1Kilo de quê?

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1Kilo de quê?

De "apertamento" em Icaraí à casa na Barra, os cariocas da 1Kilo revelam como em apenas seis meses colocaram o seu rap acústico no topo das paradas de sucesso digitais.

No dia 3 de outubro, Pabllo Vittar, Anitta, Livinho, Kevinho, sertanejos no geral e Alok tiveram a sua hegemonia no topo das paradas brasileiras no Spotify rompidas pelo rap acústico "Deixe-me Ir" do grupo carioca 1Kilo, que há meses já rondava a lista — atualizada semanalmente — das 50 mais tocadas no Brasil. Nesta semana, a música conquistou o número um de outra playlist com sucessos tupiniquins, a Top Brasil, com 2,2 milhões de seguidores. No oceano de funks e sertanejos que povoam a parada, estão também nos mais ouvidos Projota (com duas faixas, uma delas a parceria com a dupla Anavitória), e o Hungria com "Coração de Aço".

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Em julho último, a 1Kilo lançou feat com o sertanejo Lucas Lucco, que havia publicado um vídeo cantando uma música da gravadora. Por telefone, o produtor da 1Kilo, Vinicius Legey, explicou: “entramos em contato com a produção do cantor e fluiu”. Esse contato resultou no som "Só por hoje", em formato acústico — um dos carros-chefe da 1Kilo. Recentemente, a sertaneja Marília Mendonça também publicou um vídeo cantando um hit da gravadora: "Deixe-me Ir". Em agosto publicaram foto no Instagram com o cantor Buchecha anunciando “em breve tem novidades”.

Foto: Matias Maxx/VICE

Como um grupo relativamente novo de rap consegue criar brechas no sólido reinado do triunvirato diva pop/funk/sertanejo, que dita os rumos da música popular brasileira deste milênio? Para entender as causas e efeitos desse fenômeno, fomos até a Barra de Tijuca, no Rio de Janeiro, para uma conversa com os protagonistas dessa história e compreender o que é a 1Kilo e a trajetória que os trouxe até aqui.

Caminhada

Aos 22 anos, Pablo Martins (Pablo da Cruz Martins, 25) testava a mescla de sonoridades e observava a cena musical no Brasil. Em 2015 ainda se apresentava em pequenas casas com sua turnê “Quando passamos a valer tão pouco?”, anunciando um show de MPB e pop rock, apesar do visual de camisa larga típica do rap. Sua imagem de rapaz de família, sem as tatuagens (nem bigode), revelavam um jovem ainda distante da realidade das ruas do rap, gênero musical que o levaria três anos depois a uma agenda com mais de 20 shows por mês. Pablo tenta a carreira artística desde os 13 anos, quando tocava na banda Naórbita com uma guitarra vermelha.

A saga da 1Kilo começou há dois anos, quando o rapper Pablo Martins chamou o DJ Grego (Rafael Domingos, 33 anos) e DoisP (Pedro Paulo Ramalho, 19 anos) para um show em Florianópolis. Durante a trip, que durou dois meses, o trio se hospedou na casa de Felipe RastaBeats (Felipe Roque, 26 anos), o Rasta, que já tocava junto de Pablo Martins desde 2014. Nessa época, Pablo ainda não havia alcançado sequer dois mil fãs no Facebook, mas já vivia entre apresentações na zona sul do Rio de Janeiro e Florianópolis em casas fechadas — cidades onde ele tinha família e amigos.

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Foto: Matias Maxx/VICE

A relação dos quatro durante a viagem em 2015 se tornou uma parceria musical, que consequentemente virou um selo com sede em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro — migrando RastaBeats para as terras cariocas. Nesse período, que durou três meses, eles se organizaram internamente para dar início de fato ao que hoje eles mesmos resumem em seus perfis nas redes sociais como “o plano do século”: Grego ficou responsável pelos beats, bateria e sintetizadores; Rasta passou a cuidar do instrumental orgânico e dos arranjos junto de Pablo Martins, que também cuidaria do executivo da operação e atuaria como MC junto de DoisP, o mais jovem do time e que também escreve letras. No segundo semestre de 2016 a 1Kilo se estabeleceu em Icaraí, zona nobre de Niterói, e começou a soltar seus trabalhos que viriam a ser o carro chefe da gravadora: os formatos acústicos e as cyphers.

