Quando seu trampo atrapalha a Copa
Ilustração: Cassio Tisseo

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VICE Sports

Quando seu trampo atrapalha a Copa

Histórias de pessoas que viram – ou tentaram ver – jogos da Copa no trabalho e acabaram levando um 7x1.

Copa é diversão, Copa é alegria, Copa é felicidade. Quando esse evento tão divertido está em vias de chegar, a gente só consegue pensar em ficar plantado no sofá (ou no bar), assistir um jogo com as amizades e beber uma cerveja. Mas infelizmente nem tudo são flores e, pasmem, a vida tem que continuar mesmo enquanto a Copa rola.

Se você é mais radical, até consegue dar uns dribles em relacionamentos, responsabilidades acadêmicas e normas básicas de higiene pra poder assistir tantos jogos quanto possível, mas tem um dever que você não vai conseguir evitar: o trabalho. A não ser que você tenha um trampo muito heterodoxo, isso envolve estar todos os dias em um local específico durante o horário comercial – o que, nessa Copa em particular e na passada, significa perder quase todos os jogos de outras seleções (e, se seu chefe for muito cri-cri, até mesmo os do time brasileiro).

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Mais do que em qualquer outro país, aqui no Brasil a gente sabe que pra tudo dá-se um jeito. Seja dando aquela disfarçada enquanto acompanha o jogo na tela do notebook, seja dando um gato e inventando uma doença ou contratempo (só não vale morte de parente) pra faltar no trampo naquele dia. Mas, ao contrário do que você pensa, seu chefe não é bobo e a gracinha que você inventou pra poder ver um joguinho pode dar bem, bem errado.

Com isso em mente, a VICE foi atrás de relatos de uma galera que assistiu – ou tentou assistir – jogos da Copa no trampo e acabou levando um 7x1. Um dos nossos guerreiros, que decidiu se manter anônimo, por exemplo, recebeu a seguinte mensagem do chefe no grupo do zap do trabalho:

“A todos os ocupantes: Pessoal, amanhã começa essa droga de Copa do Mundo. Como deve ser do conhecimento de todos, meu ânimo quanto a este evento é zero! Sendo assim, gostaria de pedir a todos que evitassem de assistir jogos aqui no escritório, mesmo em vossos telefones. Restrinjam-se às comemorações fora daqui: camisas coloridas, chapéus, vuvuzelas, apitos, álbuns, etc. Nos jogos do Brasil, quem quiser ficar em casa e perder seu tempo assistindo porque gosta, fique à vontade, para isso temos o banco de horas. […] Se Deus quiser, tomaremos uma fubecada de cara e seremos desclassificados depois do terceiro jogo, acabando assim com essa tortura. Quero lembrar a todos que, independentemente do esporte em si, um país como o nosso, com as enormidades dos problemas sociais e financeiros, deveria se eximir de participar de uma despesa desta monta, mas como tudo é circo e festa…”

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Não é fácil pra ninguém. Leia mais relatos abaixo.

Thiago Foscarini, 30 anos, técnico de informática

No meu primeiro emprego, meu chefe me mandou fazer um trampo de T.I. no dia do jogo do Brasil e Holanda em 2010: a fatídica partida que eliminou o Brasil da Copa na África do Sul. Ainda em negação de não poder assistir o Brasa, fiz o trajeto longo de Guarulhos até Santo Amaro para chegar ao local onde trabalharia naquele dia, um salão de beleza bem chique, cheio de dondocas. Eu e as assistentes de cabeleireiro fizemos uma gambiarra numa daquelas televisões que ficam penduradas passando propaganda e assistimos a partida com a transmissão chuviscando o tempo inteiro. Até hoje não sei o que foi pior: o sadismo do meu chefe ou o ambiente que não me permitia pistolar tranquilo com a derrota do Brasil.

Fábio Brescia, 56 anos, vendedor

Não me lembro se foi na Copa de 90 ou de 82, mas era um jogo entre Brasil e Argentina. Na época, eu trabalhava como vidraceiro. Tinha acabado de atender um cliente e estava voltando para casa de carro, as ruas estavam vazias. Passei por um viaduto e tinha um moço vendendo marmita e pedindo carona desesperado porque queria ir pra casa assistir o jogo. Parei o carro e decidi dar carona para o pobre homem por um bem maior, o amor pelo futebol. Mas o cara tava mais na neura que eu e ficou gritando pra eu acelerar porque queria chegar em casa logo pra ver o jogo. Nessa, eu também fiquei pilhado e acelerei o carro pra chegar mais rápido, mas um carro entrou na frente e meu tive que frear com tudo, no susto. O choque fez todas as marmitas do homem estourarem no carro – era arroz, feijão, farofa pra todo lado – o que consequentemente causou uma briga e me fez colocar o marmiteiro para fora do carro. Até hoje não sei se ele conseguiu ver o jogo.

