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A Cracolândia Passará por uma Segunda Desocupação?

​Perto do aniversário de um ano do início da desocupação da Cracolândia e da inauguração do Projeto de Braços Abertos, o poder municipal anunciou que a nas próximas semanas a região passará por uma nova operação ostensiva.
Foto por Felipe Larozza.

Perto do aniversário de um ano do início da desocupação da Cracolândia e da inauguração do Projeto de Braços Abertos, menina dos olhos da Prefeitura de São Paulo, o poder municipal anunciou que, nas próximas semanas, a região passará por uma nova operação ostensiva.Uma parceria do Estado e do Município,o projeto pretende erradicar os pontos de tráfico e retirar os barracos que tomaram a Alameda Cleveland com a Rua Helvétia.

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Visitar a região sempre é uma tarefa complicada;embora não houvesse nenhum risco iminente à vista, um clima de tensão reina no ar. O sol escaldante e a falta de sombras ajudam. Assistentes sociais andam pela área, trabalhando, tirando pausas para fumar cigarros; enquanto isso, agentes da PM e da GCM (cujo número visivelmente aumentou após o anúncio da Prefeitura) rondam o local – e, claro, há o onipresente "fluxo",um mar imprevisível que traz ou leva embora pessoas e coisas inesperadas.

A nossa primeira parada foi na quarta (7), na tenda do Programa Braços Abertos. Ela estava lotada de pessoas (não só usuários como também crianças e transeuntes) que aproveitavam a hora do descanso para curtir a sombra e ver a reprise de alguma novela que não reconhecemos. Um assistente social gente fina foi o primeiro a se dispor a conversar conosco sem se identificar.

Todas as fotos são do Felipe Larozza.

"Eu sou a parte baixa do programa. Quem pode falar mesmo é a coordenadora, mas ela entrou em uma reunião", explicou o assistente logo de saída. Enquanto ele nos esclarecia um pouco sobre a burocracia que a imprensa precisa passar para ter autorização para divulgar o Programa, não paravam de entrar e sair pessoas da tenda. "É assim todo dia", contava, olhando para o portão. "Um dia aparece um, some outro e por aí vai. Tem sempre uns rostos conhecidos, mas é muita gente diferente".

Perguntamos se ele e os outros assistentes sociais ficaram sabendo da desocupação e recebemos uma encolhida de ombros em resposta. "Aqui tem muito boato, sabe? Nós, os assistentes, somos os últimos a ficar sabendo." O pouco que ele pôde contar do programa foi positivo. "Tem gente que consegue sair daqui sim, mas depende de cada um", finalizou com um sorriso.

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Nossa conversa foi interrompida por uma tempestade, tirando todo mundo que estava nas ruas e acabando com a nossa intenção de conseguir trocar uma ideia com o pessoal responsável pelas tendas. "Voltem amanhã que vocês conseguem," avisou o assistente social.

No dia seguinte, voltamos mais cedo – e com nenhum sinal de chuva para não atrapalhar. Na tenda da Prefeitura, encontramos o mesmo assistente social que topou nos apresentar o Guerra, uns dos mais antigos frequentadores da Cracolândia, segundo o próprio. "Mas meu problema é com a pinga," Guerra adiantou. Fumando um cigarro Eight e escondendo o rosto parcialmente com um boné, uma de suasprimeiras frases de impacto foi "Não trabalho com nomes". Embora os nomes fossem um problema, ele conseguiu nos explicar que era bem tratado por ali e que finalmente podia tomar banho todo dia graças ao programa. Perguntamos se a polícia colaborava com o clima. A resposta foi sucinta: "Sim, só não pode se meter com eles ou fumar na frente deles".

"O problema disso tudo é que,depois que o programa termina, não tem mais o que fazer; por isso [é] que o pessoal volta pro fluxo", afirmou. "Não adianta devolver pro mundo sem pelo menos um emprego bom. Faltam incentivos", termina Guerra.

Após circular um pouco pela área observando de longe o fluxo, partimos para a tenda do Governo do Estado de São Paulo, parte do Programa "Recomeço". Queríamos, de novo, tentar descobrir quando a nova desocupação poderá começar. Fumando um cigarro, um homem jovem de óculos escuros nos abordou e pediu um cigarro. Antes mesmo de alcançar o isqueiro, Israel abriu um sorriso para falar que ele tinha nos visto no dia anterior na tenda.

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Perguntamos para o Israel se ele estava sabendo de alguma coisa sobre a desocupação, e ele só se limitou a dizer que lá [onde estão as barracas] era tenso. Ele também foi o único que deu detalhes sobre a ação recente da polícia. "No final do ano, rolou muita prisão aqui. Os caras são truculentos," revela.

Conseguimos descolar uma entrevista com a presidente da ONG Ação Retorno, Nildes Nery. Com uma discreta tatuagem no antebraço e voz serena, Nildes contou um pouco sobre seus dez anos dedicados à ONG e sobre o trabalho de "formiga" feito diariamente na região. "Aqui não é um trabalho que se resolve em 15 dias, e tchau. Prevejo no mínimo uns três anos para vermos resultados mais expressivos. Ainda assim, é uma vitória," disse, em tom sério.

Moradora do bairro, Nildes é conhecida por todos e é chamada de "pastora" pelo pessoal. A entrevista se limitou à experiência pessoal dela, e não à do programa, mas foi possível perceber que ainda falta muito para que seja um tratamento completo para os usuários da área.

A pastora sorriu ao lembrar das pequenas coisas que faz para ajudar os usuários que recorrem até ela. "Faço isso porque tenho amor e Deus no coração. Sempre quero estar à disposição, isso está dentro de mim. Aqui não é um lugar onde ninguém pode ser [sic] aproveitado, sabe? Eu respeito todos," explica.

Nildes coordena uma equipe que faz a triagem nas ruas para captar pessoas dispostas a entrar no programa de reabilitação. "É difícil ir pra rua, pro fluxo, e falar de reabilitação." Perguntamos também como é trabalhar todos os dias com tanta repercussão negativa da parte da sociedade. "Olha, eu nunca criticaria uma realidade que não conheço. Essas pessoas não estão aqui todos os dias, é difícil. A Cracolândia não se resolve do dia para a noite", terminou.

"Vamos ver o que vai acontecer quando eles forem desocupar aquela área [dos barracos], espero que colaborem. Acredito que não haverá truculência por parte da polícia; senão, é um trabalho jogado fora," ela frisa. "Não adianta só dar moradia, é uma questão de saúde também. O que adianta tirá-los da rua, mas ainda deixar perto do fluxo, das drogas e dos amigos antigos? Eles também precisam respirar. É que nem a gente, né?"

Procuramos a assessoria de imprensa da Prefeitura. Segundo a mesma, ainda não há nada confirmado sobre essa possível desocupação. Nem mesmo os assistentes sociais e os responsáveis das tendas conseguiram nos dar uma resposta concreta. "Aqui na Cracolândia é assim", explica o assistente social, "ninguém sabe de nada e só giram boatos por aqui."

Veja mais fotos do Felipe Larozza aqui e siga a Marie Declercq no Tumblr.