Coronavirus

Pessoas de 20 e poucos anos estão sobrevivendo ao coronavírus, mas seus sintomas não estão desaparecendo

A VICE falou com três pacientes na faixa dos 20 anos sobre recaídas e o lento caminho para a recuperação.
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Uma jovem com soro intravenoso. Ekachai Wongsakul / Alamy Stock Photo.

Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

Só quando o médico apareceu na porta do dormitório estudantil de James usando equipamento de proteção completo que ele percebeu que poderia ser coronavírus.

“Eu tinha acaba de acordar – era por volta das 4 da manhã – e ele estava parado lá com equipamento de proteção completo, visor e luvas”, disse o jovem de 20 anos. “Era tipo um traje contra radiação. Aí percebi que provavelmente era alguma coisa séria.”

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Os sintomas começaram de repente. Numa manhã no meio de março, James teve febre, aí uma dor de cabeça forte. Ele sentia que não conseguia andar até o banheiro sem parar no meio do caminho, sentando na escada para controlar sua respiração ofegante. Mais tarde naquele dia, ele começou a vomitar. Sabendo que tinha todos os sintomas de COVID-19, James ligou para o 111 para pedir conselhos e recebeu uma nota de isolamento por e-mail mandando ele ficar em casa por duas semanas.

“Eu estava realmente mal, preso no meu dormitório da universidade sozinho”, ele explica. “Todo mundo conseguiu voltar pra casa, então eu ficava o dia inteiro no celular… Me senti um pouco perdido. É um jogo de paciência, sério – esperar para ver quando você vai melhorar.”

Sete semanas depois, os sintomas de James começaram a diminuir, mas ele ainda sente os efeitos do vírus.

“Se tento correr, tipo… Jesus! Fico cansado muito rápido depois de só um pouco de exercício e tenho que parar para descansar. É muito estranho.”

James não é o único experimentando o coronavírus se arrastar. Tessa, 26 anos, começou a apresentar os sintomas no meio de março. Primeiro ela se sentiu exausta, dormindo 15 horas por dia. Aí ela perdeu completamente o olfato e teve dores de cabeça fortes.

Depois de ser internada por episódios de falta de ar, ela foi diagnosticada com COVID-19. Agora na oitava semana, ela teve várias recaídas e diz que espera uma longa jornada para se recuperar.

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“Ainda estou muito longe dos 100%”, ela explica. “Eu costumava correr e caminhar muito, então é assustador ter esses altos e baixos. Você tem dias se sentindo bem, aí precisa ficar de cama no dia seguinte. São dois passos pra frente e um para trás o tempo todo.”

Em fevereiro, a Organização Mundial de Saúde publicou um relatório estimando que o tempo de recuperação para casos leves de coronavírus poderia ser de umas duas semanas, indo até seis para casos mais graves.

Mas muitos dizem que, apesar de semanas em recuperação, eles ainda notam alguns sintomas. Médicos dizem que fadiga, falta de ar e outros efeitos posteriores podem ser esperados.

“Temos que reconhecer que um corpo lutando contra o coronavírus passou por uma crise”, diz o Dr. James Gill, professor da Universidade de Warwick. “Se corremos uma maratona, vamos nos sentir doloridos e exaustos depois. É a mesma coisa aqui. Temos que dar a oportunidade de nos recuperar.”

“Se alguém vê que não consegue dar três passos sem parar pra descansar, então é exatamente isso que seu corpo está dizendo que você precisa fazer: parar e descansar”, acrescenta Gill. “Não é como uma maratona, insistindo para cobrir mais distância e tempo. Temos que ir aumentando a atividade bem lentamente. Comece devagar e aos poucos.”

Com pouca informação ou apoio disponível para aqueles em recuperação, muitos se voltaram para redes de apoio online para compartilhar suas experiências.

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Fiona Lowenstein, uma escritora que mora nos EUA, criou um grupo de apoio no Slack para pessoas discutirem seus sintomas e preocupações, já que foi hospitalizada por duas semanas por coronavírus. Agora com mais de 4 mil membros, ela diz que muitos deles dependem do grupo para ter informação e uma sensação de comunidade.

Uma pesquisa conduzida semana passado no grupo de Fiona descobriu que 90,6% das pessoas não se recuperaram em duas semanas depois do começo dos sintomas. O tempo médio para pessoas que continuam sintomáticas é de 39 dias, com a maioria experimentando febre alta e fadiga por cinco até sete semanas. A maioria dos participantes não estavam internados, mas a maioria passou pela emergência de um hospital para buscar tratamento e conselhos.

Fiona diz que as discussões do grupo sobre saúde mental têm sido particularmente ativas.

