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São Paulo ficará cinco anos sem água?

Por conta das mudanças bruscas no clima e do consumo desenfreado de água, a previsão de esgotamento de nossas reservas naturais pode trazer um cenário digno de Mad Max.
represa Cantareira

Foto por Sérgio Castro/Estadão Conteúdo.

Se você é fã do Mel Gibson ou simplesmente curte assistir à uma grande produção cinematográfica pós-apocalíptica, deve conhecer o filme Mad Max. A história acontece em um período posterior a uma guerra mundial que esgotou os poços de petróleo do Oriente Médio, algo bastante desesperador. Bem, isso, aparentemente, não tem nada a ver com água. Acontece que, pelo que parece, estamos muito mais perto do que imaginávamos de uma crise relacionada à nossa cristalina H2O. A cada ano, por conta das mudanças bruscas no clima e do consumo desenfreado do líquido, a previsão de esgotamento de nossas reservas naturais diminuem progressivamente, bem como as esperanças dos conterrâneos de Max em encontrar vestígios de petróleo. E, com a chegada de abril e a proeminência do final do verão, a crise paulista acumula muito mais fatos do que eu poderia contar em duas mãos. Depois de algumas semanas acompanhando notícias e conversando com os envolvidos, vou tentar explicar da melhor forma o porquê dessa pergunta ser uma preocupação — e o peso de uma resposta negativa conclusiva em nossos bolsos.

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Março é o mês em que os fãs chatos de Tom Jobim publicam a música “Águas de Março” ostensivamente por aí, certo? Não em 2014. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, o INMET, a média pluviométrica da região Sudeste ficou extremamente abaixo do padrão nos dois primeiros meses do ano, fato que se estende para o mês de março. Janeiro, que deveria contabilizar 224mm, fechou com 83mm; em fevereiro, o valor foi ainda menor, fechando com 59mm, em vez dos 169mm habituais. Especificamente na cidade de São Paulo e arredores, a seca conseguiu superar os recordes de falta de chuva de 1953, época em que a escassez comprometeu severamente a distribuição de água na região.

Talvez você nunca tenha se perguntado da onde vem a água que sai livremente por sua torneira. Antes de passar por diversos canos até sua casa e, inclusive, se perder durante parte do transporte — de acordo com o JN, até o ano passado, a cidade de SP desperdiçava 26% da água que retirava — a água potável que lava seus pratos, mãos, garagem e partes íntimas provem de três sistemas, de acordo com a região em que você vive. A galera da Zona Norte, do Centrão e alguns moradores da Zona Leste e Oeste são abastecidos pelo maior deles, o Cantareira. No total, 8,1 milhões de pessoas, quase 50% dos habitantes, recebem água desse sistema, formado pelos rios Jaguari, Cachoeira, Atibainha (que começa em Minas Gerais) e Juqueri. O resto da cidade é abastecido pelo Sistema Alto Tietê (Zona Leste) e Sistema Guarapiranga (Zona Sul e Sudoeste).

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Digitando “Sistema Cantareira” no fabuloso Google, você perceberá que as últimas notícias relacionadas ao tema informam que o nível de água dos reservatórios está em declínio constante desde 3 de fevereiro e que, hoje, o valor contabilizado é de 14,5%. Isso significa que quase não existe água disponível e que ao visitar as represas do sistema você possivelmente acreditará que fez uma rápida visita ao sertão. No site da Sabesp, é possível acompanhar os valores armazenados em cada sistema utilizado pela empresa de abastecimento. Mas vamos focar no Sistema Cantereira por enquanto. Composto por seis represas, o sistema começou a funcionar entre as décadas de 1970 e 1980. Nessa época, a primeira outorga — ou seja, a autorização — que concedia à Sabesp o direito de retirar água era assinada, com validade de 30 anos.

Em 2004, ano em que Geraldo Alckmin ocupava o cargo de governador do Estado de SP (veja que coincidência), esse documento foi renovado para os próximos 10 anos. Ele concedia vazão de 31m³/s para a Sabesp, destinada à Região Metropolitana de São Paulo e 5m³/s para algumas cidades nos arredores das Bacias PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí), na região de Campinas. Nele, havia uma condição dos órgãos reguladores federal, Agência Nacional de Águas (ANA), e estadual, Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), de que a Sabesp deveria apresentar estudos e projetos que tornassem a Região Metropolitana de São Paulo menos dependente do Sistema. Esse estudo foi feito de forma bastante, digamos, precária, e, portanto, foi recusado pela ANA e pelo DAEE. Ficou a cargo do governo do estado pesquisar alternativas para o abastecimento, tarefa executada entre 2008 e 2013 que foi apelidada de Plano Diretor de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista.

