A franco-atiradora desconhecida que matou 75 nazistas
A franco-atiradora do Exército Vermelho Lyudmila Pavlyuchenko defende Sevastopol dos nazistas, 6 de junho de 1942. Seu total de mortes confirmadas durante a Segunda Guerra Mundial foi de 309 pessoas, incluindo 36 snipers inimigos. Foto: SeM/UIG via Getty Image.

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A franco-atiradora desconhecida que matou 75 nazistas

Um trecho do novo livro da vencedora do Prêmio Nobel Svetlana Aleksiévitch, 'A Guerra Não Tem Rosto de Mulher'.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

"A guerra das 'mulheres' tem suas próprias cores, seus cheiros próprios, sua própria iluminação e uma gama própria de sentimentos", escreve Svetlana Aleksiévitch em seu magistral livro de não ficção . "Não há heróis e feitos incríveis, simplesmente pessoas ocupadas fazendo coisas inumanas. E não são apenas elas (pessoas!) que sofrem, mas a terra, os pássaros, as árvores… Eles sofrem sem palavras, o que é ainda mais assustador."

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O livro de Aleksiévitch, lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é um documento poderoso e emocionante desse sofrimento, dando vozes às mulheres que serviram ao lado dos colegas homens, só para serem consideradas invisíveis depois por uma sociedade sexista e seus sistemas burocráticos. Escrito durante o curso de mais de 500 encontros com veteranas soviéticas, o livro foi a estreia da jornalista ucraniana como escritora — ela vendeu mais de 2 milhões de cópias do original em russo em 1985.

O coro quase exclusivamente feminino de testemunhas relata imagens de pesadelo do fronte: um rio cheio de quepes flutuantes de marinheiros mortos; uma estação de trem repleta de veteranos amputados, andando sobre as mãos; uma idosa no cerco de Leningrado, todo dia jogando uma panela de água fervente da janela para treinar para quando os invasores nazistas chegassem.

Os temas de Aleksiévitch também relatam vários traumas e tristezas depois da guerra: "Foi só muito depois que começaram a nos honrar, 30 anos depois", explica Valentina Povlovna Chudaeva, comandante de artilharia antiaérea. "Mas na época nos escondíamos, nem usávamos nossas medalhas. Os homens usavam, mas as mulheres não. Os homens eram vitoriosos, heróis, galanteadores, a guerra era deles, mas víamos isso com outros olhos… Te digo isso, eles roubaram a vitória de nós. Eles trocaram discretamente nossa vitória por felicidade ordinária de mulher." E ainda assim, com diálogos dolorosos como o de Chudaeva, emerge um tipo de esperança, ou pelo menos cura, através do poder da literatura, do testemunho. "É terrível lembrar", ela diz. "Mas é mais terrível não lembrar."

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No trecho abaixo, Aleksiévitch (que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015 "por sua escrita polifônica ") relata a história pessoal de uma franco-atiradora condecorada que matou 75 soldados antes de retornar para casa, como uma mulher mudada e marcada.

– James Yeh, editor cultural

Foto por Margarita Kabakova / cortesia da Penguin Random House

"Não quero lembrar…"

Klavdia Grigeryevna Krokhina
Primeiro-sargento, franco-atiradora

A primeira vez é assustadora… Muito assustadora…

Estávamos no esconderijo, eu estava de vigia. Aí notei um alemão levantando a cabeça de uma trincheira. Apertei o gatilho e ele caiu. Aí, sabe, comecei a tremer inteira, ouvia meus ossos batendo. Chorei. Quando atirava em alvos não era nada, mas agora: Eu — matei! Matei um homem desconhecido. Não sabia nada sobre ele, mas o matei.

