da produção via Wikimedia Commons.

Na enxurrada de reboots que presenciamos hoje, de Caçadores de Emoção a Homem-Aranha (que logo deve ter um re-reboot), era óbvio que Quarteto Fantástico teria sua vez.

O Quarteto Fantástico de 2005, com Chris Evans e Jessica Alba, era uma atrocidade. Logo, qualquer coisa que puder apagar isso da memória é um acréscimo bem-vindo ao desfile de reboots. Mas você sabia que o filme de 2005 também era um reboot? E que o notório original, The Fantastic Four, estrelado por gente de que você nunca ouviu falar e provavelmente feito só para garantir os direitos sobre os personagens, nunca viu a luz do dia?

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Seu status de obra inédita coloca o título numa companhia cinematográfica rara – a maioria dos filmes terminados é distribuída de alguma forma. O desastre mais famoso certamente é a comédia de Jerry Lewis de 1972 sobre o Holocausto, The Day the Clown Cried, que deve estar trancado no cofre do próprio Lewis para nunca ser visto por ninguém. The Fantastic Four supostamente era tão ruim que não está nem num cofre – o negativo original teria sido queimado pelos detentores dos direitos. Mas isso quer dizer que o filme é pior que The Day the Clown Cried?

Vinte anos depois, a versão mais completa da história de The Fantastic Four está sendo montada lentamente por historiadores nerds, e ela é muito mais complexa que a lenda de que essa obra era tão bisonha que teve de ser queimado. O diretor do original, Oley Sassone, discorda da tese de que qualquer filme deva ser queimado. "Deveríamos ser cineastas", ele disse à VICE. "Isso é desprezível. Simplesmente destruir o filme? E ninguém nunca vai poder assistir?"

"Graças a Deus, alguém pirateou o filme e jogou isso no mundo", ele acrescentou.

A Constantin Filme, uma empresa anteriormente conhecida como Neue Constantin Film, que detém os direitos de The Fantastic Four, não parece preocupada em processar os sites que hospedam a versão pirateada da película. Se você tem 90 minutos sobrando, aqui vai The Fantastic Four:

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"Olha isso", afirmou Sassone. "É uma merda porque é uma cópia pirata de um VHS. É muito zoado, desculpe." Não que ele esteja defendendo isso como uma obra de arte: "Eu sei que o filme fica muito atrás em termos de efeitos especiais".

No entanto, ele e a equipe do documentário sobre The Fantastic Four argumentam que o filme é muito melhor do que deveria ser, considerando as circunstâncias bizarras da produção. O caso foi uma grande sabotagem desde o primeiro dia, ele informa. "Nunca tivemos a chance de fazer o que gostaríamos de ter feito."

No documentário Doomed: The Untold Story of Roger Corman's The Fantastic Four, Sassone e sua equipe contam que lutaram com unhas e dentes para fazer algo assistível. O fato de eles quase terem conseguido é um testemunho de sua perseverança e – Deus me ajude – de sua boa-fé.

O historiador de The Fantastic Four e diretor de Doomed, Marty Langford, falou à VICE que a empresa alemã Neue Constation Filme comprou os direitos para os personagens do Quarteto Fantástico "anos e anos antes [de o filme surgir]".

Hoje, com filmes de super-heróis sempre no topo das listas de maiores bilheterias, é fácil esquecer que pouca gente estava interessada em colocar personagens de quadrinhos no cinema no final dos anos 80. O sucesso de Superman: O Filme, de 1978, era uma memória distante, e a adaptação mais competente de uma propriedade da Marvel era a versão brega, porém querida, d'O Incrível Hulk para a TV. A marca Marvel não era a garantia de enormes lucros como é hoje. Porém, depois de adaptações de sucesso como Batman (1989) e As Tartarugas Ninjas (1990), o interesse da Neue Constantin em fazer o Quarteto Fantástico cresceu.

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Ninguém nunca vai saber o que se passava pela cabeça do presidente da Constantin, Bernd Eichenger (que morreu em 2011), mas Langford deduz que, em 1990, ele sentiu que muito dinheiro poderia ser feito ali – o problema era que os direitos da empresa expiravam em 31 de dezembro de 1992. De 1990 a 91, Eichenger aparentemente fez o possível para assegurar US$ 40 milhões em orçamento e uma parceria com a 20th Century Fox, mas fracassou em ambos. No meio de 1992, ele tinha perdido as esperanças de conseguir tirar a produção do chão.

