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Sexo

Eu, camgirl

A R.S. conta a grande real de como é ser uma Camgirl.
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Por R.S.
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Faz alguns meses que eu comecei a trabalhar como camgirl. Eu tinha acabado de me mudar para São Paulo e estava revezando meu tempo entre faculdade, trabalho e pontos de ônibus. Era tanta coisa para fazer que eu chegava a ficar feliz quando algum rolê miava porque daí rolava de poder dormir. Definitivamente, essa não era a vida que imaginava levar aos 21 e já estava quase voltando para a casa da minha mãe. Digo isso porque estaria mentindo se dissesse que comecei a trabalhar com isso só porque me deu vontade. O que precisava mesmo era fazer dinheiro e muito rápido.

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Também estaria mentindo se dissesse que entrei para o mundo da pornografia virtual por puro desespero e necessidade. Poderia ter feito qualquer outra coisa, mas a opção de poder ficar pelada para estranhos me pareceu de longe a mais atraente. Na real, não conseguia entender como não estava fazendo isso antes. Não posso falar por outras meninas do ramo, mas acho que sempre gostei de ficar pelada. E ficar pelada era bem mais legal se tivesse alguém vendo, por qualquer motivo que fosse. Tenho fotos de eventos familiares e sociais no decorrer de minha infância para comprovar isso. Aos 7 anos, meu maior sonho era posar para a Playboy quando crescesse (lógico que eu não sabia o propósito da revista na época). Minhas ambições na vida felizmente são um pouco maiores hoje em dia, mas acho que não mudou muita coisa. A possibilidade de ter pessoas de todos os cantos do mundo me admirando e, melhor ainda, me pagando para isso, é tão atrativa para mim que chega a beirar ao fetiche. Daí porque considerei uma forma rápida e fácil de me sustentar sem ter que me rastejar para fora de casa todo dia de manhã até um trabalho que me faz perguntar se a vida inteira se resume a engolir sapo e tomar na bunda (descobri que a resposta é sim, mas você pode fazer isso do conforto de sua casa e ainda escolher o buraco se for esperta).

Então, eu estava determinada a tentar, só não fazia ideia de como começar. Eu não conhecia ninguém que fizesse isso abertamente para poder conversar a respeito e, sinceramente, suspeitava muito desse tipo de site. Foi aí que um amigo me passou o perfil no Facebook de uma menina que já trabalhava na área há um bom tempo e agora agencia outras meninas que querem trabalhar com isso. Ela me ajudou com tudo, e o tamanho da burocracia e papelada para ser resolvida até eu conseguir minha primeira conta foi impressionante. Sou realmente grata por ter encontrado essa menina, porque foram inúmeros investimentos em tecnologia e na minha aparência, sem contar com os macetes que ainda tenho que aprender todos os dias. Por isso, eu não recomendaria a quem quer ser camgirl a começar logo de cara a trabalhar de forma autônoma. A não ser, claro, que você entenda de marketing, economia, administração, programação e fale no mínimo duas línguas fluentemente.

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Óbvio que no meu primeiro dia on-line eu estava bem nervosa. Acho que meu maior medo era que isso fosse de alguma forma algo terrivelmente degradante, contra todos os meus valores e que, quando eu percebesse, ia ser tarde demais e teria que viver com o peso disso para o resto da vida. Dramática, eu sei. Mas a vida toda meio que sempre me senti mal por não sentir culpada em relação a coisas que a maioria das pessoas consideram tabu. Eu nunca entendi a ligação entre meu valor como ser humano e minha vida sexual. E desde bem nova percebi que meu conforto com a minha própria sexualidade provocava certa raiva irracional nas pessoas à minha volta. Como quando perdi a virgindade e o bairro inteiro ficou sabendo antes do meu ginecologista, por exemplo. Então, com o tempo, acabei aceitando o fato de era eu quem estava errada; calei minha boca e tentava ser o mais parecida possível com o que eu julgava normal, até aquele momento.

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Foi daí que a coisa mais incrível aconteceu: depois do primeiro dia de trabalho, eu não me sentia cansada, culpada, vendida ou qualquer coisa parecida – eu me sentia mais que bem, realizada. Pela primeira vez na vida, eu senti que era boa no que eu estava fazendo, eu me senti merecedora do dinheiro que ganhei. Além de tudo, eu me senti gostosa. Todo um histórico de inseguranças e neuroses que eu carregava desde a adolescência em relação ao meu corpo e até à minha pessoa desapareceram em questão de uma semana. Eu tinha caras brigando pela minha atenção, me dando dinheiro porque gostaram do meu sorriso, perguntando se eu "era real", e me chamando de gostosa e linda o dia inteiro. Caras tinham ejaculações precoces na China sem eu nem precisar tocar neles, o que fez milagres pela minha autoestima. O fato de ter que cuidar do meu corpo e me arrumar todo dia também me ajudou bastante: todo dia eu me olho no espelho e me sinto bonita, eu não tinha ideia da diferença que isso faz na vida de uma pessoa. Eu desenvolvi um orgulho enorme de mim e da minha profissão, de verdade. Só não "saí do armário" propriamente até hoje por fatores externos mesmo.

