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Fui a todos os protestos que aconteceram em Madri no fim de semana

A possibilidade da Catalunha se separar da Espanha levou muita gente às ruas de Madri.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Espanha.

Se você estava em Madri nos dias anteriores ao referendo de independência da Catalunha em 1º de outubro, domingo, não teve como escapar das bandeiras espanholas que aparentemente tomaram a cidade. Com a possibilidade de a Catalunha se separar da Espanha, incontáveis madrilenhos sentiram a necessidade repentina de pendurar um pedaço de tecido amarelo e vermelho nas janelas e varandas, e expressar quanto prezam a unidade espanhola. Alguns babacas inclusive foram um passo além e penduraram a bandeira da era fascista de Franco em suas casas — outros passaram longe das bandeiras e colocaram apenas cartazes de protesto.

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Então o assunto do referendo de independência não preocupa só os catalães — a votação levou pessoas do resto da Espanha para as ruas também. No último final de semana, seis protestos aconteceram apenas em Madri — contra e a favor do direito dos catalães de escolherem. E eu decidi ir a todos eles.

Mas antes disso eu precisava me certificar de que iria me misturar aos manifestantes. Primeiro eu precisava comprar a Estelada, a bandeira não-oficial da Catalunha com uma estrela, geralmente usada por simpatizantes da independência catalã. Não é fácil encontrar uma dessas em Madri, então comprei a mais barata disponível na Amazon.

Sem surpresa, a bandeira espanhola é muito mais fácil de conseguir na capital da nação, e eu também precisava de uma dessas para o final de semana — a maioria dos protestos em Madri seriam contra o referendo. Então paro na primeira loja de lembranças e compro uma bandeira espanhola. Depois de pagar, o balconista me lembra de tomar conta dela e a pendurar orgulhosamente na minha janela no final de semana. O comentário só serve para me lembrar que estou comprando um símbolo profundamente nacionalista e que vou parecer uma babaca andando com ele por aí.

A autora enrolada na bandeira espanhola, se sentindo meio desconfortável

Sexta-feira, 29 de setembro, 11h: Praça Puerta del Sol

Os protestos do final de semana começaram na sexta-feira (29) com um referendo de mentira. A organização ultracatólica Hazte Oír (Faça-se Ouvir) acredita que todos os espanhóis merecem o direito de palpitar no futuro da Espanha e da Catalunha, então colocaram urnas falsas na praça Puerta del Sol para os pedestres. Assim que chego lá, ouço um dos voluntários dizer a outro que eles precisam de mais jovens no protesto, porque tem muitas câmeras por ali.

A verdade é que a maioria das pessoas participando do referendo falso são aposentados. Um cara de gravata de lantejoulas azul vira para as câmeras e diz para qualquer jornalista que queira ouvir: se Franco estivesse vivo, todos os separatistas estariam mortos. "Os comunistas também", ele acrescenta. Ele termina seu discurso gritando "Viva Franco", enquanto uma senhora do lado dele pergunta do que adianta isso se o cara morreu quarenta anos atrás.

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Uma manifestante no primeiro protesto pró-união no final de semana.

Finalmente os voluntários têm mais sorte — eles conseguem convencer um jovem casal a se juntar ao protesto. Quando pergunto ao casal como eles se sentem sobre o assunto, eles dizem que acham que todos os espanhóis deveriam participar de um referendo pela independência. Eles me perguntam se quero uma cédula para votar, recuso educadamente e vou embora.

Sábado, 12h: Em frente à prefeitura de Madri

O segundo protesto a que vou é organizado pelo DENAES, a organização de extrema-direita "Defesa da Nação Espanhola", que pediu protestos em frente as prefeituras por todo o país. Antes de sair de casa, meu irmão pede para que eu esconda a bandeira espanhola embaixo da blusa, porque é uma grande declaração usá-la a céu aberto. É muito triste que usar uma simples bandeira seja associado a nacionalismo de ódio, mas são pessoas como as organizam protestos como o de hoje que tornaram tão desconfortável para o resto dos espanhóis se associarem à nossa bandeira.

Fiquei surpresa, e triste, em ver quantos jovens estavam na manifestação de extrema-direita.

As ruas do bairro ao redor da prefeitura estão cheias de pessoas mais velhas em vermelho e amarelo — bandeiras, bonés, óculos de sol e lenços —, mas há muitos jovens também. Minha prima, que veio comigo, começa a chorar vendo tantos jovens se identificando com o ódio. Relutante, tiro minha bandeira espanhola do bolso e amarro no pescoço. Eu estava com vergonha de usá-la até chegar aqui.

Perto de nós, vejo um cara usando uma bandeira fascista como capa. Uma senhora ao lado pede para ele tirá-la, ele sorri, olha para o lado e dá outra tragada em seu cigarro. As pessoas cantam hinos fascistas da era Franco, e gritam que o presidente catalão Carles Puigdemont deve ser preso e "Glória eterna a los de Blanquerna".

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Esse manifestante se recusou a tirar sua bandeira fascista quando outra manifestante pediu.

Quando pergunto a uma senhora sobre o que eles estão gritando, ela explica que "por aqueles pobres garotos que foram presos só por protestar". Com "pobres garotos" ela quer dizer simpatizantes da extrema-direita que atacaram o centro cultural Blanquerna em Madri em 2013, um centro de promove a cultura catalã na capital espanhola.

