Belos Retratos de Pessoas Trans do Canadá

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Belos Retratos de Pessoas Trans do Canadá

A série Exposed mostra o cotidiano de pessoas trans na intimidade e suas experiências de transição.

Todas as fotos por Yannick Fornacciari.

Yannick Fornacciari, um fotógrafo francês que hoje vive em Montreal, é mais conhecido por documentar o ramo canadense do FEMEN. Sua série mais recente, Exposed, mostra o cotidiano de pessoas trans na intimidade e suas experiências de transição.

A partir de 1º de outubro, pessoas trans no Quebec não precisam mais passar pelos procedimentos cirúrgicos para poder alterar seu gênero em documentos oficiais. Essa mudança tão aguardada, baseada numa lei aprovada em 2013, representa uma grande vitória para a comunidade trans, claro. Ainda assim, como a série de Fornacciari tenta ilustrar, o fato de a lei ter demorado tanto para entrar em vigor é outra manifestação das práticas discriminatórias encaradas pela população trans no país.

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A VICE se encontrou com o fotógrafo em seu apartamento para discutir seu projeto e descobrir qual mensagem ele gostaria de transmitir.

VICE: Por que você escolheu fazer esse projeto?
Yannick Fornacciari: Eu vinha pensando sobre a realidade das pessoas transgênero há algum tempo. Eu ficava imaginando o que elas passavam no dia a dia. Fiz muitos trabalhos sobre gênero e marginalização; então, fazia sentido focar a realidade das pessoas trans. Assim, entrei em fóruns, em páginas do Facebook, e comecei a postar meu trabalho. Deixei as pessoas virem até mim e tive muitas respostas. Em dois dias, acho que cerca de 30 pessoas entraram em contato comigo e expressaram interesse no projeto. Foi assim que isso começou. Quanto ao porquê, isso é principalmente uma questão de visibilidade.

Na sociedade, na mídia, na arte e na cultura em geral, não ouvimos muito sobre a identidade trans, as pessoas trans, o que elas passam, quem elas são. Tratamos o tópico de maneira muito clichê, com estereótipos. E, em geral, pessoas trans não são representadas por pessoas trans na mídia e nos filmes – geralmente, elas são interpretadas por pessoas cis. Isso é lamentável, mas o que descobri ser ainda mais lamentável é o fato de que os governos não estão realmente interessados nessa realidade. Especialmente aqui no Canadá. Produzi essa série num contexto que está começando a mudar agora, embora isso ainda seja muito discriminatório contra os trans. Descobri que o governo age de maneira muito ignorante e discriminatória.

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Fico feliz que as coisas estejam mudando. Recentemente, tivemos Caitlyn Jenner, que trouxe muita visibilidade para as pessoas trans. Isso é incrível, porém é algo muito atrasado. Nos últimos meses, as coisas vêm mudando, acelerando.

Fale sobre as pessoas na série.
Foram várias pessoas, e escolhi me concentrar em algumas mais que em outras, porque algumas queriam ser seguidas. Algumas só queriam fazer uma sessão de fotos. Mas todas tinham algo a dizer. Elas não fizeram esse projeto por razões estéticas, e sim para comunicar algo. Acompanhei algumas delas durante a transição; algumas, só encontrei uma vez. Vivi muitas coisas com aquelas que segui.

Algumas, eu visitei depois da operação; algumas não fizeram a cirurgia, mas ainda queriam que eu as acompanhasse durante a transição. Essas pessoas eram de várias origens, todas muito diferentes, porém todas tinham a necessidade de compartilhar sua realidade. Por isso, pedi que algumas delas escrevessem um texto, porque eu ficaria incomodado de responder por elas. Elas concordaram, e os resultados foram muito interessantes.

Que tipo de reação os modelos tiveram quando viram as fotos? Eles mostraram muito, literalmente…
Eles ficaram felizes – acho, espero. Para mim, é difícil, pois percebi que não sabia muito sobre a questão. Acho que 90% das pessoas não sabem muito sobre isso, as pessoas não têm ideia do que é ser uma pessoa trans. Para os modelos, foi como o testemunho. Eles me diziam coisas como "Estou fazendo isso para que as pessoas tenham uma ideia melhor do que estou vivendo. Se isso ajudá-las a entender, vou fazer". No entanto, foi difícil para mim mostrar tanto, mostrar tanto psicologicamente – tanto pelo que aparece nos textos como nas fotos.

