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Here Be Dragons

Gente Velha Precisa Parar de Dizer que a Internet Está Arruinando o Mundo

Susan Greenfield, uma neurocientista de 65 anos acusa a tecnologia de ter transformado a última geração em pessoas idiotas e fracas.

A Baronesa Susan Greenfield. (Foto via)

A Baronesa Susan Greenfield, uma neurocientista controversa, tem uma ideia. É meio difícil apontar exatamente que ideia é essa, já que, em vez de publicar uma explicação apropriada, ela passou os últimos anos promovendo histórias bizarras sobre a perversidade da tecnologia moderna na imprensa tabloide. Greenfield — uma tiazinha de 65 anos que afirma nunca ter acessado o Facebook — passa os dias escrevendo artigos para o Daily Mail. Nesses artigos, ela geralmente acusa a tecnologia de ter transformado a última geração de adolescentes e jovens de vinte e poucos anos em pessoas idiotas e fracas, que sacrificam sua saúde física, mental e sexual por uma boa conexão banda larga.

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É aquela retórica histérica e sem base com a qual você provavelmente já está acostumado: “o Facebook e o Twitter estão criando uma geração vazia de pessoas obcecadas por si mesmas”, “uma necessidade infantil de feedback”, “redes sociais prejudicam o cérebro”, etc. Isso leva inevitavelmente — entre outras coisas —  à “fragmentação da cultura”.

No entanto, como pessoas como o Dr. Ben Goldacre e a Professora Dorothy Bishop apontaram em várias ocasiões, as declarações da Baronesa são bastante vagas e costumam não ser acompanhadas por nenhuma evidência científica. Em 2010, Goldacre fez um apelo desesperado a ela: “Você tem a responsabilidade com seus colegas e, mais importante, com seu público, de apresentar sua teoria formalmente e de maneira clara numa publicação acadêmica”.

Levou três anos, mas Greenfield finalmente respondeu. Bem, mais ou menos. Em vez de realizar uma pesquisa de verdade, a Baronesa escreveu um romance de ficção científica de gosto duvidoso. Um verdadeiro vetor de estupidez.

Alguns cérebros humanos “enfraquecidos”. (Foto via)

Quando se escreve um livro que se passa séculos no futuro, um dos maiores desafios é explicar esse mundo para seus leitores. Greenfield faz isso apresentando seu protagonista com o evocativo: “Meu nome é Fred” e, a partir daqui, Fred inexplicavelmente começa a falar da história do último século, quase como se ele já soubesse que estaria escrevendo para um público de 2013.

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Bom, muitas coisas ruins aconteceram. Aprendemos que a mudança climática foi facilmente revertida com leis sensíveis como “a proibição de todos os carros”, mas que ninguém — fora Greenfield, óbvio — percebeu que uma ameaça muito maior se aproximava. “As habilidades aprimoradas por meio dos videogames e do processamento de informação gradualmente superaram os outros talentos humanos como a compreensão e a sabedoria.” A pornografia na internet evoluiu tanto que paramos de fazer sexo. Redes sociais substituíram o contato físico. Logo, todos pararam de pensar e se tornaram hedonistas assexuados de mente vazia, presos num mundo virtual bidimensional. Tudo culpa do maldito Mark Zuckerberg.

Em algum ponto da história, a sociedade se fragmentou em dois grupos de pessoas. As elites — os “Novos Puritanos” — que perceberam o que estava acontecendo e levaram todo mundo para uma nova terra convenientemente localizada atrás de umas montanhas inacessíveis para pessoas normais, por razões que nunca são realmente esclarecidas. Salvos no seu reino montanhoso, os NPs baniram telas fora do ambiente de trabalho e vivem como arrogantes monges teocráticos, evitando todo tipo de estimulação em excesso e provavelmente comendo All-Bran zero açúcar todo dia no café da manhã.

O resto dos nossos descendentes — criativamente chamados de “Os Outros” — vagam pelas ruas dançando e se distraindo com luzes brilhantes. Eles se tornaram incapazes de compreender palavras como “conhecimento”, apesar de ainda conseguirem desenvolver e manter tecnologias muito à frente de qualquer coisa que temos hoje.

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Facebook, o flagelo da sociedade moderna e o catalisador de um mundo sem sexo.

Por meio de capítulos alternados, seguimos a narração de Fred, um neurocientista Neo Puritano iluminado; Zelda, uma Outra de inteligência incomum; Hodge, outro cientista NP mais velho e mais um punhado de personagens menores. Nada disso realmente importa, porque, depois de alguns capítulos, fica dolorosamente óbvio que o livro de Susan Greenfield não passa de uma fanfic sobre Susan Greenfield. Os narradores são criaturas sem vida, desprovidos de qualquer voz real e personalidade própria, e parecem existir unicamente para regurgitar as teorias de Greenfield ao longo de páginas infinitas de exposição tediosa.

Observe a passagem a seguir, como exemplo: “A maioria das transformações têm sido graduais, dificilmente notáveis, mas incrivelmente fundamentais para a maneira como vivemos hoje. Com a tecnologia fornecendo cada vez mais, primeiro nosso poder físico e depois nosso poder mental se tornaram quase desnecessários para a elaboração dos meios pelos quais nos abrigamos e alimentamos. Então, permanecemos como as crianças das eras anteriores”.

Essas palavras podiam ter vindo direto de um dos artigos de Greenfield do Daily Mail, mas são supostamente a fala da personagem Zelda, da cultura impensada e hedonista dos “Outros”. O que isso realmente quer dizer: no mundo de Susan Greenfield, todo mundo admite que Susan Greenfield estava certa.