Depois passou. E foi assim… Aconteceu assim… Já estávamos em vantagem. Marchamos por um pequeno assentamento. Acho que era na Ucrânia. E do lado da estrada vi um barracão ou uma casa, era impossível saber, estava todo queimado, só sobraram as pedras enegrecidas. Uma fundação… Muitas das garotas não queriam se aproximar, mas era como se o lugar estivesse me chamando… Havia ossos humanos entre os escombros, com pequenas estrelas queimadas entre eles; eram nossos feridos ou prisioneiros que tinham sido queimados. Depois disso, sempre que eu matava, não sentia pena. Eu tinha visto aquelas pequenas estrelas queimadas…

…Voltei da guerra com os cabelos grisalhos. Eu tinha vinte e um anos, mas meu cabelo estava todo cinza. Fui ferida, tive uma concussão, não escutava mais de um ouvido. Minha mãe me recebeu com as palavras: "Eu sabia que você voltaria. Rezei por você dia e noite". Meu irmão caiu no fronte.

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Minha mãe lamentou: "É a mesma coisa agora — dar à luz a meninos ou meninas. Mas ele era um homem, ele tinha que defender a Pátria, mas você é uma garota. Pedi só uma coisa a Deus, que se ele te desfigurasse, era melhor te matar. Eu sempre ia à estação de trem. Para encontrar os soldados que chegavam. Uma vez vi uma garota soldado com o rosto queimado… Me arrepiei. Depois rezei por ela também".

Na região de Chelyabinsk, onde nasci, eles estavam fazendo um tipo de mineração não muito longe de casa. Assim que as explosões começavam — era sempre à noite por alguma razão — eu pulava da cama imediatamente e agarrava meu casaco — e corria, eu tinha que correr para algum lugar. Minha mãe corria atrás de mim, me abraçava e dizia "Acorde, acorde. A guerra acabou. Você está em casa". Eu voltava a mim com as palavras dela: "É a mamãe, mamãe…" Ela falava com calma, baixo. Gente falando alto me assustava…

A sala está quente, mas Klavdia Grigoryevna se enrola num cobertor pesado – ela está com frio. Ela continua:

Nos tornamos soldados rapidamente… Sabe, não havia tempo para pensar. Para lidar com nossos sentimentos…

Nossa escolta fez um oficial alemão prisioneiro, e ele estava extremamente surpreso com os vários soldados mortos na posição dele, quase todos com tiro na cabeça. Quase no mesmo ponto. Um simples atirador, ele insistia, não seria capaz de acertar tantos tiros na cabeça. Com certeza. "Me mostre", ele pediu, "o atirador que matou tantos dos meus soldados. Recebi um grande reforço, mas a cada dia dez homens caíam". E o comandante do regimento disse: "Infelizmente não posso te mostrar. Era uma garota atiradora, mas ela foi morta". Era nossa Sasha Shliakhova. Ela morreu num duelo de franco-atiradores. O que a traiu foi seu lenço vermelho. Ela gostava muito daquele lenço. Mas um lenço vermelho fica muito visível entre a neve. Quando ouviu que tinha sido uma garota, o oficial alemão ficou chocado, ele não sabia como reagir. Ele ficou em silêncio por um longo tempo. Da última vez que o interrogaram antes de mandá-lo para Moscou (parece que ele era um figurão importante), ele confessou: "Nunca lutei com mulheres. Vocês são lindas… E nossa propaganda diz que são hermafroditas, não mulheres que lutam no Exército Vermelho…" Então ele não entendeu nada. Não… Não posso esquecer…

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Saíamos sempre em dupla. É muito difícil ficar de vigia sozinha do nascer ao pôr do sol; seus olhos ficam cansados, lacrimejando, você perde a sensação nas mãos, seu corpo acaba adormecido pela tensão. É especialmente difícil na primavera. A neve derrete embaixo de você; você fica suspensa o dia todo em água. Você flutua; às vezes acaba congelada no chão. Saíamos assim que o sol nascia e voltávamos à linha de frente quando escurecia. Por 12 horas ou mais ficávamos deitadas na neve, ou subíamos no topo de uma árvore, no telhado de um abrigo ou de uma casa abandonada, depois nos camuflávamos, para que o inimigo não visse de onde estávamos observando. Tentávamos encontrar uma posição o mais perto possível: às vezes a apenas 500 metros das trincheiras dos alemães. No começo da manhã dava para ouvir as conversas deles. Risadas.

