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Colamos no Encontro Monárquico do RJ

E foi meio deprê.
Encontro Monárquico do RJ
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Quando apareceu a oportunidade de participar do XXIV Encontro Monárquico do Rio de Janeiro, eu me empolguei. Imaginei-me sentado dentro de um salão da época imperial, no meio de uma multidão de senhores com monóculos e bigodes ornamentais e velinhas elegantes com seus cãezinhos de colo. Será que todas aquelas celebridades e intelectuais que fizeram propaganda durante o plebiscito de 1993 iriam comparecer, como, por exemplo, a Sandra de Sá? Vi-me no coffee break imperial, com quatro mordomos por convidado, degustando aquelas iguarias reais do século 19, como torta de miolos de esturjão do Rio Volga.

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Para falar a verdade, como qualquer outro estadunidense, fui condicionado desde pequeno a detestar qualquer coisa relacionada à nobreza. Enquanto em alguns países, como a Inglaterra, as crianças aprendem sobre a grandeza do império, nós aprendemos desde cedo que o resultado de centenas de anos de consanguinidade, causada pela obrigação de os nobres só se casarem com outros nobres, era um DNA enfraquecido, deformidades como mandíbula Hapsburg e hemofilia e uma inteligência um pouco abaixo da média - o mesmo aconteceu com vários clãs de caipiras nas montanhas Apalaches, os chamados "hillbillies". E, fora da escola, conhecemos algumas teorias da conspiração. Será que a família real brasileira também faz parte dos Illuminati, a sociedade secreta criada na Bavária do século 18, que supostamente governa, de forma secreta, o mundo junto com a família Rothschild?

Também calculei que seria, no mínimo, uma experiência educativa, uma maneira mais divertida de passar o fim de semana de 7 de setembro do que a do ano passado, quando inalei um monte de gás lacrimogêneo enquanto fazia a cobertura das manifestações "Fora, Cabral" pra VICE. Cheio de expectativas, engomei minhas roupas sociais que não usava havia anos - desde um velório - e peguei o metrô rumo ao Catete.

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Fui recebido por um grupo de pessoas afáveis e bem educadas, todas de terno. Sentei nos fundos do salão e concluí que havia aproximadamente 65 pessoas presentes. As paredes estavam decoradas com estandartes com o brasão real; perto da entrada, havia uma mesa onde um velhinho vendia camisas, alfinetes e adesivos. Em frente à plateia, quatro pessoas estavam sentadas. Sua Alteza Real e Imperial, Dom Rafael Antônio Maria José Francisco Miguel Gabriel Gonzaga de Orleans e Bragança e Ligne, Príncipe do Brasil, pegou o microfone. Ele é jovem e parece uma pessoa completamente normal - ou seja, eu lamentei perceber que ele não tinha nenhum sinal visível de séculos de consanguinidade. Tudo bem, a mandíbula dele era forte, mas longe de ser uma verdadeira mandíbula Hapsburg. Durante sua curta palestra, ele apresentou seu argumento a favor da volta da monarquia.

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"A cada quatro anos," ele falou, "nós, brasileiros, somos obrigados a escolher entre candidatos desagradáveis, representando as mesmas oligarquias." Ele explicou que o monarca é uma pessoa imparcial, que não é vítima de pressões de classe. Imaginei que ele não estava pensando na classe burguesa da França guilhotinando seus ancestrais quando contou isso. "O monarca", ele disse, "cumpriu um papel de mediador, gerando mais estabilidade, resultando em uma verdadeira democracia." Terminou afirmando que "todo ano a República perde força. Os protestos do ano passado foram um grito de 'Basta!'. E todo ano o movimento monárquico ganha força. Eu, como sempre, continuo disponível para agir em serviço do Brasil".

A plateia de 65 pessoas levantou-se para uma longa ovação. Um jovem historiador subiu no púlpito para homenagear o centenário da mãe dos príncipes atuais, Maria Isabel da Bavária. Aprendi que a família real foi expulsa do Brasil por volta de 1890 e que foi convidada a voltar em 1920. Nessa época, eles estavam morando no enorme Castelo de Nymphenburg e optaram por continuar na Europa. O tio de Dona Maria Isabel, o príncipe Rodolfo, brigou com Hitler e acabou se exilando em outro país fascista, a Itália. Maria Isabel se casou com Dom Pedro Henrique de Orléans e Bragança em 1937; em seguida, eles se mudaram para França, onde permaneceram durante a ocupação nazista até o fim da guerra. Nesse momento, eles decidiram se mudar para o Brasil, país onde nenhum deles nasceu. Será que esses anos de convivência com o fascismo europeu tinham alguma coisa a ver com o envolvimento dos seus filhos com a neofascista Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade? Em 1964, às vésperas do golpe militar, essa organização colaborou com a CIA durante as Marchas da Família com Deus pela Liberdade.

