Colagem com personagens e artistas mulheres dentro de uma televisão
Colagem: Marta Parszeniew (créditos no final da matéria).

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Entretenimento

A cultura lésbica movimentou o mainstream em 2018

Muito mais do que mulheres de cabelo curto e papete, 2018 teve ternos de uma Blake Lively sapatão e Regina George dando cusparada.
Daisy Jones
London, GB
MP
ilustração por Marta Parszinew
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Não sei como era a cultura lésbica nos anos 2000 porque estava ocupada fazendo cosplay de hétero, mas se você me pedisse para desenhar, eu provavelmente teria feito uma mulher de cabelo curto, macacão jeans e papete (eu sei, mas continue comigo). Mas conforme os anos foram passando, talvez eu tivesse mencionado The Real L Word, te mostrado uma foto da Ellen e da Portia De Rossi, ou te jogado um livro da Sarah Waters. Claro, tinha muito mais coisas – muito mais – mas você tinha que procurar, ou eu tive, pelo menos. Eu não sentia que tinha muitos marcos culturais a que me agarrar. A cultura lésbica não era exatamente mainstream.

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Mas a cultura lésbica hoje é algo totalmente diferente. Ou, mais especificamente, a cultura lésbica nos últimos anos se atualizou e expandiu em algo tangível, em vez de existir em facções de nicho. A cultura lésbica hoje é Villanelle ameaçando Eve com uma faca na casa dela. É a luva de Carol. É o elenco todo de Oito Mulheres e um Segredo e os figurinos. É o cuspe de Rachel Weisz. As ex-namoradas da Cara Delevingne. Os clipes da Janelle Monae. É a Chloë Sevigny com um machado descendo lentamente as escadas em Lizzie. São maçãs do rosto definidas, coletes e cabelo preto penteado para trás. Os ternos da Blake Lively. É convidar sua ex para almoçar num restaurante vegano. É reassistir Duck Butter. E a Cate Blanchett, claro.

A cultura lésbica pode ser muito bem resumida pelo tuíte “reimaginando o Coachella” abaixo de Jill Gutowitz, que rodou pela internet semana passada e que inclui referências que vão parecer aleatórias prum Zé qualquer na rua, mas têm uma linha lésbica invisível amarrando tudo junto, assim como Hideko é amarrada em A Criada.

Primeiro, no caso de, sei lá por que, você não ser lésbica, vou explicar algumas dessas referências:

O cuspe de Rachel Weisz

Desobediência (2018) é um filme escuro que consegue fazer o norte de Londres parecer ainda mais deprê do que já é. Mas acontece que tem lésbicas nele, uma delas a Rachel McAdams (a Regina George voltando como uma sapatão reprimida de Londres é uma ocorrência inacreditável sobre a qual devíamos falar muito mais), e a outra é a Rachel Weisz. Não acontece muita coisa, fora essa cena de sexo onde a Rachel cospe na boca da outra Rachel, e que se tornou imediatamente icônica.

A Moça do Pescoço Torto

Se a cultura gay no geral pode ter o Babadook, então a gente pode ficar com a Moça do Pescoço Torto. Ela se encaixa bem.

Sandra Oh chorando

Como Sandra Oh interpretando a Eve na série Killing Eve da BBC Drama, eu também ia chorar se estivesse sendo stalkeada pela sociopata assassina Villanelle, só que não pelas razões que você está pensando.

Os ternos da Blake Lively

Ally em 'Nasce Uma Estrela'

Não sei explicar por que a Ally de Nasce Uma Estrela é cultura lésbica. Simplesmente é. Talvez porque ela usa botas de motoqueiro marrom e shorts jeans cortado e é interpretada pela Lady Gaga, que a gente sabe que não é hétero. Ou talvez porque o filme é muito brega, e como vou explicar, cultura lésbica e o brega não são a mesma coisa, mas com certeza são melhores amigos.

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Num artigo excepcional para o The Outline, publicado ano passado, Mikaella Clements escreve sobre cultura lésbica e o jeito como ela se sobrepõe e diverge da cultura gay dos homens. Ela chama isso de “brega sapatão” ("dyke camp"), um movimento estético florescendo na música, cinema e moda. “O brega sapatão se sobrepõe ao brega em algumas áreas, claro”, ela escreve. “Mas em outras é algo completamente diferente; isso tem sua própria visão elétrica. Se o brega é o amor pelo não-natural, o brega sapatão é o amor pelo ultranatural, de natureza reconstruída e reclamada, de roupas que poderiam ser extensões do corpo, do desejo que se torna obsessivo, dos gestos e maneirismos lésbicos maximizados em mil.”

Me descobri lésbica no convento

Clements então explica que o que separa o “brega sapatão” do erotismo lésbico direto – como, digamos, a Madonna, a Britney e a Christina se beijando no palco do VMA em 2003 – é que ele é inteiramente livre do olhar masculino. “O brega sapatão é explicitamente dominado por mulheres que sabem exatamente como tocar e desejar outras mulheres”, aponta. “Se mulheres hétero fazem demonstrações públicas de lesbianismo para chamar atenção masculina, o brega sapatão pega o contato lésbico privado e o torna público – para outras mulheres. O brega sapatão é menos sobre ter um corpo sensual e mais sobre saber como usá-lo.”

Esse texto de Clements veio em maio do ano passado, assim que Janelle Monae lançou Dirty Computer, dois meses depois que Hayley Kiyoki lançou seu disco de estreia e alguns meses depois do Masseduction da St Vincent. Desde então, vimos o lançamento de Killing Eve, Lizzie, A Favorita, Desobediência, O Mau Exemplo de Cameron Post e Rafiki. O que tudo isso tem em comum é que são obras centradas na experiência queer do ponto de vista feminino especificamente. Rachel Weisz marchando até a Olivia Colman numa calça do século 18 e a esganando contra a cabeceira da cama em A Favorita, por exemplo, é um movimento tão queer que, no espaço de três segundos, se tornou um momento icônico da cultura lésbica.

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O que estou querendo dizer é que a quantidade de ação e narrativas lésbicas de alta qualidade que vêm agraciando nossas telas, internet e fones de ouvido no último ano foi uma chuva nos jardins de uma cultura que precisava muito de água – assim como todas as culturas. Claro, iconografia lésbica existe há muito tempo (se você não assistiu o filme de 1981 Liquid Sky, ou deu uma olhada nos arquivos da revista lésbica cult On Our Backs, pare o que estiver fazendo e vá atrás disso agora), e vai existir no futuro. Mas indiscutivelmente, até agora, a cultura lésbica nunca tinha sido tão mainstream, tão acessível, entregue com uma piscadela e um empurrãozinho, em vez de apresentada como nicho, underground ou quase vergonhosa.

Se Chloë Sevigny e Kristen Stewart – duas das atrizes mais conhecidas do século 21 – podem fazer sexo lésbico no celeiro num filme projetado em telas de cinema no mundo inteiro, eu diria que podemos esperar mais. Que venha 2019.

@daisythejones / @m.parszeniew

Imagens: Blake Lively, via; Janelle Monae, via; Jodie Comer, via; Sandra Oh, via; Rachel Weisz, via; Chloë Sevigny, via.

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