"Eu não sabia nada sobre ele, mas o matei."

Não sei por que não tínhamos medo… Agora não entendo. Estávamos avançando, avançando muito rápido… E estávamos ficando sem energia, nossos suprimentos ficaram para trás: ficamos sem munição, sem mantimento e a cozinha foi destruída por uma bomba. Por três dias comemos só crostas secas: nossas línguas ficaram tão ressecadas que não conseguíamos falar. Minha parceira foi morta, e eu fui para a linha de frente com uma garota "nova". De repente vimos um potro na "terra de ninguém". Era lindo, com um rabo todo fofo… Passando calmamente, como se não houvesse guerra. E ouvi os alemães dizendo alguma coisa, depois de o virem. Nossos soldados também começaram a falar entre si.

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"Ele vai fugir. Daria uma bela sopa…"

"Não dá para acertar daqui com uma submetralhadora…" Aí eles nos viram.

"As atiradoras estão vindo. Elas vão pegá-lo… Vamos, garotas!"

Não tive tempo de pensar; por hábito, mirei e disparei. As pernas do potro se dobraram embaixo dele; ele caiu de lado. Pareceu para mim — talvez eu tenha alucinado — mas pareceu que ele deu um choro fino e alto.

Só depois me dei conta: por que fiz aquilo? Um potro tão bonito, e eu o matei, o coloquei na sopa! Ouvi alguém chorando atrás de mim. Me virei, era a garota "nova".

"O que foi?", perguntei.

"Estou com pena do potro…", os olhos dela estavam cheios de lágrimas.

"Ah, que natureza sensível! E estamos passando fome há três dias. Você está com pena porque ainda não queimou ninguém. Tente marchar 30 quilômetros num dia com todo o equipamento, faminta até as botas. Primeiro derrube o Fritz ali e depois ficamos emotivas. Não sinto pena. Mais tarde… Entenda… mais tarde…"

Franco-atiradoras do Exército Vermelho reunidas antes de deixar o fronte em 1943. Foto: Krasutskiy/AFP Photo/Getty Images.

Olhei para os soldados que tinham acabado de gritar. Que me pediram. Agora… Alguns minutos atrás. Ninguém olhava para mim, como se não me notassem; todos olhando para o chão e fazendo suas tarefas. Fumando, cavando… Um afiando alguma coisa… E não posso fazer o que quero. Sentar e chorar. Uivar! Como se eu fosse uma açougueira, que não se importa de matar assim. Mas sempre amei todas as criaturas, desde criança. Tínhamos uma vaca – eu já estava na escola – e ela ficou doente e teve que ser sacrificada. Chorei por dois dias. Não conseguia me acalmar. A aqui – bang! – atirei num potro indefeso. O que posso dizer… Era o primeiro potro que eu via em dois anos…

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Eles nos serviram a ceia naquela noite. Os cozinheiros: "Bom, jovens atiradoras! Hoje temos carne na panela…" Eles colocaram as panelas na mesa e saíram. E minhas garotas ficam sentadas ali e não tocaram no prato. Entendi o que era, explodi em lágrimas, e corri para a trincheira… As garotas correram atrás de mim, começaram a me consolar. Depois pegaram seus pratos e começaram a comer… Sim, era assim que as coisas eram… Sim… Não posso esquecer…

À noite conversávamos, claro. Sobre o que falávamos? Sobre nossas casas, cada uma falava sobre sua mãe, e sobre o pai e os irmãos que estavam lutando. Sobre o que faríamos depois da guerra. E com quem iríamos casar, se nossos maridos nos amariam. Nosso comandante riu.

"É, meninas! Vocês estão bem aqui, mas depois da guerra os homens vão ter medo de casar com vocês. Vocês têm uma mira muito boa; podem jogar um prato na cabeça do marido e matá-lo."