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Infelizmente, não é qualquer um que encara minha profissão com naturalidade e respeito, e eu tenho certeza de que muitas pessoas não vão lidar bem com a informação. E não é nem por meus amigos e conhecidos, acho que vai ser um filtro social interessante na minha vida quando isso finalmente acontecer, é mais pela minha família. Eles sempre me apoiaram em tudo que eu quis fazer, mas tenho certeza de que não vão aceitar isso facilmente. Eles são da época em que profissionais do sexo era obrigadas a viver às margens da sociedade, e acho que eles também não assistem ao Big Brother. Eu achei engraçado quando veio a notícia de que tinha uma camgirl no programa, porque houve toda aquela discussão e a maior parte das pessoas que eu conheço se mostrou favorável, mas eu tenho certeza que o assunto seria totalmente diferente se eles soubessem que era eu fazendo a mesma coisa. Ninguém imagina que a camgirl pode ser sua amiga, sua irmã, sua filha.

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Quando eu pensei que essa seria uma forma rápida e fácil de fazer dinheiro, eu estava tragicamente errada sobre a parte do "fácil" e caí por terra logo nos primeiros meses. Foi aí que eu percebi meu erro: eu não estava encarando meu trabalho como um emprego normal, eu ainda encarava a coisa toda como a maior parte das pessoas. Como algum tipo de esquema da internet em que rios de dinheiro iam chover em mim pelo simples fato de eu ser bonitinha e mostrar os peitos. É que a coisa toda é realmente mágica no começo. Quando você é nova nos sites, seu perfil aparece no topo das listas, fora que a procura por tags como "new model", "new girl", etc. é enorme, daí chove guests (o nome dado pelos sites para os usuários) na sua sala. Fora que no começo é tudo muito mais excitante, faz aquele ditado furado de "trabalhe com algo que goste e você nunca terá que trabalhar um dia em sua vida" quase parecer verdade. Afinal, eu estava recebendo quase três vezes mais do que eu receberia num trabalho "normal", só que pelada e fumando um baseado no conforto da minha cama.

Só que um dia você deixa de ser novidade e descobre que de rostinhos bonitos e bundas perfeitas a internet está cheia, fora que não são todos os dias que uma garota acorda com vontade de ser simpática e sensualizar na webcam, e é aí que esse trabalho fica igualzinho a qualquer outro: eu dependo do meu próprio esforço, comprometimento e profissionalismo (leia-se: ter a paciência de um monge tibetano, postura de bailarina, jogo de cintura e uma vontade incontrolável de requebrar o quadril seminua, no meu caso) para obter algum resultado positivo. Se você entra nessa esperando dinheiro fácil e pouco trabalho, vai se desanimar bem rápido. E os motivos para me desanimar, na verdade, eram muitos: as porcentagens absurdas que os sites pegam do nosso pagamento (até 65%), o jeito como profissionais do sexo são ignoradas ou banidas pela maioria dos serviços on-line e off-line – o que dificulta desde a legitimação do meu trabalho até a forma como sou paga, já que grande parte dos serviços de transação de dinheiro pela internet tem uma política de tolerância zero para pornografia – e ainda ter que mentir constantemente para quase todo mundo sobre o que eu faço da vida são alguns exemplos. Mas eu ainda preferia isso a ter que me obrigar todo dia a fazer algo que não me faz feliz só por dinheiro. Isso sim estava fora dos meus limites.

Outro aspecto negativo do trabalho são os pervertidos mal-educados e as coisas estranhas com as quais sou obrigada a me deparar eventualmente. Mas isso não é de todo ruim: algumas das taras com que já me deparei eram realmente muito bizarras e me fizeram questionar como e quando foi que a gente ficou tão doente (pedofilia, escatologia e bestialidade são só a ponta do iceberg), mas algumas eram realmente divertidas. Como, por exemplo, o cara que até hoje me paga para mascar chiclete e fazer bolhas – ele agenda horário e me avisa com antecedência qual marca ele quer para o próximo show – ou o cara que me pagou para vestir uma bota de cano alto e… pisar no chão, só. Também, para cada pervertido mal-educado com suas ofensas e demandas monossilábicas em inglês precário, existem pelo menos 2 ou 3 guests regulares e realmente gente boa que te defende e coloca o anônimo exigente em seu devido lugar, o que dá um senso de comunidade muito legal para a coisa. Fora que, com exceção desses casos isolados de homens digitando com uma só mão e meio neurônio, os caras em geral são surpreendentemente respeitosos por lá. Eu gosto porque é um lugar onde as intenções das pessoas são transparentes, nenhum cara vai vir falar com comigo dizendo que quer ser meu amigo ou trabalhar comigo quando, no fundo, quer mesmo cheirar minha calcinha. E eu não vou fingir me interessar romanticamente em um cara quando no fundo só quero a grana dele. Nunca fiz isso. Cada guest tem sua pira e meu trabalho é entender e atender a necessidade de cada um dentro dos meus próprios limites.

A necessidade de uma quantidade considerável deles acaba por se sentir amado – acho que isso anda bem em falta ultimamente – e eu dou isso a eles, mas eles entendem que estão comprando minha atenção e que por mais que eu venha a desenvolver simpatia e carinho por eles, isso ainda é uma transação comercial. Alguns nem querem que eu tire a roupa, só querem conversar. A grande maioria quer mesmo ser entretido, ver umas gostosas peladas e garantir uma boa punheta. Tem até aqueles que querem que eu ria de seus mini pênis enquanto eles usam roupas de mulher e brincam com vibradores. E é lógico que eu também dou isso a eles, quem sou eu para julgar? Tudo com preço devidamente pré-estabelecido, pagamento em antemão e nada com que eu não me sinta confortável, claro. Acho minha profissão muito mais honesta do que a maioria.