​Procura-se 'BFF corporativo'
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Tecnologia

​Procura-se 'BFF corporativo'

Para trabalhar nas startups moderninhas não basta ter experiência, é preciso ser ‘top person’ e ‘manjar dos paranauê’.

Meu amigo, o mercado está difícil. E fica mais difícil diante dos classificados cifrados que muitas empresas estão anunciando.

Foi-se o tempo das expressões nebulosas de recursos humanos como "pró-atividade" e "liderança". No Facebook pipocam posts divulgando vagas de emprego que só tendo print screens para acreditar: "Buscamos um profissional gente boa, criativo com perfil moderno, capaz de mover o ponteiro e que faça a diferença. Determinado a promover mudanças, capaz de colaborar com a cultura do negócio e manter na companhia a vontade pela entrega de resultados criativos. Alguém que queira mostrar seus dotes e que manje dos paranauê."

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Fotos abstratas de clichês corporativos deram lugar a ilustrações de Pikachu e Onde Está Wally? Agora, além dos disparates de sempre (requisitos como toneladas de experiência, formações e domínio de diversas ferramentas para assumir atividades mil e fazer café a troco de um salário de R$ 500), muitos anúncios de vagas vêm acompanhados por emojis e pré-requisitos como: "ser top person e trazer comida pra galera", "ser super hero", "ser ninja", "ser heavy user de FB", "ter no mínimo nível 5 no Pokémon Go", ter "conhecimentozinho de PS", "bom gosto" e "amor e energia positiva". Alguém "ágil como um ninja, criativo como o Coringa, oportunista como o Homem Aranha, [que] consegue desenvolver como Tony Stark e [que] trabalha em equipe como um Ranger", "simpáticx e cheirosx", que saiba "tirar o bumbum da cadeira", que faça "um bom soufflé" e, meu preferido, que queira "ser nosso novo BFF". Entendeu?

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Se você entendeu o dialeto da tribo digital, já está na frente na disputa das vagas abertas por startups no eixo São Paulo – Santa Catarina, dois polos de inovação tecnológica no país.

Em busca de profissionais como web designers, social medias e programadores, muitas dessas empresas pedem "portifas" inbox e oferecem escritórios com vista top – uma companhia catarinense de tecnologia, por exemplo, garante "xBox, dardos e slackline na piscina para as horas livres :) & happy hours a cada duas semanas o/".

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"A empresa, principalmente de médio e pequeno porte, quer mostrar que é cool – e quer atrair um público dinâmico e ligado à cultura digital. É um reflexo do próprio mercado, onde nada escapa da tecnologia e das mídias digitais", comenta Luiz Gustavo Aranha, 35, diretor da consultoria de recrutamento RSG Brasil. "Também reflete a informalidade de muitas companhias e pequenos empreendedores, que têm uma estrutura de negócio mais flexível, muitas vezes contando apenas com profissionais PJ e freelancers", lembra Aranha.

O alvo principal destes posts de estilo engraçadinho é o profissional júnior, que está entrando agora no mercado de trabalho. Ou o aspirante entende a língua dos paranauê, ou está fora.

Traduzindo

Literalmente, você não precisa ter nível 5 no Pokémon Go – mas pode ganhar pontos se souber o que é nível 5 e tiver uns monstrinhos japoneses capturados no smartphone. Na verdade, o que as empresas estão buscando é um bom profissional, preferencialmente de perfil moderninho.

Talento ainda conta (ufa!), mas cada vez mais pesa o perfil pessoal. Certa vez a headhunter Eliana Rozenchan, 38, se viu dividida entre dois candidatos com ótimas formações: uma, mais quadrada; outro, mais despojado, fã de Star Wars e à vontade o bastante para soltar uns palavrões durante a entrevista. Na startup Omiexperience, onde público-alvo é "persona", profissional é "artista" e necessidades do cliente é "dor", prevaleceu o candidato "fera".

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"Os anúncios de emprego adotam um discurso alinhado ao momento sócio-histórico. Esse discurso sinaliza pertencimento à cultura cibernética e à sociedade pós-moderna, do descolado ao politicamente correto, como 'pró-ativx' e 'criativx'. Desta forma, as empresas estão subliminarmente dizendo: 'Nós sabemos fazer negócio nos dias de hoje. Venham trabalhar conosco'", interpreta Tania G. Saliés, 57, professora associada da UERJ e coorganizadora do livro Linguística da Internet (Contexto).

O que está em jogo é a língua. Um jogo aberto, ativo e dinâmico, que permite criatividade e invenções linguísticas. E quem vem dando as cartas nesta mesa são os nativos digitais, que nasceram ou deram os primeiros passos na década de 1990.

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Atualizadíssimos sobre as últimas inovações tecnológicas e tendências, os nativos digitais dominam e se consideram protagonistas na internet, onde interagem e transitam facilmente entre diversas ferramentas (Twitter, Instagram, Facebook etc.).

Parece uma brincadeira boba, mas é uma competência comunicativa altamente sofisticada na perspectiva da linguística. "Eles distinguem, instantaneamente, o quê dizer, para quê e para quem. Escrever textão no Facebook é diferente de postar 140 caracteres no Twitter, redigir uma proposta no e-mail ou uma redação no vestibular. São propósitos diferentes", diz Saliés. Quer dizer, não precisa incluir no currículo nestes termos, mas ter domínio de emoji e conhecimento de cultura pop e memes não faz mal a ninguém num mercado hypado que se quer top top top.