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Dei uma saída e liguei para um amigo, ex-diretor da União do Vegetal, que trabalhou no plebiscito de 1993. "Nós apoiamos a volta da monarquia por causa das crenças no Rei Salomão," ele contou, "mas, de fato, só 10% da população brasileira votou a favor. O Brasil nasceu como uma monarquia e nosso segundo rei era muito bom, o país se desenvolveu muito. Faz parte de nossa cultura, e nós ainda temos essa coisa: o Rei do Futebol, o Rei do Picolé, o Rei da Coxinha… Naquela época eu acreditava em Deus e defendia radicalmente a Virgem Maria, mas me tornei ateu e hoje não voto e não ligo para nada. Muitos que apoiam a Monarquia são parentes distantes deles e dizem que apoiam por causa de suas famílias. E sempre tem militares entre os apoiadores, porque o pai do exército era um Duque, o Duque de Caxias. Há também os Círculos Monárquicos, grupos chiques e intelectuais de ultradireita, que se juntam para tomar espumante, comer croissants e falar besteiras sobre a grandeza do império embaixo do brasão real. Participei de muitos deles e achava bastante divertido, mas depois cansei, comecei a achar todo mundo quadrado demais. Estava cheio de pessoas da TFP chorando contra todos os avanços em comportamento social que testemunhamos durante os últimos 20 anos. Até tinha racistas e escravistas no meio, coisa que eu acho bastante desagradável - algo realmente muito constrangedor".

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Voltei ao salão, onde o Dr. Gilberto Calado de Oliveira estava no meio de um longo e complicado argumento jurídico sobre os problemas estruturais do Supremo Tribunal que, segundo ele, resultaram em duas coisas que violam as "leis da natureza e Deus": a descriminalização da maconha e a união civil dos gays. Com uma voz grave, ele enfatizou que "este governo fortalece os meio-ambientalistas, os sem-terra, os quilombolas, os indígenas e o movimento de diversidade sexual, para acabar com o que ainda resta da sociedade cristã!". Olhei pro Matias Maxx, nosso fotógrafo. "O que você, que chapou antes desse encontro, pensa dessa análise?"Nos esforçamos para não cair na gargalhada.

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Uma velhinha chiquérrima, usando um lenço Chanel, se levantou. "Doutor, eu ouvi você falando de homossexualismo [sic] e maconha, mas em muitos lugares da Europa, como na Inglaterra da Rainha Elizabeth, isso é tudo permitido. E há outros países monárquicos, como a Holanda, que permitem isso também. Na Holanda e na Escandinávia eles estão vendendo maconha há muitos anos. O que o senhor acha disso?" Ele respirou fundo e respondeu: "Eu já morei um tempo na Europa, na Espanha, e posso dizer que eles são mais promíscuos do que o povo brasileiro". E mudou de assunto: "A legalização do aborto em casos de anencefalia nada mais é do que o Estado preparando a base para legalizar o infanticídio".

Uma mulher de Sergipe levanta a mão, conta que estava cursando Ciências Sociais e pergunta se ele não acha que a visão antropológica deve ser levada em consideração. Ele fez uma pausa, surpreso, e rebateu. "Essa visão antropológica é ligada com os direitos humanos, que não só recomendam que se mantenham os índios em sua cultura selvática, mas também quer que isso seja projetado para a cultura ocidental."

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Então subiu ao púlpito um homem com um bigode espetacular, um verdadeiro bigode ornamental: o tipo de bigode que eu imaginei quando vi a programação do evento. Com carisma e calor humano, ele se apresentou como Rogério Tjäder, o mais velho monarquista do Brasil, autor de vários livros sobre o assunto. Depois de uma piada gratuita sobre o PT, ele contou como foi a experiência de fazer parte do grupo de doze pessoas que foi às docas para saudar a chegada da família real, em 1945. "Era um dia nublado, e eu, ainda criança, lembrei a tristeza de saber que eles não iriam ver a paisagem de nossa cidade maravilhosa. Vi o pequeno Dom Bertrand. Com certeza ele não se lembra dessa data, mas eu lembro do momento em que seu irmão olhou para mim: éramos duas crianças da mesma idade. E, desde então, nunca abandonei a causa, nunca abandonei minha fé e apoio a essa maravilhosa família Imperial. Estou há mais de 70 anos dedicado à causa da monarquia." De sua cadeira, Dom Bertrand olhou para o Dr. Tjäder carinhosamente.