Conheci meu marido durante a guerra. Estávamos no mesmo regimento. Ele foi ferido duas vezes, teve uma concussão. Ele passou pela guerra inteira, do começo ao fim, e foi militar até o final da vida. Tinha alguma necessidade de explicar a ele o que era a guerra? De onde eu tinha voltado? Onde estive? Sempre que eu levantava minha voz, ele não prestava atenção ou se mantinha calmo. E eu o perdoo. Também aprendi. Criamos dois filhos; os dois terminaram a universidade. Um filho e uma filha.

"Havia ossos humanos entre os escombros, com pequenas estrelas queimadas entre eles; eram nossos feridos ou prisioneiros que tinham sido queimados. Depois disso, sempre que matava, eu não sentia pena. Eu tinha visto aquelas pequenas estrelas queimadas."

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O que mais posso te contar… Fui dispensada, vim para Moscou. E para voltar para casa de Moscou tive que pegar um trem e depois andar muitos quilômetros a pé. Agora tem um metrô, mas naquela época eram só pomares de cerejeira e ravinas profundas. Uma ravina era muito grande, e eu tinha que cruzá-la. Já estava escuro quando cheguei lá. Claro, eu estava com medo de cruzar a ravina. Fiquei parada lá, sem saber o que fazer: voltar e esperar o amanhecer ou juntar minha coragem e arriscar a passagem. Lembrando agora, é engraçado. Eu tinha a guerra atrás de mim, o que não vi, corpos e todo o resto — e estava com medo de cruzar uma ravina. Lembro até hoje do cheiro dos corpos, misturado com o cheiro de cigarros baratos… Mas na época eu era só uma garota. No trem… Estávamos voltando da Alemanha… Um rato saiu correndo da mochila de alguém, e todas as garotas pularam; as garotas nas camas de cima começaram a gritar. Tinha um capitão viajando com a gente, e ele ficou surpreso: "Vocês, todas condecoradas, e têm medo de um rato".

Felizmente para mim, um caminhão estava passando. Eu pensei: "Vou pegar uma carona".

O caminhão parou.

"Preciso ir para Diakovskoe", gritei.

"Estou indo para Diakovskoe." O moço dirigindo abriu a porta.

Entrei na cabine e ele colocou minha mala atrás. Ele vê meu uniforme, vê as medalhas. Ele pergunta: "Quantos alemães você matou?"

Eu digo: "75".

Ele responde, meio que brincando: "Vamos lá, você provavelmente nem viu nenhum".

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Aí o reconheço: "Kolka Chizhov? É você? Lembra quando te ajudei a amarrar seu lenço vermelho?"

Antes da guerra eu tinha trabalhado um tempo como líder pioneira na minha escola. [Nota do editor: A União de Pioneiros, para crianças soviéticas de dez a 15 anos, foi fundada em 1922. Era similar as organizações de escoteiros.]

"Maruska, é você?"

"Eu…"

"Sério?", ele parou o caminhão.

"Me leve pra casa! O que estamos fazendo parados no meio da estrada?" Eu estava com os olhos marejados. Ele também, eu conseguia ver. Que encontro!

Chegando na minha casa, ele correu com minha mala para minha mãe, dançou no pátio com aquela mala.

"Venha correndo, eu trouxe sua filha!", não consigo esquecer… Como posso esquecer?

