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Tecnologia

O amor nos tempos do iMessage

Como o aplicativo da Apple mudou a forma como nos relacionamos.
Crédito: Chris Kindred/Motherboard​

Ser solteiro hoje em dia é uma merda: temos que lidar com sumiços sem explicação, caras babacas e uma profusão de apps de relacionamento. É uma vida difícil, não vou negar.

O foco desse texto, porém, não é sobre as agruras da vida solteirona, mas sim o meio que usamos para nos relacionar — o iMessage. O aplicativo de mensagens da Apple é há algum tempo um dos melhores do mercado. Além disso, o design dele mudou significativamente a forma como nos comunicamos e estabelecemos (ou destruímos) nossos relacionamentos.

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Assim como muitos detalhes do processo de sedução — a escolha de bebida, decidir quem vai pagar a conta — o iMessage se tornou símbolo de status. Você já deve ter ouvido histórias sobre pessoas sendo humilhadas ou ignoradas por terem balões de mensagem verdes — característicos dos celulares Android — em vez dos balõezinhos azuis do iMessage.

Ano passado, Michael Nunez, um jornalista especializado em tecnologia, chegou a anunciar que mudaria de celular por por se sentir pressionado a usar o iMessage. "Vocês não sabem como é questionar sua identidade digital por causa de algo tão banal", escreveu, em tom de brincadeira com fundo de verdade. "Me perdoe, Android. Mas depois de uma década, nosso amor acabou. Estou solteiro, pronto para conhecer gente nova e livre dos balõezinhos verdes."

Não é apenas esnobismo que torna o iMessage — e as pessoas que o usam — mais desejável. Pedi que Pavani Yalla, minha amiga pessoal e diretora de design da Second Story, descrevesse por que os elementos de design utilizados pela Apple são tão viciantes.

Segundo ela, a popularidade do aplicativo se deve, entre outras coisas, aos efeitos de balão de fala, às animações e ao ar moderno do aplicativo, característica voltada especificamente para usuários jovens. Além disso, a possibilidade de reagir a mensagens com corações e joinhas nos remete às redes sociais nas quais passamos várias horas por dia.

"O que eu amo no iMessage é que a interface dele deixa a coisa mais importante em evidência: as mensagens", contou-me Yalla. "Mesmo com todas as atualizações pelas quais o aplicativo passou nos últimos anos, as mensagens continuam em destaque." Embora muitas funções do iMessage existam também em outros apps de mensagens, várias de suas funções mudaram a forma como nos relacionamos. É o exemplo das reticências animadas ("…") que indicam que alguém está digitando, e o opcional (e absurdo, na minha opinião) sinal de visualização, que informa quando alguém leu sua mensagem.

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Esses elementos são capazes de transformar qualquer conversa em um festival de ansiedade, frustração e insegurança. E isso acontece, ao menos em parte, porque a comunicação instantânea abre espaço para mal-entendidos.

"Quando uma das partes quer algo além de amizade, um dos únicos dados disponíveis é o tempo de resposta da outra pessoa", disse Jeremy Birnholtz, um pesquisador especialista em comunicação instantânea e interação entre humanos e máquinas da Universidade Northwestern, nos EUA. "Quando estamos nessa posição, qualquer coisa parece um sinal."

Birnholtz me deu um breve resumo das questões mais importantes relacionadas à troca de mensagens instantâneas — problemas que eu e meus amigos já identificamos e esmiuçamos em nossa longa aventura pelo mundo dos relacionamentos na era digital.

Fazemos coisas por mensagem que não faríamos pessoalmente, mas nossa personalidade também influi na forma como nos comunicamos nesses aplicativos.

O famigerado "…", por exemplo, pode ser angustiante, visto que é desagradável saber que seu interlocutor está esperando enquanto você digita e altera uma mensagem até que ela fique perfeita. Por outro lado, os pontinhos nos ajudam a mandar mensagens mais curtas e concisas em vez de escrever um texto corrido.

Em parte, essa angústia é uma nova manifestação de uma ansiedade milenar: a espera de uma resposta de um interesse romântico ou o esforço de não parecer excessivamente interessado em alguém. Mas nossas frustrações com a troca de mensagens parecem ter origem nas contradições inerentes à comunicação à distância: fazemos coisas por mensagem que não faríamos pessoalmente; e nossa personalidade também influi na forma como nos comunicamos nesses aplicativos.

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"Sabemos que as pessoas ficam mais desinibidas na internet, especialmente quando o assunto é sexo", disse Birnholtz. "Na internet, podemos ser mais sexuais do que jamais fomos na vida real."

O assunto me lembrou do livro do comediante Aziz Ansari sobre os infortúnios da vida de solteiro, Modern Romance. Nele, Ansari escreve sobre sites como o "Mensagens de Héteros Brancos", no qual as inconsistências e o atrevimento do anonimato digital são exibidos em toda sua glória.

Enquanto isso, o ghosting, fenômeno infame no qual um interesse romântico passa a te ignorar sem explicação, atormenta tanto homens quanto mulheres. A prática do ghosting, que segundo profissionais de saúde mental pode ser traumática, não é algo que você possa fazer na vida real (imagine levantar da mesa de bar e sair andando sempre que você não quiser responder alguma pergunta), mas isso se tornou comum na comunicação digital, diz Birnholtz. Além do mais, funções do iMessage como o sinal de visualização podem deixar as pessoas particularmente chateadas, já que é possível saber quando seu crush leu sua mensagem e não respondeu.

Não sumir não é tão difícil. Crédito: Motherboard

É claro que a natureza das mensagens de texto muda quando um relacionamento casual evolui para um namoro. Segundo Birnholtz, casais são mais propensos a usar funções como o sinal de visualização, especialmente em situações mais urgentes. Nesses casos, o sinal de visualização e os três pontinhos são mais úteis do que frustrantes, porque o medo da assimetria (situação em que uma pessoa está mais investida no relacionamento do que a outra) é menor.

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"Esses recursos são muito úteis", disse Birnholtz. "Podemos tirar muitas informações valiosas deles".
Mas as pessoas ainda podem se esconder atrás de mensagens de uma forma que não é possível na vida real, e nós muitas vezes usamos isso em benefício próprio, diz Birnholtz, seja para fingir que estamos ocupados ou para controlar o ritmo e a intensidade de uma conversa. "Toda ferramenta de comunicação pode ser manipulada", explicou ele.

Com o iMessage, a comunicação atingiu um novo patamar. A plataforma, além de extremamente popular, oferece recursos adicionais como o envio de fotos e GIFs. O iMessage funciona tão bem que apps de relacionamento como o Tinder tem criado apps para a plataforma, entre eles o Tinder Stacks, que permite enviar um pacote de fotos para seus contatos no iMessage.

Independentemente de qual será o próximo recurso anunciado pela Apple, é preciso ter em mente que o caráter do seu interlocutor não muda quando ele está atrás de uma tela. Essas mensagens podem afundar um relacionamento que já era ruim ou revelar as más intenções de alguém; mas elas também podem proporcionar um diálogo positivo ou te ajudar a relaxar após uma briga. O que elas não podem fazer é mudar a personalidade pessoa do outro lado da tela.

"Não tenho dúvidas de que as mensagens de texto atrapalham nossos relacionamentos — alguns conflitos não podem ser resolvidos por mensagem", disse Birnholtz. "Mas também tenho certeza de que os aplicativos de mensagens fortalecem alguns relacionamentos."

Tradução: Ananda Pieratti