Deu a Louca na Gerência: O Petter Baiestorf Postou Seus Filmes para Você Baixar de Graça

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Deu a Louca na Gerência: O Petter Baiestorf Postou Seus Filmes para Você Baixar de Graça

Pérolas do trash independente brasileiro.

AVISO: imagens extremamente perturbadoras.

Quarta-feira passada o Petter Baiestorf acordou e resolveu postar no seu próprio Facebook links para baixar de graça alguns dos trocentos filmes que ele já fez. Apareceram lá, de “presentinho”, O Monstro Legume do Espaço (1995), Zombio (1999), Arrombada: Vou Mijar na Porra do Seu Túmulo (2007), Vadias do Sexo Sangrento (2008) e A Curtição do Avacalho (2006). Cinco títulos de uma obra tão densa que nem ele sabe mais quantificar exatamente. Numa contagem por cima no catálogo da sua produtora Canibal Filmes, até hoje constam pelo menos 14 longas, 11 médias e 16 curtas, além de atuações e colaborações em trabalhos da galera dos filmes faça-você-mesmo completamente autorais com abundância de fluidos.

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Ele conta estar nessa desde 1992, quando ainda era mais um jovem punk latino-americano que mantinha um zine (o Arghhh, que durou de 1992 a 2003 e chegou até o número 32) e fazia filmes amadores com os amigos. Passou a lançar tudo em VHS com capinhas xerocadas, vendendo em shows aqui e ali, encontros de fanzineiros… E o resto é filme lançado praticamente todo ano. Não à toa o catarinense de Palmitos é considerado uma lenda viva do cinema trash independente brasileiro. Atualmente, além de editar o blog Canibuk com a namorada Leyla Buk e ralar eventualmente em trabalhos paralelos, ele está no processo de filmagem de Zombio 2: Chimarrão Zombies, previsto para ser lançado em maio. Ele falou sobre isso e a possibilidade de seus filmes serem contemplados pelo Vale Cultura na conversa por e-mail a seguir.

VICE: Por que nesses últimos dias você resolveu postar no seu Facebook links para download gratuito de alguns dos seus filmes?
Baiestorf: Não teve nada de especial, não. Acordei naquela hora e fui pesquisar algo relacionado aos meus filmes (que não lembro mais o que foi), aí me deparei com o link de download do O Monstro Legume do Espaço (1995) e resolvi compartilhar. Nessas acabei achando Zombio , Arrombada: Vou Mijar na Porra do Seu TúmuloVadias do Sexo Sangrento e A Curtição do Avacalho e resolvi compartilhar com a gurizada. Esse negócio do cara liberar os filmes para download depois de alguns anos funciona perfeitamente para trazer de volta seu trabalho e novas cabeças tomarem contato com ele. Isso tudo serve para o pessoal ficar de olho nas produções que eu e meu grupo aqui realizamos, e para esperar nosso novo longa-metragem, Zombio 2: Chimarrão Zombies, uma produção feita na forma de cooperativa informal, com produtoras e investidores particulares (fãs de cinema independente) de todo o Brasil nos ajudando.

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Um tempo atrás tentei procurar seus filmes para baixar, mas não consegui. Vários links já estavam inativos, no YouTube não se encontra os filmes completos. Claro que poderia muito bem ter corrido o caminho oficial e comprar, mas enfim, foi incompetência (não ter procurado direito) ou realmente é uma opção não disponibilizar gratuitamente esses filmes?
Veja bem, todos esses links para download dos filmes que tu acha na net são colocados por fãs. Até acho que esses últimos links foram colocados por algum dos suecos que descobriram meus filmes de sexploitation gore. Não tenho pai rico, não tenho empresas grandes me apoiando, não participo de editais de cinema… Ou seja, sou daquele tempo que tu fazia um filme e esse filme precisava dar algum retorno financeiro, então a gente se concentra em vender ingressos (em mostras independentes), fechar oficinas (e cobrar cachê por isso) e vender filmes em DVD. É assim que a Canibal Filmes faz há mais de 20 anos, e é assim que eu gostaria muito de continuar produzindo. Mas claro que também não vou criar caso com quem colocar os filmes para download, mesmo porque eu pego esses links e divulgo. Aí quem é fã delira, e quem não é respeita essa atitude libertária de mandar às favas as regras capitalistas e vira fã dos nossos filmes. Quem realmente curte colecionar os filmes acaba comprando nossos DVDs depois, mesmo tendo feito download.

