“As pessoas ficam chocadas em ver uma mãe num bar”
Ilustração por Luiza Formagin.

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“As pessoas ficam chocadas em ver uma mãe num bar”

A polêmica de mulheres beberem durante o período da amamentação também é apontada como uma forma de controle social das mulheres.

Pouco mais de duas semanas antes do carnaval, a redatora carioca Bruna Messina postou uma foto na sua página pessoal do Facebook dando de mamar pra sua filha e tomando uma cerveja long neck ao mesmo tempo. A repercussão foi enorme. Grande parte dos comentários de usuários expressavam um estranhamento de ver uma mãe em um ambiente de festa desfrutando uma singela cerveja enquanto amamentava a filha. “Fiquei chocada com a repercussão, mas sabia que era uma questão super polêmica em torno da maternidade, que é a exclusão social da mãe na vida social adulta” contou à VICE.

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Não é incomum ver a maternidade ser tratada como uma santificação da mulher. Desde o momento que descobre sua gravidez, o esperado é que a mulher tenha que seguir um trabalho muitas vezes solitário e cheio de sacrifícios em nome do amor pelo bebê. Alguns ambientes passam a ser considerados inadequados para uma mãe frequentar, mesmo que ela esteja dando toda uma rede de apoio, amor e segurança ao filho. Messina compartilha do sentimento que há essa pressão social da mulher ter que só viver para ser mãe. “No meio materno existe também essa coisa de você receber o bottom de melhor mãe do mundo que é basicamente contar do quanto você se descaralhou e se sacrificou toda pra ser mãe”, reclama Messina.

Já Clarisse Medeiros, publicitária de 34 anos, decidiu amamentar por bastante tempo seu filho de 1 anos e 11 meses e não tem stress na hora que bate a vontade de beber. “Bebo quase normalmente. Digo quase porque você não pode ficar bêbada se tem uma criança sob sua responsabilidade. Já é difícil suficiente se responsabilizar por mim mesma bêbada.”

A fase da amamentação é crucial para o bebê. Segundo a OMS, o recomendado é o aleitamento materno exclusivo da criança durante os seis meses para dar os nutrientes, anticorpos e água nos primeiros seis meses. Além disso, o contato físico entre a mãe e o bebê ajuda na criação de vínculos e passar segurança.

No entanto, 39% das crianças brasileiras são amamentadas exclusivamente até os seis meses. O maior problema não vem da vontade própria da mãe e sim a falta de uma rede de apoio na sociedade que a incentive e informe sobre a importância desse período. “O que costuma ser um problema comum, é quando a mulher já não está mais no período perinatal, e por exemplo, precisa retornar ao trabalho quando termina a licença maternidade (que no Brasil é de 4 meses em geral) e não sabe como fazer para tirar leite, deixar leite e como oferecer isso ao bebê”, explica Flávia Estevan, obstetriz e parte da equipe do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. “As instituições também não estão preparadas para isso, falta suporte nas empresas para que a mulher possa tirar leite e armazenar e frequentemente creches, escolas ou até mesmo cuidadores em casa acabam optando por dar leite artificial pela "facilidade". O apoio à cada mulher que quer manter aleitamento prolongado é fundamental, porque certamente estaremos todos ganhando em termos de saúde pública. A falta de apoio faz com que a média brasileira de tempo de amamentação exclusiva seja de 54,1 dias.”

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Para as autoridades médicas, após os seis meses de amamentação exclusiva e de livre demanda (que é basicamente dar os dois peitos quando a mãe quiser ou quando o bebê pedir) a criança poderá consumir outros alimentos adequados e o leite materno se tornar complementar. Além dos obstáculos da mulher conseguir seguir as recomendações de amamentação nos primeiros meses, ela também precisa ficar atenta com a sua alimentação. “Não está provado que alimentos alterem a composição do leite, o que sim sabemos é que uma boa alimentação, tomar muito líquido, descansar sempre que possível, estar tranquila e confiante são fundamentais para uma boa produção de leite. E sempre lembrar que quanto mais leite a mulher dá ao seu filho, mais leite ela produz”, explica Estevan. Aí que a questão do álcool entra no assunto.

A amamentação, segundo as mulheres que entrevistamos, acaba sendo também um aspecto de controle social das mulheres que são mães. Para a empresária Carolina Sciotti, 33 anos, tomar uma cerveja após dar a luz ao seu filho despertava olhares feios de quem estava por perto. Por ter tido dificuldades de produzir leite, seguiu orientações de pessoas mais velhas e da casa de parto e começou a tomar cerveja preta – que pela sabedoria popular ajuda a mãe produzir mais leite materno. Ainda assim, evitava tomar em público para não ser questionada.

“Tomei cerveja preta ou água inglesa sem contestar porque queria muito passar pela amamentação. Também tomei alguns drinks sim quando me deu vontade. (…) Sempre fui muito boêmia e bebia muito antes de engravidar. Durante a gravidez parei de beber e não tinha vontade de beber. Sem contar que não combina estar bêbada e cuidar de criança”, conta Sciotti.

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Para as autoridades médicas como o Ministério da Saúde, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Academia Americana de Pediatria o consumo de álcool, mesmo que moderado, não é recomendável em nenhum período do aleitamento materno. O pediatra Moises Checinski, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), alerta para os riscos do álcool impedir a produção da prolactina, hormônio responsável pela produção do leite materno, e também do próprio bebê rejeitar o seio por conta da combinação do cheiro, aroma e gosto que o líquido pode ter após a metabolização da bebida.

Para garantir, caso a mulher queria consumir álcool, Checinski aconselha retirar o leite antes de beber e armazenar corretamente para depois dar de mamar ao bebê sem correr riscos. “Nós que somos profissionais de saúde não podemos dizer fuma, beba e transe sem preservativo. Nossa recomendação é sempre visando saúde”, frisa.

A obstetriz sustenta as recomendações do pediatra e adiciona não está provado que tomar álcool ocasionalmente afetará o bebê, mas destaca que é preciso cuidado. “É importante compreender que leite materno é feito à partir do sangue da mãe, portanto tudo que estiver na circulação irá para o feto. Dois pontos importantes a serem considerados: quanto maior o bebê, mais rapidamente ele é capaz de metabolizar o álcool e quando o álcool é ingerido juntamente com alimentos, estes ajudam a diminuir a velocidade da absorção do mesmo na corrente sanguínea materna e por consequência no bebê.”

Bruna fez questão de avisar, assim como as outras entrevistadas, que não está fazendo apologia para todas as mães beberem que nem doidas, mas pede bom-senso pra quem está de fora na hora de cobrar a mulher por qualquer coisa. “As pessoas ficam chocadas em ver uma mãe no bar, mesmo ela não estando com a criança junto. Sempre me perguntam onde está minha filha e com quem eu deixei. Nessa hora sempre aparecerem duzentos médicos para opinar. Acho que existe essa áurea santificada da mãe que as pessoas enxergam assim. Que depois que ela pare não transa, não sente tesão, não bebe, enfim, virou mãe. Perdemos a individualidade desde o pré-natal você não tem mais nome, você é mãe. A bebida é só uma das coisas nesse sentido.”

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