Uma família no protesto pede que eu tire uma foto deles. Fico feliz em fazer isso, até o pai me pedir para tirar do enquadramento um cartaz de "Bem-vindos Refugiados". Enquanto ele ri da própria piada, os manifestantes começam a cantar o hino nacional. Vejo um grupo de garotos levantando o braço na saudação fascista. É minha deixa para ir embora. No caminho, escuto a multidão começar a cantar "Cara al Sol", um hino fascista.

Sábado, 13h: Em frente ao Centro Cultural Blanquerna

O terceiro protesto do final de semana acontece em frente ao centro cultural Blanquerna Catalan, e foi organizado pelos "Unidos, Libres, Iguales y Solidarios" — um partido de que nunca ouvi falar.

Só oito pessoas apareceram no evento contra o referendo catalão.

E não sou a única — apesar de o grupo ter uma faixa bem grande, só umas oito pessoas apareceram na manifestação. Pergunto a uma das organizadoras por que o comparecimento foi tão baixo. "A maioria das pessoas foram a um protesto maior na prefeitura", ela me diz.

Sábado, 17h: O fracassado "Ocupar o Congresso"

Mais tarde naquele dia, escondo minha bandeira espanhola na bolsa e rumo para um evento organizado pelo grupo Rodea el Congreso — um movimento que a mídia espanhola definiu como "um encontro de extrema-direita". No Facebook, os organizadores pediram que os manifestantes cercassem o Congresso de los Diputados, o prédio do parlamento espanhol. Eles esperavam tirar vantagem de que a maior parte da força policial foi mandada para a Catalunha.

O único problema é que os organizadores não definiram um ponto de encontro –—ou se fizeram não avisaram na página deles. O prédio do parlamento é enorme, então não ter um ponto de encontro complicava as coisas. Chegando lá, ando em volta do prédio por um tempo, esperando encontrar a anarquia depois de cada esquina, mas as únicas pessoas que vejo são outros jornalistas. Duas horas depois, ainda não há uma atualização sobre o evento na página deles do Facebook, então dou o dia por encerrado e vou para casa.

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A autora em frente ao prédio do parlamento em Madri – 30/09/2017, sábado.

Na manhã de domingo (1º), o dia do referendo, me enrolo em parafernália espanhola mais uma vez e vou para a Plaza Mayor, para um protesto organizado pelo ironicamente batizado Partido Libertad. A maioria dos manifestantes na praça são mais velhos, mas talvez seja porque ainda é tecnicamente cedo. Abordo um grupo de manifestantes — alguns vestidos em amarelo e vermelho com tanta dedicação que parecem jogadores geriátricos do time de futebol nacional. Duas senhoras do grupo me dizem que apesar de serem de Extremadura — uma comunidade autônoma do oeste da Espanha —, elas se sentem mais espanholas que qualquer outra coisa. Depois de conversar com elas, decido sair e descobrir onde os jovens estão.

Apesar de serem de Extremadura – uma comunidade autônoma do oeste da Espanha – essas mulheres disseram que se sentiam mais espanholas que qualquer outra coisa.

Domingo, 12h: De volta à Praça Puerta del Sol

Paro na Puerta do Sol de novo, onde outro protesto nacionalista acontece. Há muitos idosos e alguns estudantes, todos gritando alto "Yo Soy Español" e "No nos engañan, Cataluña es España". De repente aparece uma van cheia de policiais e a multidão explode em aplausos e gritos pró-polícia. É difícil ouvir aplausos para a polícia num momento em que mais de 200 pessoas na Catalunha foram feridas por exercitar seu direito ao voto – um número que chegaria a quase 900 no final daquele dia.

Antonio.

Quando falo com Antonio, 20 anos, ele diz que veio de seu vilarejo no sul da Espanha para mostrar seu apoio à Guarda Civil, a polícia militar do país. Pergunto como ele se sente com as filmagens de policiais arrastando pessoas que tentavam votar. "Eles só estão fazendo seu trabalho", ele responde. Enquanto vou embora, ele também começa a repetir os gritos de guerra.

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Domingo, 19h: Ainda em Puerta del Sol

No último protesto do fim de semana com manifestantes pró-referendo, principalmente jovens.

O protesto final é de volta em Puerta del Sol, mas organizado pelo outro lado — um grupo de Madri que apoia o referendo. Depois de ouvir os relatos de violência policial na Catalunha durante o dia, estou muito mais confortável usando as cores catalãs nesta manifestação.

É uma multidão enorme, barulhenta e formada principalmente por jovens, cantando canções antifascistas e gritando "A voz do povo não é ilegal". Em certo ponto, um grupo pequeno de manifestantes pró-união chegam vestidos em amarelo e vermelho para contraprotestar, mas a polícia, armada com cassetetes, logo os dispersa, e uma relativa calma vou ao protesto.

Abordo um cara carregando uma bandeira catalã improvisada. "Não é fácil achar dessa em Madri, então fiz uma", ele diz. "Depois de ver o que está acontecendo na Catalunha, eu sabia que não tinha escolha a não ser vir aqui hoje. Votar nunca deve ser ilegal, e muito menos reprimido com violência."

Depois dessa, vou para casa. Vi bandeiras suficientes por um final de semana.

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