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Here Be Dragons

Conheci a Mulher que Está Tentando Curar a Malária com Açúcar e Água

Uma entrevista com a monja iogue que tenta curar a malária no Quênia com homeopatia, usando pílulas de açúcar.

No centro, de laranja: Didi Ananda Ruchira, homeopata e monja iogue, posando com os graduados de sua escola de homeopatia no Quênia.

Martin Robbins é escritor e palestrante que escreve sobre coisas estranhas e maravilhosas para o Guardian e a New Statesman. Hic sunt dracones é uma nova coluna que explora negação, conflito e mistério nas margens selvagens do entendimento científico e humano. Siga-o noTwitter (@mjrobbins) ou mande um e-mail com dicas e comentários para martin@mjrobbins.net.

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Estávamos parados em frente a uma pequena estante cheia com centenas de vidrinhos, todos idênticos na forma, mas com vários rótulos diferentes, como “Arsênico” e “Beladona”. Cada vidrinho continha um punhado de pequenas pílulas de açúcar brancas, idênticas às que você encontra em qualquer farmácia homeopática do mundo.

“Parece um pouco com a prateleira de temperos de minha mãe”, arrisquei.

“Não seja estúpido”, respondeu Didi Ananda Ruchira, homeopata e monja iogue.

A homeopatia é um sistema falso de medicina baseada no pressuposto de que “semelhante cura semelhante”. Nas palavras da Sociedade Britânica de Homeopatia: “beber muito café pode causar insônia e agitação, então, quando transformado em remédio homeopático, pode ser usado para tratar pessoas com esses mesmos sintomas”. Parece um pouco com a lógica por trás das vacinas, se ela tivesse sido concatenada em uma época quando não sabíamos nada sobre germes e o sistema imunológico.

Para chegar à substância que “cura”, você precisa passar por um processo de diluição e “sucussão”. Um homeopata pegaria o café, diluiria em uma parte para cem de água, e bateria o remédio contra um objeto firme para chacoalhar a mistura. A técnica exata é pouco clara. Um dos principais homeopatas da Inglaterra, fornecendo evidências para um comitê da Câmara dos Comuns do Reino Unido que investigava o assunto, disse aos membros do parlamento que a sucussão “ainda não foi bem investigada. Temos que chacoalhar isso vigorosamente, mas o quanto, exatamente, é preciso chacoalhar ainda não [sabemos]. Se você apenas mexer suavemente, não funciona”.

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Depois de repetir esse processo por 30 vezes ou mais, você vai acabar com uma garrafa de água chacoalhada, que – nas palavras da Associação Britânica de Homeopatia – é “em geral, diluída até o ponto onde não existam mais moléculas da substância original na água”. Essa água é derramada sobre comprimidos de açúcar que atuam como mecanismo de entrega. O resultado? Sua cura para insônia é uma pequena pílula de açúcar molhada com água que um dia conteve traços de café. Estranhamente, isso não se sai melhor do que um simples placebo em testes rigorosos.

No Reino Unido, a homeopatia parece apenas uma excentricidade inofensiva, usada pelo tipo de pessoa que acredita que tem um guardião espiritual cuidando dela ou que tem um daqueles jardins zens na mesa no trabalho. Em países como o Quênia, onde não há ajuda médica de verdade disponível com frequência, essas alternativas não comprovadas estão sendo usadas como tratamentos principais. Independente da situação, seja uma pessoa que mora numa casa boho chique em Holland Park ou num barraco de zinco nas favelas de Nairóbi, os pacientes da homeopatia do país possuem uma característica em comum: eles acreditam que suas enfermidades serão curadas por algo que foi provado como ineficaz repetidas vezes. Mas claro, as consequências são potencialmente mais sérias para um refugiado com uma doença tropical grave do que para uma mãe hippie entediada que tenta injetar alguma alegria em sua vida.