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Não sei se foi por causa do bigode hipnotizante, do carisma ou do fato de que qualquer palestra me pareceria interessante depois de ficar preso naquela sala antiga durante uma hora de pura demagogia, mas seu entusiasmo foi contagiante. "As pessoas têm medo de livro grosso," ele falou, "e é por causa disso que meu novo livro, sobre a vida da Imperatriz Dona Teresa Cristina, tem apenas 200 páginas. Ela foi uma mulher maravilhosa, que fez muito pelo nosso país, mas eu foco mais nos elementos menos conhecidos, como a área culinária. Ela tinha em casa três meninos que gostavam de coxa de galinha, mas todos nós sabemos que o bicho só tem duas pernas. Assim, esta mulher, a Imperatriz do Brasil, em seu brilhantismo, teve a ideia de desfiar um peito, envolver em massa e fritar, e, com isso, inventou a coxinha, patrimônio culinário de nosso maravilhoso país". Matias imediatamente tirou o celular dele e pesquisou na web, para confirmar essa história. "Há controvérsias", ele disse. "Parece que foi uma das suas escravas. Outras pessoas dizem que foi inventado em São Paulo."

Essa conversa sobre culinária deixou a gente com fome, e a chegada do intervalo foi bem recebida. Qual será o cardápio do coffee break imperial? Haveria mordomos circulando com azeite e pão? Haveria croquembouches de amêndoas? Na Rússia imperial, os nobres nunca cortavam as unhas, para sinalizar o quão desnecessário seria fazer qualquer tipo de trabalho braçal. Fiquei desapontado ao ver as unhas normais do príncipe segurando um triângulo de misto quente e um copo americano de suco de goiaba.

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Encostei-me na senhora do lenço Chanel. "Podemos tirar sua foto?", pergunto. "Claro, meus amores. Mas posso deixar meus óculos? Meus olhos estão um pouco vermelhos. Passei a noite inteira num leilão de arte."

"Gostei de seu comentário sobre como a maconha e a união dos gays são legalizadas na Europa."

"Obrigada. Eu achei que o assunto foi muito pesado. Eu vou a encontros monárquicos desde criança e não estou acostumada a ouvir tanto preconceito. Cada um deve ter a liberdade de fazer o que quiser. E, historicamente, a família Imperial não era assim. Dom Pedro II era um homem bastante liberal, tinha muitos amigos negros."

"Por que você é monarquista?"

"Sou monarquista desde criança. O Brasil seria a maior potência do mundo se a família tivesse se mantido no poder. Eu sonho com um milagre. As pessoas acham que tenho complexo de Cinderela, mas precisamos de mais jovens envolvidos. Estou feliz por ver tantos jovens aqui hoje, como vocês."

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Um homem magro e elegante, na casa dos 70, se apresenta como Ohannes Kabderian, o Chanceler do Círculo Monárquico do Rio de Janeiro, e se oferece para apresentar o Príncipe Rafael.

De repente, eu estava, no meio dos flashes de meia dúzia de câmeras e iPhones, na frente de Rafael, o jovem príncipe. Perguntei a ele: "Sua Alteza é o Príncipe Rafael de Orleans e Bragança?".

"Sim, mas meu nome completo é muito mais comprido."

"Em que você acha sua vida diferente da de um brasileiro típico?"

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"Meu comportamento precisa servir como um exemplo positivo para os outros."

"Vocês apoiam um candidato ou partido político nestas eleições?"

"Não, o papel da monarquia é de ser objetivo e distante das brigas partidárias."

"E futebol? Pode escolher um time?"

"O quê? Futebol?", ele riu. "Sim, eu jogo futebol todos os dias. Eu torço pelo Fluminense, como toda a família Bragança."

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Ele se desculpou, porque o tio dele estava subindo no púlpito. O Príncipe Bertrand, um homem solteiro na casa dos 70, começa sua palestra. Apesar de morar há mais de 60 anos no Brasil, ele ainda fala com um sotaque alemão. Ele enfatizou que a verdadeira democracia não existe no Brasil - só existem facções da elite brigando pelo poder - e que isso desestabiliza o país. Contou que a monarquia caiu porque eles estavam defendendo o povo contra as oligarquias. Depois, ele começou atacar os gays. "Pode ser que uma pesquisa recente tenha mostrado que 40% da população brasileira apoiam o conceito de casamento gay, mas eles só falaram isso para os pesquisadores por medo de serem acusados do crime de homofobia."

Era a hora do nosso grito de "Basta!". Cansamos de ouvir falar sobre o desejo por um país que excluiria ou colocaria para segundo plano segmentos grandes da população. Batemos em retirada rumo a um boteco qualquer para beber cerveja barata de Petrópolis e comer ovo cozido colorido de origem misteriosa. Junto de outros plebeus. Lá, no outro lado de meia dúzia de cervejas, pensei ser uma pena que um evento assim, que junta pessoas do país inteiro para manter a memória histórica de uma fase importante da história brasileira e sonhar com um futuro melhor, não pode manter a imparcialidade real tão elogiada naquela tarde.

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