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O personagem cientista fala como Susan Greenfield. O outro cientista fala como Susan Greenfield. Os personagens hedonistas falam como Susan Greenfield fingindo estar um pouco chapada. Capítulos inteiros passam e nada acontece além de um avatar não muito velado de Susan Greenfield explicando, em detalhes excruciantes, cada faceta do funcionamento desse mundo.

É como assistir a uma criança sentar em seu trono imaginário, reunir todos os brinquedos em volta, falar com uma voz engraçada e receber elogios obsequiosos dos ursinhos de pelúcia.

Muitos capítulos de construção desajeitada do mundo em questão mundo se passam antes da trama principal aparecer com a sutileza de um pombo batendo na janela de um carro — sua carcaça se espalha a esmo por várias páginas de monólogo desconfortável de uma personagem que não tinha aparecido antes.

Outra imagem duvidosa do futuro. (Imagem via)

E essa é a trama: por razões que não ficaram claras para mim — possivelmente porque, nesse ponto, eu já estava lendo três palavras de uma vez para chegar logo ao final — um cara do governo decide que os Outros são um problema (não é sempre assim?) que precisa ser resolvido imediatamente. Ele reconhece que há três soluções possíveis: mudar os cérebros para que eles sejam mais NPs, conservá-los como bichos de estimação ou cometer um genocídio básico. Hodge — o cientista NP mais velho — fica encarregado de implementar a solução menos ridículas, baseada estranhamente no fato de que genocídio estaria além da tecnologia do século XXII e que ninguém quer um humano idiota como bichinho de estimação. E segue o tédio.

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Vou poupar vocês do resto: Fred vaga no mundo dos “Outros”, porque “mais pesquisa é necessária” e, inevitavelmente, acaba se envolvendo mais do que previa nas vidas deles. Naturalmente, isso inclui transar com Sim, um dos sujeitos incompreensíveis de sua pesquisa, que dá a Greenfield a oportunidade de escrever uma das cenas de sexo mais bizarras que já li.

“Fred já tinha soltado a tira de seu capacete com a outra mão que não estava inclinando meu queixo”, começa Sim. Quando Fred pede que ela tire sua 'coisa vestido', Sim explica: “Ainda agora é estranho sair das minhas roupas. Só faço isso quando entro no lavador, nunca do lado de fora”.

E eles transam. Então, Fred percebe que Sim pode não saber realmente o que é sexo, o que carrega a implicação desconfortável e tragicamente inexplorada de que Fred, na verdade, é um estuprador.

“Sim”, pergunta Fred, “você sabe o que acabamos de fazer?”.

“Acho que sim. Acho que o Fact-Totum diz que isso é o que as pessoas costumavam fazer antes dos programas de reprodução que tornaram tudo tão mais fácil.”

Como obra de ficção, isso parece algo inventado pelo Floyd Mayweather Jr. depois de dez rounds de porrada na cabeça. Mas como ciência, o que se destaca? A resposta é… nada, porque não é possível achar muita ciência na história. Ano passado, escrevi sobre a hipótese de Susan Greenfield, afirmando que, com toda a conversa dela de que a tecnologia moderna está prejudicando nossos cérebros, ela é incrivelmente vaga sobre qual seria exatamente essa teoria: “Até onde entendo”, reclamei, “a hipótese de Greenfield é que um nível não quantificado de exposição a um conjunto não especificado de tecnologias modernas pode afetar um número indeterminado de cérebros de uma maneira que ainda não sabemos, com uma variedade de resultados”.

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Greefield falando sobre “mudança mental”, termo cunhado por ela para descrever como os computadores estão mudando nossos cérebros.

Que tipo de tecnologia? Que tipo de danos? Como? Há anos Greenfield se recusa a responder esse tipo de pergunta, e é bem conveniente que, escrevendo uma história que se passa mais de um século no futuro, ela possa ignorar todas elas. A tecnologia, de alguma maneira, derreteu o cérebro das pessoas ao ponto que elas nem conseguem mais gozar no sexo. Como? Por quê? Quem se importa — aconteceu e quem disse que isso não ia acontecer eram idiotas e estavam erradas.

As pessoas sempre me perguntam por que Greenfield me incomoda tanto —  porque estou cansado de ver reacionários de meia-idade e classe média direcionando abusos imprudentes contra minha geração. Seu livro é um catálogo de preconceitos absurdos, voltados contra uma geração com a qual essa mulher de 65 anos está decidida a não se envolver. “Não preciso entrar no Facebook para ter uma opinião sobre isso”, ela disse ao Independent, quando eles perguntaram se ela não visitaria o site ao menos uma vez.

De acordo com essa pessoa que nunca interagiu legitimamente conosco, estamos nos tornando estúpidos, impulsivos, violentos, socialmente incompetentes e incapazes de pensar propriamente ou planejar coisas para o futuro. Estamos cada vez mais viciados em telas e presos num universo bidimensional limitado por gratificação instantânea. Aparentemente, estamos até perdendo o interesse pelo sexo, o que certamente é novidade para o meu pênis. É difícil imaginar que qualquer pessoa que realmente converse com menores de 35 anos leve isso a sério, mas acho que sempre vão existir pessoas com muito medo de um mundo que está se transformando em algo que elas não conseguem mais entender.

Aparentemente, a humanidade está em declínio e minha geração é a prova disso. “A maioria das pessoas”, Greenfield disse ao Independent, “concorda com o que estou dizendo”. Minha resposta a Greenfield e seu amigos, como uma pessoa de 31 anos que vê seus colegas lutando para ganhar uma posição num mundo construído por baby boomers como Greenfield, é um sonoro “foda-se”.

Siga o Martin no Twitter: @mjrobbins

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