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O que você aprendeu? O que você espera mostrar?
Aprendi que a sociedade pode ser completamente cega para a realidade de certas pessoas. Aprendi muito sobre legislação porque passei muito tempo estudando a lei que foi aprovada em 2012 ou 2013, a famosa lei 35 que só entrou em vigor agora.

Aprendi muito sobre mim mesmo também, sobre a ideia de gênero, especialmente como essa noção é hostil à liberdade na nossa sociedade. Essa sociedade espera certas coisas de homens e certas coisas de mulheres – e, se nos distanciamos dessas normas, somos marginalizados contra nossa vontade. O que espero que as pessoas vejam na minha série? Espero que elas vejam os seres humanos por trás disso. Eu não queria focar o aspecto da comunidade transgênero. Eu queria focar o aspecto humano, esses humanos que vemos. Também quis me distanciar do aspecto voyeurístico. As pessoas tendem a achar que os transexuais – não gosto dessa palavra, mas essa é a mais usada – são uma comunidade underground e estereotipada, tipo uma caricatura. E eu queria me afastar desse reino para que essas pessoas pudessem ver a humanidade e serem tocadas por essas histórias.

E quais são algumas dessas histórias?
O que realmente me impressionou foi a discriminação que algumas dessas pessoas vivem. A maioria, na verdade. Acompanhei pessoas jovens que não estavam necessariamente trabalhando, mas que estavam em fases diferentes da transição. Algumas pessoas que conheci tinham 30 ou 40 anos e tinham vidas normais, empregos normais, embora fossem submetidas a uma discriminação terrível no local de trabalho. Algumas levaram seus casos para o tribunal porque sofriam perseguição. A rejeição da família…

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A sociedade inflige um sofrimento diário na vida das pessoas trans. No entanto, também há essa expectativa de beleza que eu também queria transmitir – [transmitir] que também há esse lado positivo. O lado negativo existe, e precisamos nos dar conta disso, porém também é preciso perceber que ser trans é ser muitas outras coisas, também é ser normal.

Suas fotos dizem muito: vemos as cicatrizes que evocam o sofrimento, o abraço terno que evoca o amor…
Senti realmente uma ligação com essas pessoas. Tentei ser objetivo, essa era minha preocupação. Ver a realidade e dar uma visão subjetiva, uma visão de artista, que não é a de um censor nem de um moralista. Eu só queria mostrar o que eles são, mas principalmente algo exterior ao corpo. Frequentemente, tornamos a questão trans algo sobre o corpo: falamos com as pessoas trans sobre seus corpos, fazemos perguntas, queremos saber o que elas têm nas calças. E isso é problemático – a sociedade os insulta em se tratando desse tipo de coisa. Por isso, tentei me concentrar nas pessoas mais do que em seus corpos.

Qual é sua opinião sobre a maneira como o governo trata as pessoas trans?
Acho escandaloso que o nosso governo só tenha começado a ouvir os grupos trans alguns meses atrás. A mudança legislativa começou em 2013, uma lei que foi votada para que as pessoas não precisassem passar por cirurgia para mudar seu gênero em documentos oficiais. Só que a lei demorou muito para entrar em vigor. Acho isso escandaloso porque é uma discriminação, mas também porque é um desdém, uma ignorância em que não perguntamos às partes interessadas o que isso significa para elas. Finalmente, agora, as pessoas podem mudar ser gênero mais facilmente em documentos, embora elas ainda sejam tratadas como doentes. Para receber um reembolso do governo pelos hormônios, pelas operações, você precisa ter um diagnóstico psiquiátrico de disforia de gênero, que é considerado um problema psicológico. Isso significa que você tem de aceitar ser "doente" para ser você mesmo.

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Entrevista por Brigitte Noël. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor

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