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Didi, eu e o cinegrafista Michael Story estávamos em uma pequena casinha ao lado de seu complexo homeopático, um conjunto de galpões empoeirados e árvores altas no jardim de um grande bangalô. Situado em um subúrbio abastados e arborizado na parte oeste de Nairóbi, o local servia como clínica, estação de pesquisa e faculdade, ensinando homeopatia para pequenas classe de mais ou menos 12 estudantes. Ali também funcionava o quartel-general de sua organização de ajuda, a Abha Light, que se dedica a espalhar a homeopatia pelo Quênia e todo o continente africano.

Quando fizemos essa visita, as operações de Didi estavam em desordem, com todo o complexo se preparando para mudar para novas instalações devido à rápida expansão do centro de Nairóbi. Ela parecia nervosa. Vestida de laranja vivo da cabeça aos pés, ela passou de galpão em galpão como uma mexerica nervosa, descartando, irritada, minhas perguntas. “Tente de novo.” “Essa é uma pergunta estúpida.” “Essa também é uma pergunta ruim.”

Minha primeira entrevista com Didi começou mal, mas, apesar de sua impaciência, ela parecia ansiosa para se mostrar. Olhei novamente para a estante e as prateleiras cheias de vidrinhos meticulosamente rotulados que representavam seu estoque inteiro.

Bem no topo, um pequeno busto de Samuel Hahnemann, um médico alemão, observava a cena. Hahnemann inventou a homeopatia no final do século XVII como uma alternativa aos remédios convencionais. A medicina da época – quando sangrias ainda eram comuns – tinha tanta chance de te matar quanto de te curar, logo, não era um nível muito difícil de se alcançar. “Quantos dias esse estoque poderia durar?”, perguntei.

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“Essa é outra pergunta estúpida. Pergunte novamente.”

Balancei os braços, confuso.

“Pergunte diferente”, ela disse. “Não fale 'dias'.”

“OK.” Estava muito quente para discutir. “Quanto suprimento você tem aqui?” Perguntei, apontando para as prateleiras.

“Com isso, podemos tratar milhões de pessoas”, ela disse. “Por anos.”

OK.

- - -

Em algum momento dos anos 1990, uma norte-americana de meia idade chamada Barbara Lynn munida de seu diploma do Instituto Britânico de Homeopatia, vestiu um traje laranja de monja iogue, mudou seu nome para Irmã Didi Ananda Ruchira e se mudou para Nairóbi para ajudar os necessitados – por um preço.

“Para mim, foi muito providencial do fluxo cósmico me encontrar aqui agora”, ela conta a Rachael Mutinda – uma graduada do Abha Light – em uma entrevista para o site hpathy.com. “Minhas habilidades recém-desenvolvidas agora tinham um foco – popularizar a homeopatia e a medicina natural como uma solução acessível para os cuidados médicos no Quênia e, por extensão, em toda a África.”

No final dos anos 1990, o trabalho de Didi nas favelas de Nairóbi se tornou lucrativo o suficiente para que ela pudesse estabelecer uma clínica permanente, alugando um escritório no distrito de Kariobangi. Logo, tornou-se aparente que o impacto que apenas uma mulher podia causar era limitado, e em 2000 ela começou a treinar outras pessoas, como Mutinda. “Se eu pude aprender, então outros também podem!”

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A Abha Light Foundation se espalhou rapidamente pelo Quênia. Uma segunda clínica foi aberta do outro lado da cidade, depois um grande complexo de tratamento e um laboratório em Kibwezi. Quando visitamos o lugar, a fundação afirmou ter mais de 20 centros de saúde, cada um tratando milhares de pacientes, enquanto dezenas de clínicas móveis percorriam as vilas rurais mais distantes do Quênia distribuindo pílulas de açúcar para a massa.

Graduados pela Fundação Abha Light de Didi recebem seus diplomas.