Por que você é contra captação de recursos por leis de incentivo – ou "essa política assistencialista do governo", como você diz aqui?
Vou ser bem direto: não vivo num país que é um mar de rosas, não. O Brasil tem muitos problemas para enfrentar e resolver. Educação e saúde estão lamentáveis, povo burro vota em políticos idiotas e lota igrejas/templos, e o ciclo continua. Se essa grana da cultura fosse aplicada direito, até concordaria com esses editais, mas quem bota a mão nisso é tudo filho de banqueiro, filho de famílias tradicionais etc. O que tem de carinha metido a cineasta vivendo desses incentivos fiscais e fazendo filmecos… Não está sendo fácil.

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Foi pelo seu Facebook também que fiquei sabendo da campanha de financiamento para o Zombio 2: Chimarrão Zombies. Conseguiu levantar a quantidade esperada? Por que não colocou em algum site tipo o Catarse?
Reuni uns R$ 4 mil em ajuda de fãs da Canibal Filmes para um projeto que vai custar mais ou menos uns R$ 15 mil. Com Zombio 2, estou tendo a sorte de trabalhar com muita gente talentosa que acredita nos filmes que a Canibal faz desde sempre, e somente assim está sendo possível essa produção sair tão em conta. Arrisco dizer que esse seria um filme que custaria uns R$ 70 mil se não fosse toda essa ajuda que estamos recebendo dos fãs e admiradores no nosso jeitão “grosso” de pensar/fazer cinema/vídeo. E não coloquei no Catarse porque resolvi contar apenas com a ajuda dos fãs da Canibal Filmes. Talvez tenha sido um erro, não sei. Mas agora já está feito. Para um próximo filme penso na possibilidade de fazer um Catarse ou algo assim. O caminho é continuar na independência.

Desse lance de investidores, já teve dinheiro de alguma empresa que você nunca imaginaria ter interesse em apoiar seu trabalho?
Não, não é bem assim que funciona para ser patrocinador dos meus filmes. Tenho que concordar com a empresa que está colocando dinheiro. Se é para ter uma porra do McDonalds botando dinheiro também não dá. Eu acredito no microempresário. São esses que quero apoiando meus filmes, não essas porras de empresas que, na maioria das vezes, exploram seus funcionários. Eu sou o cara que recusa programas de TV que acho bestas, ou que têm público que não me interessa. Eu quero saber somente do público que curte arte independente, do pessoal que corre atrás daquilo que lhe satisfaz. Donas de casa e empresários falidos que assistem televisão terminantemente não me interessam como público da Canibal Filmes. Já fãs de bandas undergrounds, leitores de fanzines e apreciadores de cultura obscura são meu alvo. Qual foi o maior orçamento que você já teve para um filme seu? E o menor?
Meu maior orçamento está sendo este do Zombio 2. O menor foi zero de grana. O mais engraçado é que já teve filme meu que custou R$ 300 reais concorrendo em festivais junto com outros curtas que custaram R$ 300 mil.

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Muita gente pode confundir cinema independente com cinema amador. Como é o esquema com as outras pessoas envolvidas? Sua equipe é grande? Todo mundo é remunerado?
Tem uma parte da equipe que trabalha comigo faz mais ou menos 20 anos, e a cada novo filme sempre surgem novos interessados em nos ajudar. Cada filme acaba sendo um caso. No Zombio 2, por exemplo, paguei alguns atores. O restante da equipe e atores está trabalhando de graça. Depois que o filme estiver pronto, vamos repartir qualquer grana que entrar. Lógico que quem já foi pago não entra neste rateio! Por ser um filme de zumbis, a equipe contou em certos momentos com mais de 35 pessoas, uma loucura para um filme independente, mas necessário. Mas muito se fala em dinheiro ao se produzir e divulgar um filme, como se fosse a única coisa que importasse. Nos dias de hoje, todos se esquecem de um fator que é maior do que qualquer retorno financeiro, que é a satisfação pessoal. Muitas pessoas são como eu (e outros produtores independentes) que colocam a satisfação pessoal acima do lucro pessoal. Fazer o que lhe dá prazer é a melhor coisa do mundo. Tenho pena de quem só faz algo em troca de lucro financeiro.

Em que pé está o Zombio 2: Chimarrão Zombies? Tem alguma previsão de lançamento?
Em breve filmaremos mais 11 dias e o filme será finalizado. Em fevereiro filmamos durante 12 dias, mas tivemos o azar de pegar chuvas e tempestades todos os dias das filmagens, o que nos atrapalhou bastante. Agora teremos mais 11 dias de trabalhos no final de março. Finalizando as filmagens, vou para o Rio de Janeiro editar o longa com o Gurcius Gewdner, e a pré-estréia já está marcada para o dia 4 de maio, às 21h15, durante o festival Fantaspoa desse ano.