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Foto por Sebastião Moreira/Estadão Conteúdo.

Então, quer dizer que só a partir do ano passado o governo começou a investir em medidas que tornassem a cidade menos dependente da Cantareira, perto de uma nova renovação da autorização. Alguns dos projetos iniciados no final do ano, inclusive, já tiveram suas datas de finalização adiadas — a represa de São Lourenço, em Ibiúna, tem previsão para 2018, por exemplo. Outro problema é que o governador Geraldo Alckmin, bem como Dilma Pena, presidente da Sabesp, negam que exista necessidade de um racionamento de emergência na Grande São Paulo. Realidade que, em contradição, afeta os arredores, já que algumas cidades do interior passaram a sofrer com a medida no começo de fevereiro. Nessa mesma época, curiosamente, o Ministério Público Federal e o Estadual enviaram uma recomendação de racionamento para a ANA e o DAEE. De acordo com a recomendação, concedida a mim pelo promotor Rodrigo Sanches Garcia, órgãos de controle de abastecimento estavam autorizando a Sabesp a retirar 33m³/s, na época, e concedendo 3m³/s para a Bacia PCJ. O que representa 2m³/s a mais para São Paulo e 2m³/s a menos para o interior. Em resposta, foi instaurado um comitê anticrise para avaliar a situação. A primeira previsão desse comitê dizia que, caso a estiagem fosse tão grave quanto aquela de 1953, a água da Cantareira acabaria em agosto. Para a felicidade de todos — só que não — esse prazo encurtou para junho, o tão esperado mês da Copa do Mundo. Se isso realmente acontecer, o Sistema ficará comprometido em até cinco anos.

Você deve estar se perguntando como é que a Sabesp e o Governo do Estado estão lidando com a situação. Bem, além de investir bilhões de reais nos projetos em andamento desde o ano passado, a Sabesp foi incentivada pelo comitê anticrise a gastar R$ 52 milhões em obras emergenciais para uso de um “volume morto” por enquanto inacessível que existe nas represas Jaguari e Jacareí, em Joanópolis, e Atibainha, em Nazaré Paulista. O projeto emergencial soma R$ 80 milhões, já que a companhia precisou investir em bombas, tubos, cabos, entre outros. A previsão é de que o Sistema dure até setembro e o volume morto segure as pontas até fevereiro. Outra estratégia, para evitar ao máximo incomodar diretamente os eleitores da Grande São Paulo com uma economia obrigatória passível de multa, foi oferecer um desconto de 30% para os consumidores abastecidos pela Cantareira, para que economizassem 20% de suas médias anuais. O comercial é protagonizado por Rodrigo Faro, o ex-Dominó que, atualmente, entretém a população no programa Melhor do Brasil. Também foi anunciado recentemente que parte dos consumidores — cerca de duas milhões de pessoas — passaria a receber água dos outros Sistemas, Alto do Tietê e Guarapiranga.

A presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião com Geraldo Alckmin para discutir a crise na última terça-feira (18). Isabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente, e representantes da Sabesp e da ANA também compareceram. Para o governador é imprescindível que sejam investidos milhões para evitar que a população tenha consciência da crise, maquiando suas consequências. Aparentemente, as medidas adotadas até agora não serão suficientes, mesmo que efetivas a curto prazo, para evitar que a previsão do comitê anticrise seja (mais) um motivo de international-shaming. O diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massaro, declarou ao SPTV que o sistema pode levar muito tempo para se recuperar, considerando que, na última experiência de seca, em 2003 e 2004, bem menos intensa, os níveis demoraram dois anos. É o momento de ir até a tribo mais próxima encomendar uma bela dança da chuva para o cacique ou acender uma vela de dois metros para São Pedro na igreja da Sé. De qualquer forma, enquanto esperamos pela resposta da pergunta que encabeça essa matéria, recomendo a todos que abracem o racionamento voluntário, afinal, não sei se estou preparada para estocar galões de água mineral em casa, tomar banho de caneca e sobreviver de Coca-Cola. E você?

Siga a Anna Mascarenhas no Twitter: @annapmm