Mais surpreendente ainda é a fonte da credibilidade acadêmica de Didi. O Diploma em Homeopatia que ela entrega aos graduados é emitido pelo Centro de Educação Homeopática, uma instituição britânica que funciona em parceria com a Universidade de Middlesex. Por cerca de dois mil dólares, o curso custa quase 18 meses de salário para o queniano comum. O CEH ainda não respondeu ao meu pedido para comentar sobre o assunto, mas a Universidade de Middlesex afirmou que, mesmo validando o grau de licenciatura em homeopatia do CEH, eles não têm envolvimento com os diplomas quenianos nem com os projetos do Abha Light.

“Essa pequena caixa representa mais de 300 remédios.” Didi me mostrava seu kit médico, mais vidrinhos de pílulas embaladas numa caixa de papelão A4. “Com um kit como esse, podemos sair nas clínicas móveis e tratar muitas, muitas doenças de uma só vez, é por isso que promovemos isso aqui.”

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“Quais as coisas mais comuns que vocês costumam tratar?”, perguntei.

Ela ficou calada por um bom tempo, decidindo o quanto me contar. “Quais são as doenças mais comuns? Bom aqui na África, as pessoas vêm até nós com muitas doenças infecciosas diferentes… e, hum, doenças parasitárias, como disenteria amebiana, rotavírus. Malária. Tifoide.”

No começo, Didi limitou sua ambição aos primeiros socorros homeopáticos simples, mas o desafio do maior assassino da África se mostrou irresistível. Isso, combinado à negação dessa senhora de que a homeopatia tem seus limites, levou ao MalariX, um tratamento homeopático para malária. É só jogar uma dessas mesmas pilulazinhas numa garrafa d'água, bater a garrafa dez vezes na palma da mão e pronto.

Mesmos os líderes da homeopatia acham que isso é loucura. Uma coisa é vender remedinhos de mentira para pessoas de classe média em Islington, outra, muito diferente, é afirmar que você pode tratar uma doença tropical séria na África usando isso. Peter Fisher, diretor do Hospital Real de Homeopatia de Londres, foi enfático quando disse a BBC: “Não há absolutamente nenhuma razão para pensar que a homeopatia possa prevenir malária, você não vai achar isso em nenhum livro ou revista sobre homeopatia”. De acordo com Fisher, sugestões para que homeopatas digam o contrário pode significar que “as pessoas vão pegar malária, as pessoas podem até morrer de malária”.

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Todo remédio precisa de um campo de testes e a Abha Light encontrou um lugar ideal para testar o MalariX. Juntando forças com a chamada, ironicamente, Real Medicine Foundation, o remédio foi testado em Kiryandongo, um dos maiores assentamentos de refugiados de Uganda. Milhares de pessoas deslocadas da Somália, Sudão do Sul, Congo e outras partes chegam frequentemente até o local, só para serem usadas como cobaias para uma série de pseudotratamentos. De acordo com o vídeo da RMF, até refugiados com malária cerebral avançada foram tratados com as pílulas de açúcar.

Chegamos ao Kiryandongo uma semana depois, mas achamos o projeto MalariX abandonado depois da intervenção do ministro da saúde de Uganda, Dr. Stephen Mallinga. Mallinga é um médico e político que lançou uma grande ofensiva contra a indústria da medicina alternativa, fechando projetos suspeitos e tirando os reflexologistas das ruas de Kampala. E a abordagem “inovadora” do tratamento médico no assentamento não escapou de seus planos. “Tínhamos 20 acupunturistas aqui também”, um guia da RMF me disse com tristeza, “mas tivemos que mandá-los embora”.

As perspectivas para pacientes com tifoide e malária que recebem essa água mágica em vez de remédios de verdade já seriam sombrias no ocidente. No entanto, nas favelas de Nairóbi, as consequências da crença suprema de Didi nos poderes místicos da homeopatia vão além do sombrio, pois seus pacientes estão tão desesperados, e é tamanha a falta de remédios reais, que eles tentam qualquer coisa com as quais possam pagar. “A África é muito propícia para a homeopatia”, ela diz a Rachael Mutinda. Pelo menos sobre esse último ponto, Didi estava certa.

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