​Tristeza, fumaça e fogo na reintegração de posse da comunidade Nelson Mandela

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​Tristeza, fumaça e fogo na reintegração de posse da comunidade Nelson Mandela

Conheço gente que não tem pra onde ir. Eu não tenho pra onde ir, desabafou um morador.

"Aqui era o melhor lugar do mundo pra viver", suspirava uma moradora da Comunidade Nelson Mandela que, a pedido da Justiça, sofreu reintegração de posse ontem (9). Instalada há menos de dois anos na altura do Km 22 do Rodoanel, entre os municípios de Osasco e Barueri, no Estado de São Paulo, a favela ocupava um terreno de 200 mil metros quadrados que pertence à empresa Dias Martins S/A Mercantil e Industrial.

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De acordo com o capitão Márcio Góes de Sousa, responsável pelo efetivo da Polícia Militar, 750 policiais foram mobilizados para acompanhar a reintegração. "Não é um problema policial, mas, sim, social. Ordem judicial num estado de direto se cumpre. Não se discute", disse à VICE. Em nota oficial, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que o mandado foi expedido pela juíza Ângela Moreno Pacheco de Rezende Lopes, da 2ª Vara Cível do Foro de Osasco. A princípio, a reintegração seria feita em três dias, mas, segundo o capitão, é provável que acabe hoje (10).

Foto: Felipe Larozza/VICE

Inconformadas, algumas pessoas supostamente ateavam fogo em seus barracos depois que os móveis eram retirados – segundo relatos da polícia –, o que explica a enorme quantidade de fumaça no céu que cobria a favela. Para o capitão da PM, a atitude é compreensível. "A gente tem de entender. Pô. O cara tá feliz de sair daqui? Não tá. Então, levamos como um desabafo da pessoa, um momento de revolta." De acordo com o policial, não houve confronto, mas sete pessoas foram presas: dois menores e um adulto acusados de atear fogo no barraco alheio e quatro adultos flagrados furtando material de construção.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Em meio às escavadeiras que trabalhavam sem parar destruindo os barracos, os moradores da Nelson Mandela colocavam seus móveis e pertences dentro dos 40 caminhões cedidos pela Prefeitura de Osasco. A maioria das pessoas dizia levar os objetos para a casa de parentes, onde se instalariam temporariamente.

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Foto: Felipe Larozza/VICE

Para a moradora Marcia Regina, há um ano e quatro meses vivendo na ocupação, o dia era de tristeza total. "Sabemos que a terra não é nossa. Mas tirar moradia pra fazer lixo?", questionou, referindo-se à possibilidade de que o lugar será utilizado para a construção de um aterro sanitário (embora já exista um nas proximidades da Nelson Mandela). "Sou cadastrada no Minha Casa Minha Vida há seis anos. Escrevi carta pro prefeito [de Osasco, Jorge Lapas (PT)]. Fui à Secretaria de Habitação e pedi pra eles fazerem uma visita social e ver a situação de cada um. Ninguém veio. Só fomos humilhados."

Foto: Felipe Larozza/VICE

Também moradora da comunidade, Deise Silva assistia à demolição sentada ao lado de sua vizinha, uma senhora em aparente estado de choque, que chorava muito segurando um gatinho filhote no colo. "Hoje é um dia dolorido, triste, de injustiça", afirmou, em lágrimas, enquanto dava a mão para a amiga em frente a um cenário apocalíptico.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Os moradores relatam que, nos últimos meses, toda a área foi tomada por policiais. "Eles ficaram nas duas entradas da favela com a ordem de não deixar entrar material, nem mudança. Todos os carros que entravam, eles paravam pra revistar. Às vezes, revistavam até os pedestres", conta Leonardo Manuel, habitante da Nelson Mandela.

Foto: Felipe Larozza/VICE

Entre destroços, móveis, brinquedos e cachorros perambulando pela área, alguns focos de incêndio continuaram queimando pela tarde. Era difícil não tossir.

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Foto: Felipe Larozza/VICE

Em frente a uma igreja evangélica improvisada com madeirite, ex-moradores da comunidade se reuniam, discutindo o futuro e perguntando para a nossa equipe "onde estava a imprensa antes de a reintegração acontecer".

Foto: Felipe Larozza/VICE

De dentro da favela, era possível olhar os barracos mais altos e ver fileiras de policiais, provavelmente evitando resistência por parte de moradores. O silêncio estarrecedor e melancólico era eventualmente interrompido pelo barulho de madeira queimando.

Foto: Felipe Larozza/VICE

A Prefeitura de Osasco informou que "1.840 fichas de famílias que ocupavam a área" foram inseridas no cadastro da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sehdu). Ou seja, "a partir de agora, e dentro dos critérios dos programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida, os inscritos na lista em questão poderão ter acesso aos programas".

Foto: Felipe Larozza/VICE

"Conheço gente que não tem pra onde ir. Eu não tenho pra onde ir", desabafou Alan Pereira com os olhos cheios de lágrima. Levando a camiseta ao rosto pra enxugar o suor e o choro, ele relembrava a união entre os vizinhos de um lugar que não irá mais existir. "Fico besta com a força de vontade de cada um dessa comunidade. Quando alguém precisava de comida, a gente se reunia e fazia comida juntos. Todo mundo participava junto da favela, da nossa comunidade."

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