Em 7 de agosto de 2016, o rapper (e um dos apresentadores da Batalha do Tanque) Mozart MZ levou o produtor audiovisual e organizador da Batalha do Tanque, Felipe Gaspary, ao encontro de Pablo Martins. A parceria com o Tanque viria a ser um dos fatores cruciais para a ascensão da 1Kilo nacionalmente: o primeiro trabalho do selo com mais de um milhão de views foi um cypher, "Poucos Vão Entender" (lançado em dezembro de 2016), que entre outros MC’s, conta com Pelé e Knust — ambos já acumulavam audiência no YouTube e outras redes sociais. MZ, Knust e Pelé entrariam para o casting da 1Kilo a partir de então.

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Foto: Matias Maxx/VICE

Pablo Martins explica essa relação com a Roda de São Gonçalo: "Tem um tempo já que conheço o Gaspary, e a nossa ideia sempre foi de parceria. Chegou num momento do Tanque que eu via que ele tinha muita gente boa ali que gerava um conteúdo muito bom, mas ainda não havia as oportunidades de vida que eu visualizava praqueles garotos, tá ligado? Porque se tu trabalha, irmão, e tu trabalha bem, você tem que ganhar dinheiro. Era isso que eu via pra eles. Então de certa forma, eu sei que os meninos passavam perrengue brabo. Até eu botar eles num estúdio e acabar transformando o talento que eles tinham em música e isso acabar gerando retorno pra eles. No Tanque os meninos estavam expostos a muita coisa. Você tem que entender qual é a influência que você causa na cabeça da pessoa adolescente. Tudo isso vai levar a vida toda e é isso que tô cuidando nos moleques agora. Transformando eles em músicos, em homens, mostrando a responsabilidade que eles têm com a família."

O hit do grupo foi lançado no dia 15 de março deste ano: "Deixe-me Ir". O formato acústico se tornou uma verdadeira marca registrada do grupo. O vídeo já passou de setenta e cinco milhões de visualizações e é exatamente essa música que foi parar no top do Spotify — e é também essa que está tocando nas rádios.

Foto: Matias Maxx/VICE

Numa stalkeada pelo perfil do DoisP no Instagram, dá pra perceber a mudança do alcance nas redes sociais entre março e abril deste ano, quando lançaram a cypher "Reza Sincera" (atualmente com 30 milhões de visualizações, lançada em 1 de abril). O som foi divisor de águas na história dessa turma, que já havia lançado dois EPs e alguns singles. Atualmente "Reza Sincera" é a música que abre os shows.

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Essa música também marca as collabs com MCs hypados na cena carioca, como o Xamã (finalista da Batalha do Real e parceiro de Pelé Milflows no Cartel MC’s, que também foi finalista da Tradicional), que participa em outros oito sons. Até o Sant participou em um som, "Bênção" — que tem o ADL também. Esse som bateu uns 11 milhões de visualizações e saiu em 25 de abril deste ano.

Tantas participações, somadas aos primeiros 30 vídeos que o canal já tinha, foram cruciais no momento que a 1Kilo chegou no público final no primeiro semestre deste ano. DoisP tenta explicar essa fórmula: "É igual bola de neve. Quanto maior teu peso na descida, maior a velocidade que tu desce. A gente tem muito som. Então, quando estourou, deu um 'up' no bagulho."