“Os tópicos mais populares de discussão parecem ser sobre ansiedade, medo de recaídas e depressão por causa da demora na recuperação”, ela explica. “Tivemos que criar threads menores para conversas específicas, porque essas discussões são muito comuns: coisas como ‘preciso desabafar’, ‘gratidão’, ‘perda’ e ‘vitórias’.”

Thomas, 28 anos, participa ativamente do grupo no Slack. Ele diz que sua saúde mental tem sido mais preocupante que sua saúde física durante as últimas oito semanas.

“Fico pensando: Isso vai melhorar? Por que está demorando tanto? O que tem de errado comigo? Há uma solidão real nisso tudo. Por isso falar com outras pessoas ajuda muito.”

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“Minha vida diária está totalmente bagunçada”, ele acrescenta. “Isso significou ter que me adaptar a uma versão em miniatura da minha vida. Sempre que você pensa ‘Agora com certeza acabou’, os sintomas voltam com tudo.”

Tessa também diz que, além dos sintomas físicos, ela notou seus níveis de ansiedade aumentarem.

“No começo não era tão ruim, mas agora estou notando que fico realmente preocupada quanto mais isso dura. Eu não tinha ideia que os efeitos iam durar tanto tempo e parece que todo mundo está entendendo o coronavírus enquanto continuamos. Não sei como os próximos meses serão em termos de voltar ao normal.”

O Dr. Carmine Pariante, psiquiatra clínico do King’s College de Londres, diz que preocupações com saúde mental devem ser consideradas junto com a recuperação física. Ele antecipa taxas altas de depressão e ansiedade para aqueles em recuperação.

“É tudo uma coisa só – o cérebro está no corpo, então dificuldades físicas terão um impacto em tudo, incluindo no cérebro”, explica Pariante. “Sabemos que o vírus terá consequências para nossa saúde mental. Isolamento social, dificuldades financeiras, problemas de relacionamentos, desemprego… As pessoas estão sofrendo.”

Outra preocupação entre aqueles em recuperação é a fonte de informação em que podem confiar. Alguns dizem que enquanto o foco, corretamente, está em casos mais graves, eles acreditam que não há o suficiente sendo feito para ajudar aqueles que sobreviveram.

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“Me preocupo com meus pulmões, porque parece que isso está durando muito mais que a média, mas não sei para quem perguntar”, diz Tessa. “Mesmo que os clínicos gerais sejam muito simpáticos, há poucos conselhos ou pesquisa para pessoas como eu que estão sofrendo com os sintomas muitas semanas depois.”

Médicos reconhecem que não têm todas as respostas, particularmente considerando que essa é uma nova cepa do vírus.

“Uma coisa que ainda falta são dados”, disse o Dr. James Gill. “Podemos fazer paralelos com o SARS, onde mais de 20% tiveram as funções pulmonares prejudicadas por até um ano depois, então esse vírus pode seguir uma linha similar – mas ainda não sabemos por que uma pessoa se sente melhor mais rápido, enquanto os mesmos sintomas colocam outros em risco.”

Um aspecto se tornando claro para pesquisadores é a probabilidade de fadiga entre aqueles em recuperação. Semana passada, a ME Association publicou diretrizes, que dizem que fadiga pós-viral – geralmente acompanhando vírus como o COVID-19 – pode levar a condições de saúde mais graves se sintomas como exaustão continuam depois da marca de três meses.

“Não há nada de estranho sobre fadiga crônica – isso acontece com frequência depois de um vírus”, diz o Dr. Charles Shepherd, consultor médico da ME Association. “A maioria das pessoas se recupera em algumas semanas, mas algumas podem descobrir que voltar ao trabalho ou tentar se exercitar é muito difícil. Isso tem um impacto muito negativo na recuperação.”

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Médicos aconselham que, em vez de forçar o corpo a retornar para as atividades pré-COVID, os pacientes devem seguir uma manutenção básica de saúde. Períodos de descanso e relaxamento; comer bem, incluindo cinco porções de frutas e vegetais por dia, carboidratos complexos e proteínas de alta qualidade; e exercícios de respiração profunda para desenvolver os músculos pulmonares também podem ajudar.

Manutenção de atividade também é recomendada, com um retorno em fases para trabalhar e para tarefas que reduzem o estresse e a ansiedade.

Mas para pessoas como Tessa, frustradas com a caminhada lenta para a recuperação, a quarentena é um tempo confuso e solitário.

“Só quero que tudo volte ao normal. Quero me sentir normal de novo, quero entender o que está acontecendo com meu corpo e sentir que estou no caminho da recuperação completa.”

@nicolakelly

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