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Mano Brown está do lado certo

O discurso que o rapper fez no comício do PT dividiu opiniões e foi apoiado até por Bolsonaro. Mas o recado é importante: o povo vem primeiro.
Mano Brown no comício do Haddad nessa terça (23). Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Mano Brown é Mano Brown. Quem acompanha de perto o trabalho dos Racionais sabe que o rapper pode até não ser o primeiro a falar, mas raramente se cala quando perguntado sobre sua posição em relação a determinados assuntos. Foi o que ele fez nessa terça (23), quando foi convidado a participar e discursar sobre a campanha do petista Fernando Haddad em comício no Rio de Janeiro, junto com sua vice Manuela D'ávila, o psolista Guilherme Boulos e colegas músicos como Caetano Veloso e Chico Buarque.

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Uma vez que lhe deram a palavra, Brown não poupou críticas ao PT e à esquerda durante seu discurso. "Eu vim aqui representar a mim mesmo, não representar a ninguém", começou o artista, que seguiu dizendo que não gostava do clima de festa que se instalou no centro do Rio durante o comício. "A mesma cegueira que atinge lá, atinge aqui. Não há motivo pra comemorar."

"Tá tendo quase 30 milhões de votos pra alcançar. Não temos expectativa nenhuma de diminuir essa margem." Vaias tímidas começaram a vir da plateia, mas Brown não se intimidou. "Não estou pessimista. Sou realista. Se algum momento a comunicação do pessoal daqui falhou, vai pagar o preço. A comunicação é alma. Se não conseguir falar a língua do povo, vai perder mesmo. Falar bem do PT para torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada, ou vamos cair no precipício. Tinha jurado pra mim mesmo nunca mais subir em palanque de ninguém."

Ele terminou, então, dizendo que "entender o povão" era fundamental para o Partido dos Trabalhadores. E que, se o PT não souber o que o povo quer, terá de voltar ao começo. Assim que o coro de vaias subiu de novo, o rapper encerrou sua fala.

Brown foi imediatamente defendido por Caetano e Chico, mas isso não impediu que seu discurso fosse recebido mal por parte da esquerda e abraçado por parte da direita – o presidenciável Jair Bolsonaro, inclusive, se apropriou da fala do rapper no Twitter, dizendo que concordava com o que ele disse. Muitos de seus seguidores e eleitores fizeram o mesmo.

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A primeira coisa que pensei quando vi o discurso de Brown foi a entrevista que seu companheiro de grupo, Edi Rock, me deu algumas semanas antes. Encurtei uma de suas falas na matéria completa que escrevi, mas, para fim de comparação, coloco a resposta completa abaixo:

“Eu preciso pensar antes de falar, porque meus parceiros estão ouvindo o que eu tô falando e muitos vão fazer o que faço e o que estou pedindo. Quem não tem medo [de falar] mostra a cara, quem tá com medo deixa a nave na garagem. Racionais não é direita ou esquerda, é o povo pelo povo. Começa pelo o que você vai fazer pela quebrada.”

Tanto a fala de Edi quanto a de Brown exemplificam uma mesma tentativa de diálogo que se estende para além de um nicho, para além de um comício lotado de milhares de pessoas que já apoiam suas posições e enxergam por um viés progressista. Em suma, a palavra que os dois companheiros de grupo dividiram no que disseram: povo.

Muita gente se incomodou com a apropriação do discurso de Brown por Bolsonaro, e não à toa. Como forte opositor à violência, à desatenção sofrida pelas periferias de São Paulo e do restante do país e um porta-voz da juventude negra no Brasil, o próprio rapper já declarou que não votaria no candidato do PSL (ou seja lá o que você concluir com esse vídeo dele gritando "Bolsonaro é o caralho" durante um show no Rio de Janeiro apenas algumas semanas atrás).

O rapper apoiou ambas as candidaturas de Lula — e, inclusive, apontou o ex-presidente como a única solução para o Brasil durante uma entrevista ao Estadão em junho deste ano —, além de fazer questão de dizer que seus dois governos "mudaram a vida das pessoas". Brown também defendeu algumas candidaturas petistas na capital paulista, como a reeleição de Marta Suplicy em 2004, o que causou certa polêmica quando apareceu num santinho em apoio a Primo Preto, o autor da famosa introdução de "Capítulo 4, Versículo 3", quando ele se candidatou a vereador pelo PSDB em 2008.

Sua crítica teve o gosto da tão esperada autocrítica ao PT que vem sendo esperada de Fernando Haddad. Vinda de terceiros — e, ainda mais, do Mano Brown —, ela parece ainda mais afiada, mas há um elemento crucial na fala do rapper: em muitos momentos, ele fala na primeira pessoa do plural e se inclui entre os errados e errantes ("o que mata a gente é o fanatismo e a cegueira"; "se somos o Partido dos Trabalhadores tem que entender o que o povo quer").

Brown, como sempre, veio pra sabotar seu raciocínio e abalar seu sistema nervoso e sanguíneo. E, até agora, ele sempre esteve do lado certo.

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