Felipe Albanit França, 26 anos, assistente de câmera

Na Copa de 2014, eu estava contratado como CLT pela primeira e última vez na minha vida, e tinha acabado de comprar um PlayStation 4. Nessa já favorável situação, fui jogar bola de All Star logo após o início da Copa, escorreguei sozinho, me esborrachei e zoei os ligamentos do tornozelo. Fiquei em casa de gesso e licença médica, recebendo salário, vendo todos os jogos e jogando videogame nos intervalos. Mesmo com o 7x1 foi o melhor mês da minha vida.

Lucas Henrique, 25 anos, jornalista

O jogo Brasil e Croácia da Copa de 2014 eu assisti do trampo. Na época eu trabalhava pra MasterCard como atendente de telemarketing e a única ligação efetuada durante os 90 minutos da partida caiu justamente pra mim. Com uma voz de sofrimento, o cliente falou “cara, desculpa ligar no meio do jogo, mas meu cartão não tá passando. Pelo amor de deus, me ajuda.” Percebi que ele estava sofrendo mais do que eu e passei o restante do jogo tentando resolver o problema do coitado.

Raique Tavares, 22 anos, vendedor

2014. Dia do jogo Brasil e Chile pelas oitavas. Se eu não me engano, era um sábado, então o chefe megalomaníaco da locadora em que eu trabalhava colocou eu e uma colega pra trampar nesse dia. A intenção dele era não liberar a gente pra ver o jogo. Pois bem, eu estava bem puto e planejando, obviamente, fechar a loja e ir embora ver o jogo, foda-se. Acontece que por volta do meio-dia – não preciso nem dizer, a loja completamente esvaziada de clientes que não queriam nem saber de alugar filme nesse dia –, um maluco entra na loja, saca um revólver e me manda passar pra ele toda a grana do caixa. Eu, com a arma apontada pro meu estômago, faço o que ele pede, enquanto vou tramando na minha cabeça como eu iria usar isso como desculpa pra fugir do trampo. O assaltante vai embora e ainda me agradece, tamanha a tranquilidade que o ambiente pacato proporcionou ao crime dele. No instante em que ele vira as costas, pego o telefone pra ligar pro meu patrão, e simplesmente falo: “Olha aqui, fomos roubados e estamos sem troco pra trabalhar, vou pra casa ver o jogo”. Desligo o telefone, fecho a loja, me despeço da minha colega e vou pra casa. O pior disso tudo é que a sensação de estar na mira de um cano segurado por mãos trêmulas por aproximadamente 60 segundos não se comparou ao desgosto que senti ao ver a bola na trave do Penilla e meu capitão chorando com medo de bater pênalti.

Lucas de Freitas, 24 anos, social media

Na Copa de 2010, uma professora do colégio técnico em que eu estudava marcou uma prova de recuperação justo pro dia do partida do Brasil contra a Holanda, num horário pós-jogo. Tinham dez pessoas na escola: os alunos de recuperação, ela, o porteiro e o inspetor – e só ela não estava de cabeça inchada pela derrota e por ter que aturar uma prova desgraçada de chata depois daquilo. Em algum momento, ela teve que sair da sala e pediu pro inspetor ficar de olho em nós. Ele esperou ela dar dez passos, olhou pra gente e disse: "Não era pra eu estar aqui, então eu não estou", virou as costas e deixou todo mundo colar. Foi uma das primeiras salas que ninguém pegou DP com ela.

Julio Santos, 23 anos, assistente de logística

Na Copa de 2014, a empresa em que eu trabalhava queria negociar a liberação nos dias de jogos das seleções usando o banco de horas. Meu gerente era espanhol, o diretor alemão, o T.I. holandês, além da maioria brasileira, então tiveram que chamar o sindicato pra dar conta dessa bagunça.

Esse meu gerente entregou o acordo todo bonitinho pra gente ler e ver se aceitávamos para assinar, e dois rapazes do sindicato fizeram uma reunião só com os funcionários para explicar como aquilo ia funcionar na prática. Mas acabou que o sindicato não curtiu a ideia e vieram com uns papos que a empresa estava ganhando em cima disso, bem "só querem o venha a nós, nosso reino nada". Depois fizeram a reunião com o meu gerente e disseram que os funcionários não aceitaram o acordo, que não íamos acatar, que era errado.

Quando o sindicato foi embora o gerente veio falar com a gente, dizendo que o banco de horas estava ali para podermos folgar e depois compensar e do contrário eles teriam que descontar as horas em folha, mas o que tínhamos pedido ao sindicato era justamente que eles incluíssem no acordo os horários dos jogos e o horário relativo a compensar.

No fim, nos acertamos com o gerente, incluíram os horários, assistimos os jogos de casa, compensamos as horas, e descobri o quão desgraçado é o meu sindicato.

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