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Feminisme

Mulheres sauditas descrevem como é finalmente poder dirigir

“A primeira coisa que passou pela minha mente foi levantar a cabeça com orgulho.”
Imagem cortesia de Samia El-Moslimany.

Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly .

Num decreto histórico feito na última terça-feira (26), o Reino da Arábia Saudita anunciou que mulheres terão permissão para dirigir a partir de junho de 2018. A notícia — que coloca um fim em quase 40 anos de proibição não-oficial — compreensivelmente vem recebendo muita atenção. Devido, em grande parte, à Revolução Iraniana, que influenciou muito o Oriente Médio, desde 1979 as mulheres sauditas ainda precisavam de choferes e guardiões para se locomover.

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Desde então, grupos de mulheres sauditas de várias gerações se envolveram em diversas formas de protesto contra a proibição. A mais conhecida foi em 1990, uma manifestação envolvendo 47 mulheres dirigindo nas ruas de Riade desafiando a lei saudita. Esta semana, as sauditas — algumas que nunca viveram numa Arábia Saudita onde as mulheres podiam dirigir, e algumas que lembram quando podiam estar atrás do volante, como a ativista Aziza al-Yousaf — estão comemorando a vitória tão aguardada.

Samia El-Moslimany, uma saudita-norte-americana de 54 anos que cresceu entre EUA, Arábia Saudita e Kuwait, foi detida pelas autoridades sauditas por quatro anos. Ela foi presa por dirigir. Em outubro de 2013, El-Moslimany e outras 60 mulheres sentaram no banco do motorista e dirigiram pelas ruas da Arábia Saudita num ato desafiador. Ela e uma mulher chamada Nahid Batarfi foram as únicas presas no protesto.

"Estou feliz, é uma conquista, é um passo", disse El-Moslimany à VICE. "Mas acho que a euforia não veio assim que ouvi a notícia. A euforia veio quando comecei a digerir isso e pensar em todas as pessoas que se sacrificaram, participaram e perderam muita coisa por causa disso."

El-Moslimany disse que a decisão de deixar mulheres dirigirem já devia ter sido tomada há muito tempo. "Quando me mudei para a Arábia Saudita aos 20 anos, todo mundo dizia que dali cinco anos as mulheres já estariam dirigindo", ela disse. "Isso foi em 1990."

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Christina Frasi Zahid, que morou na Arábia Saudita de 1966 até a morte do marido em 2001, se lembra de quando ser mulher e dirigir não era uma questão no país. "Lembro de dirigir nos anos 60 e 70 sem qualquer problema", ela disse. "Não era uma questão de se as mulheres tinham permissão de dirigir. Simplesmente dirigíamos quando era preciso, como voltando de uma festa ou da praia."

"Hoje nosso país ficou do nosso lado."

Enquanto muitas sauditas e boa parte do mundo considera a nova lei um passo na direção certa, El-Moslimany sabe que ainda "há muitas mulheres que acham que isso não é algo bom". Mas ela acrescentou que como a decisão veio na forma de um decreto real (um documento muito respeitado na sociedade saudita), talvez as mulheres do país que estão relutantes à decisão fiquem mais inclinadas a aceitar a ideia de mulheres motoristas. "Tendo um decreto real, agora é completamente aceitável apoiar mulheres dirigindo. E até se torna inaceitável ir contra isso", ela explicou.

A notícia também repercutiu nos EUA, onde as reações variaram entre entusiasmo real a sarcasmo. Hillary Clinton tuitou "Já era hora. Senhoras, liguem seus motores!" A comediante Chelsea Handler sugeriu que as mulheres agora podiam "dar o fora do país", mas a representante do Minnesota Ilhan Omar ofereceu comentários mais sóbrios: "O país mais opressor finalmente acordou para a realidade de que as mulheres não precisam de babás", tuitou. Outros já foram fazer a velha piada de que mulher não sabe dirigir ou postar fotos de carros cobertos com um nicabe.

Mas as reações condescendentes não surpreenderam El-Moslimany, que acredita que há muito mais ficção que fatos na narrativa cercando as mulheres sauditas "oprimidas". "Há muitas questões e práticas injustas", ela explicou, "mas há espaços na Arábia Saudita que são melhores que seus correspondentes no Ocidente". Ela aponta que o equivalente ao parlamento da Arábia Saudita, o Conselho Shura, tem uma cota de 20% para mulheres entre seus 150 membros – o que é mais representação feminina que a do congresso norte-americano.

A Dra. Modia Batterjee, uma saudita cujo trabalho é defender e apoiar a comunidade de saúde internacional, disse à VICE que estava "transbordando de alegria" com o decreto real.

"A primeira coisa que passou pela minha mente foi levantar a cabeça com orgulho contra todos os motoristas [estrangeiros] que trabalharam para mim e expressaram discriminação contra mim como mulher", disse Batterjee. "Esses trabalhadores sentiam que eu, uma mulher saudita, estava abaixo deles porque não podia dirigir no meu país e ele podiam. Hoje isso mudou, hoje nosso país ficou do nosso lado."

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