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A Passeata Coxinha em Teresina

Uma manifestação organizada pelo Estado.

A manifestação de quinta-feira, dia 20, em Teresina se deu contra… Contra o que mesmo? Pois bem, as manifestações organizadas pelo MPL em todo o país tiveram um embrião aqui em Teresina, no Piauí, com o aumento das passagens de ônibus em 2011 e que culminaram num massacre de estudantes pela tropa de choque na Avenida Frei Serafim no episódio conhecido como 10 de Janeiro.

Então, esse embrião cresceu e foi criado no leite com pêra, e nesse ano, no lugar de punks adolescentes e estudantes de filosofia, o que vimos nas ruas e nas praças foi um monte de gente com iPhones postando tudo no Instagram e passando mais tempo posando com cartazes do que falando palavras de ordem.

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17:00

Chego à Frei Serafim de moto e a deixo no posto de gasolina. Tive que dar uma volta pela parte norte do centro da nossa cidade, pois a polícia fechou várias ruas para “garantir” o fluxo da manifestação. Lojas fecharam mais cedo e a rota dos ônibus foi modificada para que as pessoas pudessem voltar para casa sem transtornos. Mas espera, a maniFESTAção não era mesmo para causar algum tipo de transtorno? Sabe o que aconteceu? A Strans isolou toda a avenida Frei Serafim de uma ponta à outra e a Polícia Rodoviária federal isolou a ponte que liga a zona leste ao centro da cidade “para garantir a ordem”. Mas que porra de ordem é essa?

17:10

Ando meio sem rumo até encontrar o primeiro conhecido. Quando olho para o cruzamento da Frei Serafim com a Pires de Castro vejo uma coluna de fumaça ao longe. Seria um ônibus sendo queimado? O primeiro ato extremo? Nada, só um incêndio ao longe… Nada a ver…

17:15

Vejo que a galera está mais preocupada com seus cartazes quando de repente ouço o barulho de dois helicópteros, espera… Dois helicópteros na mesma área, em Teresina? Inédito em 160 anos de história. E vocês sabem para que serve um helicóptero, né? Para as pessoas acenarem.

Uma versão regional da tag o gigante acordou. TENSO.

17:30

Chegando à frente ao Palácio de Karnak (que não é no Egito), sede do governo, vejo uma multidão letárgica vestida de branco que entoa gritos de guerra que não duram nem 30 segundos. Foi a primeira vez que me questionei sobre a validade do evento, que já estava sendo apelidado de “Caminhada da Fraternidade” nos twitters que eu sigo. Dali, uma voz gritou “PONTE, PONTE” e devagar o bloco de branco começou a subir a avenida de forma ordeira enquanto boa parte simplesmente ficou vendo quem saía do lugar sem esboçar reação do alto do Adro da Igreja São Benedito.

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Andamos, e andamos muito, daqui e dali se viam grupos de cinco a sete PMs parados em pontos como o Hotel Metropolitan e em outros lugares com fachadas de vidro para evitar vandalismo. No meio desse percurso as lixeiras iam explodindo com bombinhas de São João, ou simplesmente bombinhas explodiam no meio da galera. A polícia de olho.

Durante o percurso a multidão sem foco repetia o que qualquer um gritasse com vontade, como por exemplo, na hora que comecei a gritar “Ei, ei, ei, ei, ei” e a redor de mim umas duzentas pessoas começaram a repetir insanamente o grito, o mesmo aconteceu com a palavra “não” e com a palavra “sim”. Já era visível que os efeitos do leite com pêra misturados ao sol quente na testa, que muitos ali nunca tinham tomado antes, faziam efeitos devastadores. Como a doença da moda é o transtorno bipolar nossa expressão não podia deixar de ser ambígua. As mesmas pessoas que gritavam “Que país é esse? É a porra do Brasil!” também enchiam seus pulmões pra gritar “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.

As militâncias apartidárias não deram o ar da graça, nem o movimento LGBT, nem o Movimento Negro, nem o hip hop, nem o pessoal do Legalize Já. Eu achei muito estranho, pois era para ser um movimento sem partido e não sem causa… Teve gente para falar que o movimento precisava de líderes, que eram as pessoas dos partidos, mas pelo que eu lembro, no 10 de janeiro, na hora do pau, as lideranças partidárias não estavam lá. Só quem apanhou foram os estudantes e alguns punks.

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Foto da minha mão. Não foi violência policial, foi um mini-acidente de moto que eu sofri indo para manifestação.

18:00

Com metade do grupo na ponte JK o movimento segue pela primeira vez fora do percurso “sugerido” pela prefeitura e pela polícia. Indo pela contramão boa parte dos manifestantes para para tuitar, como eu, ou para para postar no Instagram, e tags como #makeup e #ogiganteacordou se misturam. Nessa hora em vez dos ânimos se exaltarem o que aconteceu foi o Instagram bombar, todo mundo parado para tirar suas fotos com cartazes.

18:20

Agora sim! Vamos parar o trânsito de verdade! Agora a galera vai surtar, parar o ônibus e deitar no asfalto. Nadinha. Todo mundo de branco e não quiseram sujar a camiseta deitando no chão. Coxinha demais essa galera.

Sigo até a ponte estaiada com o trânsito parado em frente aos shoppings, as duas ruas tomadas de gente e os motoristas buzinando em forma de apoio ao protesto, mas de repente está todo mundo tirando foto segurando seus cartazes.

Começa um certo embate com os manifestantes, alguns motoristas aceleram alto e são cercados aos gritos de “desliga o motor, desliga o motor, desliga o motor” (claro, puxados por mim). Quinze minutos se seguiram enquanto os carros passavam desligados empurrados por alguns dos participantes.

18:45

As pessoas começam a dispersar e eu resolvo voltar para casa. Estou já há sete quilômetros de onde deixei a moto e tenho que voltar isso tudo a pé, cansado e com sede, esqueci de levar dinheiro para comprar a água, que estava sendo vendida a R$4 por toda parte. Nesse intervalo vejo que um ônibus ainda está parado, seu motorista e cobrador conversam com os manifestantes. Recebo ligações de amigos que me esperam em frente ao ônibus. Depois de cumprimentar todo mundo os ânimos se alteram e alguém joga uma pedra numa das janelas do busão, que ainda tem gente dentro. Correria amigos! Gente indo para cima, gente fugindo. Começam os gritos de “Sem vandalismo, sem vandalismo”. Nessa hora rola um desespero e aparece mais gente para jogar pedra no ônibus. Penso eu que são os punks do Dirceu, ou uma galera que ficou chapada demais e deu na telha de quebrar o único ônibus que estava parado por ali. Corre corre e quando percebo tem gente aplaudindo a PM, desisti, sério mesmo. Nas outras capitais fica cada um na sua, ninguém entrega ninguém pelo que vejo. Aqui não, as pessoas fazem questão de demonstrar o quanto são coxinhas. A multidão corre junto com os PMs para pegar quem quebrou as janelas e pixou o busão 170 – Bela Vista – Poty Velho.

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Me questiono: quem teriam sido os autores da única expressão de fúria do protesto de hoje? Vou dormir com isso, pensando no grito “M M M um salve pra PM”. Daí eu vejo que em Teresina somos todos uns coxinhas coniventes. Vejo também que o Estado desenvolveu aqui um modo de controlar as pessoas, as deixando acharem que são livres. Uma manifestação de rua, com percurso pré-determinado, segurança e horário para terminar e que não incomodou nada e nem a ninguém. Só serviu mesmo para tirar do hangar alguns helicópteros e para fazer o Instagram bombar com looks de arrasar para uma manifestação.

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