A cura do medo de voar pela realidade virtual
Crédito: Bruna Prado/ VICE

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A cura do medo de voar pela realidade virtual

Tecnologia que simula todas as etapas de um voo é a mais nova esperança para quem sua frio ao entrar num avião.

Houve um tempo em que o analista de sistemas Vinícius dos Santos Silva, de 37 anos, sentia o coração disparar só de ouvir o ruído de turbina de avião, passar na frente de aeroporto ou pensar em desastre aéreo. Tudo começou em 2009, quando esse fluminense de Araruama, região dos Lagos, pisou, pela primeira vez, dentro de uma aeronave para uma viagem a trabalho para São Paulo. Em pouco tempo, a ansiedade, que começara moderada, quase imperceptível, atingiu o insuportável. Primeiro, ele não conseguia mais se concentrar em atividades prosaicas, como ler ou ouvir música, para distrair seu nervosismo. Depois, qualquer ruído, por menor que fosse, aumentava sua ansiedade que, com o perdão do trocadilho, já estava lá nas alturas. Por fim, era incapaz de engatar uma conversa mais elaborada – na maioria das vezes, limitava-se a responder para a aeromoça se preferia água ou refrigerante. “Durante as viagens, minha mente estava 100% ocupada em sentir medo. Pensava sempre no pior. Às vezes, chegava a imaginar que o avião estava com alguma avaria e a tripulação não queria dizer. Me agarrava com tanta força ao assento que chegava ao destino física e mentalmente esgotado e com dores musculares”, recorda Vinícius, que nunca tomou calmantes para relaxar durante o voo.

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O desespero era tanto que, em 2011, Vinícius tomou uma decisão drástica: parar de voar. Nestes dois anos, fez algo em torno de 10 a 15 viagens, para São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Roteiros internacionais? Nem pensar! Por essa razão, nunca visitou os tios e primos no Canadá ou compareceu ao casamento de um amigo em Angola. O pânico não deixou. Foi quando, em abril de 2017, resolveu procurar ajuda. Por intermédio da psicóloga Tânia Macedo, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), ouviu falar de um projeto apelidado de Livre para Voar. Seu nome técnico é comprido: Tratamento Gratuito com Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) em Realidade Virtual (RV) para Pessoas com Medo de Voar.

Paula Ventura, coordenadora da equipe de psicologia, e o paciente Vinícius Silva. Crédito: Bruna Prado/ VICE

Desenvolvida pelo psiquiatra sul-africano Joseph Wolpe nos anos 1960, a TCC é cognitiva porque encoraja o paciente a perder seus medos por meio de argumentos lógicos e é comportamental porque expõe o indivíduo, gradual e sistematicamente, ao objeto de seu pavor – no caso de Vinícius, o avião. “Nosso protocolo faz parte de uma pesquisa que se propõe a comparar o tratamento convencional com TCC com o tratamento que inclui a RV”, explica Paula Ventura, a coordenadora da equipe de Psicologia do IPUB/UFRJ. “Nosso protocolo conta com oito sessões individuais, de 25 minutos cada. Mas, dependendo do caso, cada paciente necessita de um número específico de sessões.”

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Entre maio e julho de 2017, Vinícius participou do projeto Livre para Voar, que alia técnicas como relaxamento e meditação, a elementos da RV, como óculos de RV, joystick e efeitos sonoros. Como se estivesse no simulador de um parque de diversões, o paciente é imerso num cenário virtual, que recria todas as etapas de um voo: da chegada à sala de embarque à aterrisagem na pista do aeroporto. No decorrer das sessões, o nível de intensidade, por assim dizer, do voo virtual pode passar de “céu de brigadeiro” (gíria militar que significa céu azul, sem uma nuvenzinha sequer) a fortes turbulências (nome dado àquelas trepidações inconvenientes que, na pior das hipóteses, pode fazer o bagageiro se abrir e uma mala sair voando pela cabine – daí, a importância de manter os cintos afivelados!). “A decolagem e o pouso são sempre os momentos mais críticos”, avalia Vinícius.