No entanto, havia um buraco no contrato de Eichenger: ele poderia continuar com os direitos desde que tivesse um filme em produção. Ninguém falou que o filme precisava ser terminado, muito menos que precisava ser bom. Então, se The Fantastic Four entrasse em produção até o final daquele ano, segundo Langford, Eichenger sabia que poderia manter os direitos por mais dez anos.

Para esclarecer: todos os indícios mostram que a Neue Constantin nunca teve a intenção de lançar o filme que estava correndo para produzir. O mais provável, segundo Langford e Sassone, era que a Neue Constantin só quisesse deter os direitos por mais dez anos, e uma produção falsa era uma forma muito barata de fazer isso.

Assim, com o prazo final se aproximando, Constantin chamou o produtor e deus dos filmes B Roger Corman e pediu que ele produzisse o filme. "A reputação de Roger Corman era a de um cara rápido e barato", explicou Langford. "A qualidade nem sempre estava lá. Não precisava estar." (Naquela época, por exemplo, Jurassic Park estava batendo recordes de bilheteria; então, Corman fez sua própria película de dinossauros, Carnossauro, conseguindo embolsar um lucro decente.)

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O acordo, segundo Langford, era que Corman e a Constantin colocariam US$ 750 mil cada, dando à produção o orçamento total de US$ 1,5 milhão. Para dar uma ideia, produzir Mestres do Universo, o filme do He-man de 1987 que não é muito melhor do que The Fantastic Four, custou US$ 22 milhões.

A Neue Constantin Film "não deu nenhuma pista das segundas intenções por trás da produção apressada", frisou Langford. Ninguém sabia que isso era um truque para manter os direitos sem gastar muito. "Então, os envolvidos achavam que isso era legítimo, um filme interessante que poderia ajudá-los no futuro."

Sassone, um grande fã de cinema, lembra que subiu pelas paredes com a oportunidade. "Cara, vamos fazer um filme! Que incrível!", ele pensou. Em 1992, ele era um diretor experiente de comerciais e videoclipes, com algumas participações nas produções de Corman. No entanto, essa adaptação de um quadrinho tão querido parecia a grande oportunidade dele – com restrições orçamentárias ou não.

"Não dava pra dizer: 'Ah, é o Roger Corman. Ninguém dá a mínima'", destacou Sassone. Corman tinha trabalhado com grandes nomes antes de ficar famoso, incluindo Francis Ford Coppola, James Cameron, Ron Howard e Johathan Demme. "Lá estávamos nós, trabalhando com o cara que lançava carreiras. Todo mundo sabe como isso funciona: você faz um filme de graça e ele estoura, aí todo mundo quer trabalhar com você", ele comentou.

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Craig J. Nevius escreveu o roteiro em três semanas. A escalação do elenco foi em outubro; e, dois meses depois, a produção em set começou. Durante a pré-produção, coisas como design de cenários foram obviamente apressadas, julgando-se pelo produto final. Mas uma coisa ficou incrivelmente boa: o Coisa, o gigante de pele de pedra responsável pela força e angústia do time de super-heróis.

Sassone tinha uma visão para o Coisa: "Ele é uma alma perdida. Ele não consegue nenhum consolo dos outros três membros do Quarteto".

Langford pontua que boa parte da comunidade de fãs "concorda que o Coisa de 94 é melhor que o de 2015 e o de Michael Chiklis", graças à fidelidade ao desenho original de Jack Kirby e a suas sobrancelhas expressivas. A animação facial estava em sintonia com o estilo popularizado por Harry and the Hendersons (Um Hóspede do Barulho) e os filmes das Tartarugas Ninjas da mesma era.

Segundo a Entertainement Weekly, as filmagens começaram no dia 26 de dezembro. "Assim que o primeiro quadro foi filmado no primeiro dia, eles tinham os direitos do Quarteto Fantástico por mais dez anos", disse Langford.

A missão estava cumprida para a Neue Constantin, que não dava a mínima para a equipe de otários obrigados a fazer um filme no menor tempo possível. Só a pré-produção precisava realmente ser apressada para deter os direitos. Mas eles tinham de manter as aparências.

"As horas de trabalho eram brutais e éramos constantemente apressados para terminar", relatou Sassone.

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Isso aparece no produto final. Há uma energia frenética nas interpretações marteladas dos astros Alex Hyde-White, Jay Underwood, Rebecca Staab e especialmente Carl Ciarfalio, que faz o Coisa em fantasia completa. A edição é rápida: a câmera se move com uma intensidade impressionante. Boa parte disso realmente funciona. Mas há um problema gigante.