A franco-atiradora do Exército Vermelho Lyuba Makarova na reunião no fronte de Kalinin em 1943. Foto: Ozerksy/AFP/Getty Images

Voltei e tudo tinha que começar do começo. Tive que aprender a usar sapatos; passei três anos no fronte usando só botas de combate. Estávamos acostumadas com cintos, sempre bem apertados, e agora parecia que as roupas ficavam largas em nós, nos sentíamos meio desconfortáveis. Eu olhava para saias com horror… e vestidos… Nunca usávamos saias no fronte, só calças. Costumávamos lavá-las à noite e dormir com elas — isso equivalia a passar a roupa. Sim, elas não estavam exatamente secas e podiam congelar. Como você aprende a andar com uma saia? Era como se minhas pernas fossem se embaraçar. Eu estava com roupas e sapatos civis, encontrei um oficial na rua, e involuntariamente levantei a mão para saudá-lo. Estávamos acostumadas com racionamento; tudo era fornecido pelo Estado, então eu ia à padaria, pegava todo o pão que precisava e esquecia de pagar. A balconista me conhecia, e entendia, mas tinha vergonha de me lembrar, então eu saía sem pagar. Depois ficava morrendo de vergonha; voltava no outro dia, me desculpava, pegava mais alguma coisa e pagava tudo junto. Tive que aprender coisas normais de novo. Lembrar a vida normal. Normal! Em quem eu podia confiar? Eu corria para um vizinho… Para minha mãe…

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Eu também pensava isso… Escute… Quanto tempo durou a guerra? Quatro anos. Muito tempo… Não me lembro de nenhum pássaro ou flores. Eles estavam lá, claro, mas não me lembro. Sim, sim… É estranho, não? Eles podem fazer um filme a cores sobre a guerra? Tudo era preto. Só o sangue tinha outra cor, o sangue era vermelho…

Recentemente, uns oito anos atrás, encontramos Mashenka Alkhimova. O comandante de artilharia da divisão foi ferido; ela se arrastou até ele para tentar salvá-lo. Uma bomba explodiu bem na frente dela… O comandante morreu, ela não conseguiu alcançá-lo, e as pernas dela ficaram tão mutiladas que eles quase não conseguiram enfaixá-la. Tivemos momentos difíceis com ela… A carregamos até a estação de primeiros socorros, e ela ficava dizendo "Minhas queridas, atirem em mim… Me matem… Não quero viver assim…" Ela implorou… tanto! Eles a mandaram para o hospital, e continuamos avançando. Quando procuramos por ela… a trilha tinha se perdido. Não sabíamos onde ela estava, o que aconteceu com ela. Por muitos anos… Escrevemos para todo lado, e ninguém sabia de nada. Os "rastreadores" da Escola Nº 73 de Moscou nos ajudaram. Esses meninos e meninas… Eles a encontraram numa casa de veteranos, em algum lugar de Altai [uma região montanhosa], 30 anos depois da guerra. Tão longe. Todos aqueles anos ela viajou de uma casa de inválidos para outra, de um hospital para o outro, passando por dezenas de cirurgias. Ela nem contou para a mãe que estava viva… Ela se escondeu de todo mundo…

A trouxemos para nossa reunião. Todo mundo estava banhado em lágrimas. Aí a reunimos com a mãe… Elas se encontraram 30 anos depois da guerra… A mãe quase ficou louca… "Estou tão feliz que meu coração não parou de tristeza até agora. Tão feliz!" E Mashenka repetia: "Agora não tenho medo de encontrar as pessoas. Já estou velha". Sim… Resumindo… Isso é a guerra…

Lembro de ficar deitada à noite na trincheira. Não estou dormindo. Há fogo de artilharia em algum lugar. Nossos canhões estão disparando… Eu não queria morrer… Fiz um juramento, um juramento militar, que se fosse preciso eu daria minha vida, mas eu não queria morrer. Mesmo quando você volta para casa viva, sua alma está ferida. Agora penso: teria sido melhor ser ferida num braço ou perna. Aí meu corpo doeria, não minha alma… é muito doloroso. Éramos tão jovens quando fomos para o fronte. Meninas. Eu até cresci durante a guerra. Minha mãe me mediu em casa… Cresci dez centímetros…

Quando nos despedimos, ela, meio constrangida, estende as mãos e me abraça:

Me desculpe…

Do livro A Guerra Não Tem Rosto de Mulher de Svetlana Alexievich, lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Copyright © 2017 por Svetlana Alexievich. Todos os direitos reservados.

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