Foto: Matias Maxx/VICE

A real é que o algoritmo do YouTube privilegia os canais com maior retenção e regularidade, coisa que a galera da 1Kilo parece ter entendido desde o início. Liberando sons quase que semanalmente, já com dois álbuns no bolso e agilizando várias gravações, foi fácil para os seus primeiros inscritos darem o play e deixarem o canal rolando de fundo, com as músicas. Rasta complementa: “E tem ainda o fato de termos começado a entrar em playlists."

Na soma dos fatores, os últimos 22 sons lançados no canal passaram da casa de um milhão de visualizações — quatro deles, inclusive, passando de dez milhões. De acordo com a ferramenta de mídias sociais SocialBlade, a 1Kilo saltou de 3,8 mil visualizações no mês de outubro do ano passado para 71 milhões só no mês de agosto deste ano. No total, o canal tem mais de trezentas milhões de visualizações.

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Haters

Se por um lado a 1Kilo está, durante o fechamento desta reportagem, beirando os 2 milhões de inscritos, por outro a turma também acumula hate em cima do seu trabalho — especialmente dos "guardinhas do rap", que fizeram questão de dar 20 mil dislikes em “Deixe-me ir” (que também acumula outro milhão de likes).

O ódio dos mais puristas chegou até no merchandising da 1Kilo, quando a turma lançou uma camiseta comemorando o primeiro milhão de inscritos, custando R$300. "Eu queria ter botado a quinhentos", dispara Pablo Martins. A chuva de hate só ajudou a marca a acelerar seu crescimento: "Nesse dia o site vendeu R$30 mil em outros produtos", Pablo afirma. A tal camisa de trezentos reais vendeu cem unidades — e todos avaliam que o hate ajudou a viralizar ainda mais rápido.

Pablo Martins. Foto: Matias Maxx/VICE

Futuro

Hoje, aos 25 anos, Pablo avalia seu período de antes da fundação da 1Kilo: "Observei muito como funcionava aquela cena naquela época de 3030, Cacife, Ret, Cartel, fui vendo tudo. Onde eles conseguiram vencer e onde eles pecavam. Fui olhando de cada um — desde personalidade até trabalho, tá ligado? Aí pra hoje eu tenho uma noção exata de como a cena funciona, pra onde eles tão cada um andando, como posso tirar o melhor."

"1Kilo é bem mais que uma banda. É um estilo de vida, já" — explica Chris, campeão do Mic Masters e um dos membros da atual formação daquilo que, nas suas próprias palavras, "é uma família mesmo, tá ligado?". Na visão de Pablo Martins, que faz o papel de linha de frente na crew, a coisa vai um pouco além: "Não criei um grupo nem uma gravadora. Eu criei uma nova cena, um novo momento para a cena" — essa “nova cena” já está presente nas rádios cariocas, disputando espaço com outros nomes do rap nacional e também com a turma do sertanejo, funk e especialmente do pagode.

Foto: Matias Maxx/VICE

Por enquanto, a 1Kilo se prepara para tocar em grandes festivais pelo Brasil e já negocia com grandes empresas no país. Prova disso é a mudança para o casarão na Barra da Tijuca, que Pablo Martins explica: “Os estúdios e escritórios foda estão aqui. Nós estamos preparados para o momento. Eu quero sentar pra conversar no olho dos caras das grandes e eu preciso estar aqui pra isso, tá ligado? Eu tô preparado pra ganhar dinheiro esse ano e sei que essas pessoas tão aqui." Outra razão para a mudança é o acesso ao aeroporto internacional do Galeão. E por falar em internacional, Pablo Martins dá um sinal dos próximos passos da marca: "Tô indo pra Califórnia agora no início do ano. Não vamos cantar em inglês, mas vamos fazer feat com um pessoal de lá". Tudo indica também que o selo vai dar condições para seus artistas explorarem a onda do reggaeton. "É tendência, tá ligado? Vai ter artista da 1Kilo que vai querer fazer, outro que não. Talvez isso não vá influenciar na diretriz da 1Kilo" — explica Pablo.

Enquanto essa matéria foi escrita, o canal da 1Kilo no YouTube ganhou quase cem mil inscritos.

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