"Os efeitos especiais do filme são risíveis", apontou Langford. Mas ele afirma que isso não é culpa de Sassone. "O cara a cargo disso mentiu sobre suas habilidades. Ele estava entregando o equivalente a animatrônicos – efeitos temporários para se encher espaço."

Os efeitos rendem um filme "tão ruim que é bom" hilário. No final dele, Reed Richards e Sue Storm saem da igreja depois de seu casamento. Quando a limusine dos "recém-casados" parte, um braço ridículo de mais de três metros dá tchau para todos. "Parece que eles juntaram quatro macarrões de piscina e colocaram uma luva de spandex na ponta", afirmou Langford.

Ainda assim, a autoridade em quadrinhos e blog de filmes Den of Geek considerou o resultado final "admirável" por sua "fidelidade sem paralelos à fonte de material", além da "absoluta sinceridade com que eles abordaram essa tarefa impossível, considerando-se o orçamento".

Sendo assim, Sassone esperava realmente que a obra fosse lançada. Exibições de trechos para os fãs tinham gerado burburinho, e Roger Corman tinha toda a infraestrutura necessária para distribuir o título. Quando os executivos no comando perceberam isso, segundo Sassone, "eles tiveram de pagar Roger para não lançar o filme".

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Quando pedi que ele descrevesse como se sentiu quando soube que a produção era um truque, Sassone concentrou-se no momento em que estava sozinho em seu carro e recebeu a ligação de Corman. "Lembro exatamente onde eu estava: San Vincente Boulevard, indo a Beverly Boulevard", ele detalhou.


Assista a nosso documentário sobre os garotos que refizeram Os Caçadores da Arca Pedida cena a cena:


"Ele disse: 'Oley. É o Roger. Queria ligar e te agradecer por terminar o filme. Você fez um ótimo trabalho. Acabei de receber um cheque de um milhão de dólares'." Depois dessa abertura, Sassone achou que finalmente receberia boas notícias sobre o lançamento ou o próximo passo de sua carreira. O que nunca aconteceu.

"Uma cópia do filme? Um cupom de jantar para dois num restaurante chique? Qualquer coisa?"

Mas tudo que ele recebeu de Corman foi um "muito obrigado". "Eu disse 'OK, bom, de nada, Roger. Falo com você em breve'". E desligou.

"Fiquei olhando aturdido para Los Angeles, pensando: 'Que merda foi essa?'.", completou Sassone.

Sabendo que o filme tinha sido abandonado, Sassone tentou arranjar uma cópia de qualidade para uso próprio. Como eles contam em Doomed, Sassone e o editor Glenn Garland invadiram o cofre de filmes de Roger Corman com lanternas: eles esperavam encontrar e roubar o negativo para ter algo para mostrar de todo seu trabalho duro. No entanto, o negativo não estava lá. Os rumores eram que a película tinha sido jogada numa lareira.

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"Que putos", exclamou Sassone.

Stan Lee, que criou o time de super-heróis com Jack Kirby, visitou o set e disse à Entertainment Weekly que "tinha muita pena dos atores, do diretor e das pessoas envolvidas no filme". Mas não ficou de luto pela perda: "É triste pensar que isso só teria apelo como um filme B. Comparando isso a algo como Exterminador do Futuro 2, fiquei feliz que eles tenham feito isso".

Infelizmente, o Quarteto Fantástico de 2005 também não é um Exterminador 2. O filme é considerado ruim mesmo, com uma pontuação de 26% no Rotten Tomatoes. Roger Ebert escreveu: "Filmes realmente bons de super-herói, como Superman, Homem-Aranha 2 e Batman Begins, deixam Quarteto Fantástico tão para trás que o filme deve ter vergonha de ser exibido nos mesmos cinemas". A sequência de 2007, Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, não se saiu muito melhor; com isso, a Fox enterrou os planos para um terceiro filme e um spin-off do Surfista Prateado.

Porém o truque de Eichenger realmente funcionou: sua empresa continuou com os direitos por outra década. E parece que a Constantin ainda está envolvida na última encarnação de Quarteto Fantástico – pelo menos, é disso que eles se gabam em seu site em alemão.

De certa maneira, cada obra seguinte do Quarteto deve tudo à ética de trabalho de um diretor obscuro chamado Oley Sassone, que deu duro naquele labirinto de ratos da produção de 1992 e entregou seu filme cinco dias antes do prazo final.

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Para mais informações sobre Doomed: The Untold Story of Roger Corman's The Fantastic Four, acesse o site do documentário.

Tradução: Marina Schnoor