FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Entre Mortos e Feridos, Grampeamos Todos

O Roger Franchini revela bastidores da "maior investigação da história", aquela que denunciou 175 integrantes do PCC

O Roger Franchini é ex-investigador de polícia e escritor, autor dos romances policiais “Ponto Quarenta – a polícia para leigos”, “Toupeira – a história do assalto ao Banco Central”, “Richthofen – o assassinato dos pais de Suzane” e “Amor Esquartejado”. Se, assim como a gente, você também acompanha os blogs de denúncias internas da polícia e entende muito pouco, regozije-se com essa e outras futuras colaborações dele aqui no site.

Publicidade

Em uma rocambolesca denúncia de 800 páginas e 175 acusados, o Ministério Público de São Paulo, sem querer, resumiu a longa história de descompromisso de nossas instituições de segurança pública com o Direito.

Para entender: estamos em 2006. Rescaldada São Paulo dos ataques de maio, Antonio Ferreira Pinto ascende à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado. Na ocasião, uniu-se aos antigos parceiros do Ministério Público e o serviço reservado da PM (o P2) para organizar uma central de escutas telefônicas especializada em conversas de presidiários, sem a participação da polícia civil, tida como corrupta.

Em 2009, Ferreira Pinto é nomeado para o cargo de secretário da segurança e, como primeira medida de moralização das polícias, ordenou que as investigações relacionadas com o PCC fossem retiradas da Polícia Civil e repassadas à ROTA, grupo da Polícia Militar responsável pelo policiamento ostensivo. Na prática, foi a ruína da Polícia Civil, a quem o secretário nunca negou a antipatia.

Passados seis anos e dois governadores, Pinto bradava o fim do PCC. São Paulo estaria livre dos facínoras roubadores. Nesse período, investigadores da polícia civil notaram uma curiosa rotina nas prisões em flagrantes dos milicianos. Aparentemente, a PM, em especial a ROTA, antecipava-se ao criminoso e surgia de inopino na cena do crime. De forma inédita, aguardavam o ladrão cometer o delito para então agirem, como se tivessem o dom da premonição.

Publicidade

O problema era que, como a polícia ostensiva só tem compromisso com a cana, pouco se importava com a prova. Tudo era resolvido no local, com o julgamento sumário do ladrão.

A paciência do PCC durou até 2012, quando, incomodado com o extermínio indiscriminado de seus homens, decretou nova vendeta. Mas ao contrário da porralouquice de 2006, tinham um alvo certo: os policiais militares.

Segundo relatou um delegado da cúpula, o PCC exigia a deposição do Secretário. Caso contrário, iriam atingir a meta de 111 policiais mortos (o mesmo número de mortos no Massacre do Carandiru em 1992). Verdade ou não, entre junho e novembro de 2012 foi registrada a execução de 93 PMs. A batalha só terminou na noite de 21 de novembro de 2011, quando Ferreira Pinto “optou por deixar o cargo”.

Após sua queda, a imprensa noticiou a descoberta de uma central clandestina de escutas telefônicas no interior do Estado. Controlada pelo Ministério Público, ela estaria grampeando, além dos habituais criminosos, também jornalistas, políticos e desembargadores. Com a mesma pressa com que implodiram o Carandiru para que a história se esquecesse dos fatos, toda a estrutura da central teria sido imediatamente desmontada.

Assunto encerrado, não fosse o jovem juiz Dr. Thomaz Farqui assumir a 1ª Vara de Presidente Venceslau no final do ano passado. Mal chegou ao gabinete e encontrou um gigantesco procedimento de interceptação telefônica com mais de 500 linhas mensais. Estranhou, pois, ao contrário do que determina a lei, os grampos não investigavam alguém determinado ou um crime específico.

Publicidade

Em setembro deste ano, ele recebeu a denúncia baseada naquelas interceptações, postulando-se pela condenação e prisão de 175 acusados. Farqui aceitou a denúncia para 161 réus.

Inconformados, os Promotores levaram a história para a mídia, que ganhou o apelido de “a maior investigação da história!”. Interpuseram um recurso contra a decisão do Juiz (quem o leu afirma estar recheado de ofensas pessoais contra o magistrado), rejeitado pelo Tribunal.

Ao que parece, o MP jamais pretendeu denunciar as pessoas ouvidas na arapongagem. O grampo teria como único objetivo monitorar pessoas a fim de se anteciparem aos crimes que algum dia cometeriam. Muito útil para a realização de flagrantes pela polícia militar, porém, um desserviço para a colheita de provas necessária para a condenação do acusado.

Evidência disso é que as prisões realizadas pela PM a partir dos grampos não fizeram parte dos respectivos processos criminais. No lugar, justificariam dizendo que souberam dos crimes a partir de “denúncias anônimas”.

“A maior investigação da história” entrará para os almanaques no mesmo capítulo destinado ao Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância (G.R.A.D.I.), órgão dos anos 1990 que congregou o Ministério Público e a PM, suspeito de vendas de armas, tortura, grampos ilegais, infiltração de presos em ações criminosas e de praticar atentados com bombas para causar clima de terror e assim obter apoio da sociedade em ações no combate ao crime organizado.

Publicidade

Entre tantas instituições que fazem do Direito um instrumento para legitimar a violência e a corrupção, o PCC não parece ser o maior dos problemas da democracia.

Siga o Roger Franchini no Twitter: @franchini

Mais sobre a polícia?

Um Bom Policial

Relato de um PM