Como a maior fabricante de drones do mundo busca sabotar o Estado Islâmico

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Como a maior fabricante de drones do mundo busca sabotar o Estado Islâmico

A regulamentação do uso dos veículos aéreos não-tripulados pode ser uma forma de combater o terrorismo, mas também marca grande mudança no conceito de propriedade.

A DJI, a maior fabricante de drones comerciais do mundo, estabeleceu uma zona de exclusão aérea (também conhecida como "zona proibida de voo") que compreende quase todo o Iraque e a Síria, em uma aparente tentativa de impedir que o Estado Islâmico use drones em seus ataques terroristas.

Essa decisão levanta algumas questões espinhosas: considerando que os membros do EI são donos legais dos drones que compram, seus direitos não deveriam ser assegurados? E por que a DJI está entrando na luta contra o terrorismo?

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A resposta à primeira pergunta parece simples. Se uma empresa possui a capacidade de impedir que seus produtos sejam utilizados para matar pessoas, é razoável que ela o faça. Mas o sistema de "delimitação geográfica" da DJI — tecnologia também conhecida como geofencing que usa o GPS dos drones para impedir que eles voem sobre determinadas áreas — não é usado apenas no combate ao terrorismo. O sistema também é usado para impedir a entrada de drones em locais como a Praça da Paz Celestial, aeroportos e prisões americanas e em um raio de 15 milhas ao redor de Washington DC. Em outros locais, a entrada é permitida apenas para "usuários autorizados que possuam uma conta verificada da DJI".

Do ponto de vista da DJI, é razoável fazer o que for necessário para evitar uma colisão potencialmente catastrófica entre um avião e um drone. Além disso, o sistema de geofencing é uma forma de mostrar à Administração Federal de Aviação que a empresa não poupa esforços para garantir que seus clientes voem de forma segura e em conformidade com os parâmetros da agência.

Nenhum outro tipo de veículo sofre restrições semelhantes: caso eu compre um carro, posso dirigi-lo em círculos dentro da propriedade do meu vizinho e depois jogá-lo contra a fachada de uma loja. Eu seria preso, é claro, mas fisicamente, nada me impede de fazer isso. Seguindo essa lógica, as geofences da DJI seriam uma violação aos direitos de propriedade de seus clientes.

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"Você não pode entrar em uma base militar, mesmo que esteja usando seu próprio carro", diz Jason Schultz, professor de direito da Universidade de Nova Iorque, nos EUA, e co-autor do livro The End of Ownership, sem edição em português. "Mas aqui o mecanismo de restrição transfere o poder de escolha, que deveria ser do proprietário, para a empresa. Então, em vez de decidir por você mesmo, alguém já decidiu por você."

Não é difícil defender a existência do geofencing — ninguém quer drones zanzando perto de aeroportos, e muito menos nas mãos do EI. Mas até a DJI admite que a delimitação geográfica é odiada por determinados grupos da comunidade drone. Eles a vêem como bloqueio artificial à funcionalidade do dispositivo.

"Tenho certeza de que já perdemos clientes por conta disso. Muitas pessoas decidem comprar drones de outras empresas porque elas não querem um sistema que diga onde elas podem ou não voar", afirma Adam Lisberg, diretor de comunicação da sucursal americana da DJI.

Lisberg afirma que o sistema de delimitação geográfica foi criado para pilotos que queiram seguir as regras de aviação. Isto não deixa de ser verdade: muitas das áreas demarcadas são apenas "zonas de aviso", o que significa que os pilotos podem continuar a voar após lerem uma notificação. Outras zonas de exclusão aérea podem ser liberadas de forma remota com permissão da DJI, que conta com uma equipe de funcionários encarregados de analisar cada pedido de permissão individualmente. Embora existam muitas justificativas para o uso de drones na Síria e no Iraque — entre elas o jornalismo —, Lisberg não soube informar quantos destes pedidos foram aprovados ou negados. Uma vez feito o pedido, segundo Lisberg, "a resposta pode demorar dias".

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"Nosso objetivo nunca foi entrar em conflito com todos que queiram usar nossos drones de forma indevida"

Para aqueles que não estão dispostos a esperar por uma aprovação, o sistema de geofencing da DJI é relativamente fácil de burlar. Os usuários podem desligar o GPS de seus drones, impedindo que a DJI rastreie a localização dos dispositivos. Pilotos também podem escolher não atualizar o firmware que ativa o geofencing, e pelo menos uma empresa está vendendo chips que desbloqueiam zonas de exclusão aérea.

"Na internet, é possível achar várias formas de desativar o geofencing ", diz Lisberg. "Aqueles que usam nossos drones para fins ilegais estão tentando derrotar um sistema que não foi projetado para ser invencível. Ele não foi criado com o intuito de ser um mecanismo legal, mas sim um sistema de aconselhamento."

"Considerando que o EI está construindo fábricas amadoras de drones, nosso objetivo nunca foi entrar em conflito com todos que queiram usar nossos drones de forma indevida", acrescentou Lisberg.

Existem várias zonas de exclusão aérea nos Estados Unidos, cada uma delas delimitada por um motivo.

A DJI não é obrigada, de forma alguma, a limitar o alcance de seus drones — muitos fabricantes de drones não utilizam sistemas de delimitação geográfica em seus produtos. A companhia poderia simplesmente permitir que seus drones fossem utilizados da forma que seus clientes — entre eles o EI — bem entendessem, legando a eles a responsabilidade de responder por seus atos (um exemplo: fabricantes de armas, na grande maioria dos casos, não são processados quando alguém usa arma de fogo para cometer um assassinato).

Ao tentar controlar o uso de seus produtos, a empresa arrisca assumir um papel que não caberia à iniciativa privada. De certa forma, isso já aconteceu: o sistema de delimitação geográfica não foi criado para combater o terrorismo, mas é para isso que está sendo usado. Lisberg se recusou a responder se a ideia de transformar boa parte da Síria e do Iraque em zona de exclusão aérea foi decisão interna ou resposta a um pedido de alguma entidade governamental.

Agora que a DJI entrou na luta contra o terrorismo, é improvável que ela volte a ser o que era antes. As intenções da empresaI podem até ser nobres, mas é fácil imaginá-la impedindo que seus drones sejam utilizados perto de protestos ou de criadouros de grande porte a pedido de governo ou empresa. A única coisa que impede a DJI de chegar a esse nível é seu — até o momento desconhecido — comprometimento em manter sua plataforma o mais aberta possível.

"Somos o maior fabricante de drones do mundo. Quando as pessoas pensam em um drone, elas pensam no Phantom", diz Lisberg. "O geofencing custa dinheiro, é muito caro manter uma equipe permanente para dar essas permissões. Mas acreditamos que a grande maioria de nossos clientes deseja voar de forma segura, e acreditamos ter alcançado um bom equilíbrio entre segurança, direitos de propriedade e a manutenção do espaço aéreo público."

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