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Como é conseguir atores para os seus filmes, que muitas vezes incluem sexo também explícito?
Vejo o sexo como um fator natural, não com essa ideia cristã de pecado. A coisa mais natural num set de filmagens da Canibal Filmes é ter gente pelada caminhando para lá e para cá. Num filme meu se trabalha pra caralho, e quem vem trampar comigo e se mete a ser engraçadinho, eu mando embora no mesmo dia. Se estou filmando uma cena mais erótica, é um trabalho. Os atores ficam pelados, fazem a cena que têm que fazer e, quando termina, vamos para mais trabalho. Aliás, quem acha que trabalhar num filme meu é festa, tenha em mente que agora com Zombio 2, por exemplo, trabalhamos mais de 36 horas direto sem pausa nenhuma para descansar, dada a quantidade de trabalhos. Mas é bem fácil conseguir atores/atrizes para meus filmes, porque o pessoal se sente respeitado e compartilha da mesma ideologia que a gente.

A página do FB ("Canibal Girls - Quero Ser Atriz na Canibal Filmes") ajuda bastante nisso?
Não, aquela página lá não ajuda nada, mesmo porque só atrai homens. Quando fecho o elenco de um filme, geralmente sou eu quem manda o convite para atores e atrizes.

Trash, tosco, de mau gosto, exploitation, pornográfico. Que tipo de filme você faz?
Eu chamo de comédia o que eu faço. Na verdade, sou um exploitation man. Se estiver na moda o termo “trash”, sou trash. Se estiver na moda a palavra “pornô”, sou pornô. E assim por diante. Desse modo, o cara vai se mantendo durante o passar das décadas. Sem contar que faço filmes de tudo que é gênero, então é meio ruim definir o que eu faço, né? Na verdade, nem gosto de categorias, por isso misturo tudo, de gênero a culturas, sexo, política etc. Tudo é vida, tudo é material para ti misturar num filme.

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Já teve algum filme seu "censurado" — e por isso entenda desde ter sido excluído de algum site a ter sido tirado de cartaz de alguma mostra já em andamento?
Nos dias de hoje o cara é mais censurado do que antes, quando tinha a ditadura. Quando coloquei o Fragmentos de uma Vida (2002) no YouTube, um curta-metragem gore (nada de mulher pelada e tal), ele foi retirado do ar em menos de 24 horas. E já fui censurado em várias mostras de filmes porque o patrocinador, geralmente bancos, não queria patrocinar um evento onde haveria filmes com violência/sexo. Cineclubes já me censuraram e depois acabaram voltando atrás. A cada dez exibições, tenho problema em alguma delas, principalmente por causa de filmes como Deus – O Matador de Sementinhas (1997), Boi Bom (1998), Gore Gore Gays (1998), ou os mais recentes como Arrombada: Vou Mijar na Porra do Seu Túmulo, Vadias do Sexo Sangrento e O Doce Avanço da Faca (2010). Nos anos 1990 era mais difícil ser censurado, mesmo com filmes como o Gore Gore Gays, que é mais intenso. Lembro de apenas uma censura na década de 1990, que foi durante a terceira HorrorCon, em São Paulo, quando lancei o Blerghhh!!! (1996) e fiquei sem tela. E com o crescimento da burrice evangélica, essas censuras só tendem a piorar.

Recentemente o Canal Brasil começou uma série de programas sobre o cinema trash brasileiro, da qual você já foi um dos personagens. Como tem sido a experiência?
Aceitei participar da série por duas razões. Primeiro porque era uma produção para o Canal Brasil, que sempre exibe cinema nacional dos anos 1970 e 1980, que é a época na qual estão os melhores filmes já feitos aqui, com muito humor, críticas e mulheres lindas nuas. A segunda razão foi porque o diretor do programa é o Christian Caselli, que em 2004 fez o documentário Baiestorf: Filmes de Sangueira e Mulher Pelada. Como viramos amigos depois do documentário, quando ele me perguntou se eu topava dar entrevista, aceitei. Não costumo aceitar entrevistas na TV — não é o tipo de divulgação que eu procuro. Muitos de meus amigos produtores de filmes gostam de aparecer nesses programas, mas acho que daqui alguns anos eles vão acabar percebendo que aparecer nesses programas não ajuda em nada a obra deles. No Brasil, temos um grande problema: achar que a arte deve ser divulgada nos grandes veículos de comunicação do país. O que precisamos aqui é de mais revistas independentes especializadas no cinema/vídeo independente, mais blogueiros especializados no nosso estilo de se fazer cinema, que lá fora é conhecido como S.O.V. (Shot on Video), e ter mercado especializado nesse tipo de produções que estão entre o amador/profissional, virando de pernas para o ar qualquer tentativa de categorização dessas maravilhosas tralhas.

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Acha que a Marta tem que incluir seus filmes nos produtos a serem consumidos com o Vale-Cultura?
Foda-se a Marta!

Clique em qualquer uma das fotos no início do post e veja imagens extremamente perturbadoras de produções assinadas pela Canibal Filmes.

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