Crédito: Bruna Prado/ VICE

Até os sons que o passageiro ouve dentro da aeronave – como o tão temido “Senhores passageiros, aqui quem fala é o comandante…” – são reproduzidos nos fones de ouvido. É por meio dos fones, aliás, que o terapeuta se comunica com o paciente durante a sessão. “A única diferença é que, ao contrário dos brinquedos dos parques de diversão, não usamos movimentos simulados. A parte visual da RV já produz o efeito de imersão necessário para causar no paciente a sensação desejada para o tratamento da fobia”, afirma Alberto Raposo, coordenador do projeto no Centro Técnico Científico (CTC) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

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A técnica de exposição virtual é apenas uma das fases do tratamento, que engloba, ainda, consulta de anamnese, sessões de psicoterapia e avaliação final. Dos argumentos lógicos usados pela TCC para encorajar seus pacientes a encarar o medo de voar está um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Segurança (NSC, na sigla em inglês). Segundo cálculos do órgão público americano, a probabilidade de morte em um acidente de avião é de uma entre 11 milhões. Já as chances de passar dessa para melhor em um desastre de carro são de uma em cinco mil. Mesmo assim, há quem prefira enfrentar longas distâncias de carro ou ônibus a encarar uma ponte-aérea. Era o caso de outro Vinícius, o de Moraes. “O bicho é mais pesado que o ar, tem motor à explosão e foi inventado por brasileiro. Não pode dar certo”, costumava brincar o poetinha referindo-se ao avião.

Só no Brasil, 13,4 milhões de pessoas têm pavor de avião

No ranking das fobias específicas, aquelas deflagradas pela exposição a animais, objetos ou situações, o medo de avião ocupa o segundo lugar, atrás somente do de falar em público. Segundo estimativa do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA (NIMH, em inglês), a aviofobia atinge 6,5% da população mundial – 13,4 milhões só no Brasil. “O medo de voar reúne vários medos num só: de o avião cair, de ficar em lugares confinados, de passar mal e não ter para onde ir, etc”, explica Paula Ventura. “Pode ser desencadeado tanto por experiências traumáticas quanto por situações estressantes”. A boa notícia é que a RV já pode ser aplicada a outras fobias, como medo de escuro, barata ou altura. “Isso já é feito em alguns países. Nos EUA, por exemplo, a RV já é usada para tratar estresse pós-traumático em veteranos de guerra”, dá um exemplo Alberto Raposo.

Crédito: Bruna Prado/ VICE

No Brasil, há quem se disponha a pagar até US$ 250 (o equivalente a R$ 850 mil) por hora – mais passagem aérea, transporte, alimentação e hospedagem, se necessário – para viajar com um “personal flyer” (“voador particular”, em livre tradução). Mas o que um “personal flyer” faz? Explica, detalhadamente, cada etapa do voo, traduz alguns jargões da aviação, como arremeter, por exemplo, e esclarece inúmeras dúvidas – a mais recorrente delas é: “Turbulência pode derrubar avião?”. Mas, se você não dispõe de tanta grana para perder sua ojeriza a avião, o IPUB/UFRJ está com inscrições abertas para participar do projeto Livre para Voar. O e-mail para agendamento de consultas é: medodevoarufrj@gmail.com. Outras informações: https://livreparavoarufrj.wordpress.com/ O tratamento não é indicado para portadores de epilepsia, problemas cardiovasculares sérios, gestantes ou qualquer outro transtorno psicopatológico.

Quanto a Vinícius Silva, o analista de sistemas do começo da matéria, ele vai bem, obrigado. Depois de passar seis anos sem viajar de avião, aceitou, em agosto de 2017, conhecer Salvador. “O programa Livre para Voar teve um impacto positivo considerável”, avalia Vinícius. “O medo ainda não foi embora. Mas, hoje, aprendi a controlá-lo. Para mim, é um grande avanço”, garante. Os planos dele são ambiciosos. O maior é conhecer o Japão. Na ponta do lápis, dá uma média de 25 horas de voo. “Para quem morre de medo de avião, é meio louco, né?”, admite, aos risos. Enquanto isso, planeja conhecer o Deserto do Atacama, no Chile. “Quero ir me acostumando aos poucos”, afirma.

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