Por que tantos tatuadores estão putos com o Ato Médico?
Foto: Felipe Larozza/ VICE

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Por que tantos tatuadores estão putos com o Ato Médico?

Um projeto de lei pode fazer com que você ligue no consultório médico pra agendar seus próximos rabiscos, já que, de acordo com o texto, só eles poderiam "invadir" a pele de alguém.

A cena de alguém ligando para o consultório médico e agendando uma sessãozinha de tatuagem não é roteiro de ficção científica pastelona. De acordo com a proposta do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 350/ 2014, as coisas passariam a funcionar assim no Brasil: somente médicos poderiam tatuar – o que tem causado certo rebuliço não só na categoria dos tatuadores profissionais, mas também na de body piercers, enfermeiros, dentistas, acupunturistas e profissionais de estética.

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De acordo com o texto do projeto de lei, conhecido como Ato Médico, "a invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos" seria atribuída somente aos médicos.

Autora do projeto, a senadora goiana Lúcia Vânia publicou recentemente em seu Facebook que "não há qualquer intenção de prejudicar nenhuma categoria profissional e nem, em específico, os profissionais que atuam nas artes corporais, como os tatuadores". A parlamentar pontuou também que "a matéria ainda está sendo discutida, e não será votada sem que haja um consenso".

A reportagem da VICE entrou em contato diversas vezes com a assessoria de imprensa da senadora, que até a conclusão desta matéria não atendeu ao pedido de entrevista.

Ronaldo Sampaio "Snoopy", body piercer e idealizador da Associação dos Tatuadores e Perfuradores do Brasil, relembra que o projeto de lei não é novo. "Estão tentando emplacá-lo há 10 anos", conta. Em 2007, quando era vice-presidente de um sindicato de tatuadores e perfuradores que não existe mais, foi convidado pelo Conselho Federal de Medicina para discutir o projeto. Apesar da reunião feita e da promessa de que tatuadores e piercers não seriam prejudicados, nenhum protocolo foi assinado pelo conselho, segundo o relato de Snoopy.

"Nós não somos contra a regulamentação do médico. Pelo contrário, acho que todo mundo deve ser regulamentado, inclusive a gente", pondera o perfurador. "No país em que vivemos agora, isso vai ser um retrocesso. Porque o tatuador paga imposto do material que ele usa, paga tributo do espaço, você precisa ter alvará pra trabalhar. Isso está de uma forma totalmente corporativista. Não tem outro nome."

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A tatuadora paulistana Julia Bicudo. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Para manter um estúdio de tatuagem, é preciso seguir normas exigidas pela Anvisa, que consistem em condições de privacidade, limpeza, higienização e conservação geral. O alvará é renovado anualmente. Entretanto, a profissão de tatuador e body piercer não é regulamentada. Eles ainda são tidos como profissionais autônomos ou liberais.

A tatuadora paulistana Julia Bicudo enseja o discurso econômico preconizado por Snoopy. "A indústria da tattoo move muito dinheiro, e a cada dia aparecem novos tatuadores", comenta. "Fora que, se aprovado o projeto, quem está na profissão há anos não teria mais o direito de exercê-la."

A mineira Carol Vitter, body piercer há 16 anos e tatuadora há cinco, acredita que a modificação da lei faria com que profissionais que hoje atuam com alvará da prefeitura e que estão em dia com a vigilância sanitária caíssem na ilegalidade. "Se isso for aprovado, terão pessoas tentando trabalhar clandestinamente. Acho que a galera vai voltar a tatuar em casa", justifica.

Tatuador há cinco anos, Etam Paese concorda. "Tattoo é e sempre será contracultura. Por mais que proíbam, sempre haverá gente se tatuando clandestinamente", relata. Atuando em duas cidades diferentes – ele tatua em São Paulo e em Curitiba –, o profissional supõe que, se aprovado, o projeto de lei não irá acabar com o mercado. "Isso irá afetar os grandes estúdios de tatuagem que ficam localizados em grandes cidades. Mas o tatuador autônomo ou que tatua numa loja pequena e numa cidade pequena não sofrerá com isso."

NÃO SÃO SÓ OS TATUADORES

A grande problemática dos incisos presentes no PLS é a margem de interpretação que eles provocam no exercício laboral de outras profissões. Para a cirurgiã-dentista Ana Paula Tokunaga, sua categoria não se opõe ao Ato Médico. "O que vemos com certa preocupação é a forma como alguns artigos do novo projeto de lei estão redigidos, mesmo que se preveja na própria lei que o médico não pode interferir na área de atuação de outras profissões", relata. "O que queremos são disposições claras, que não abram espaço pra questionamentos sobre a nossa área de atuação e sobre a área de atuação de quaisquer profissionais da área da saúde."

Até a publicação desta reportagem, a votação disponibilizada no site do Senado contava com 113 mil opiniões contra o projeto de lei e 76 mil a favor.

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