Ultras, Anarquistas e Conflitos nas Ruas do Egito

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Ultras, Anarquistas e Conflitos nas Ruas do Egito

Uma série aparentemente sem fim de confrontos entre forças disparatadas da revolução e as instituições ainda não reformadas do Egito.

Cerca de um mês atrás, assim que escureceu numa noite de sexta, manifestantes pró-democracia de todo o Egito se juntaram para uma longa noite de conflito com a polícia, depois de um dia de marchas principalmente pacíficas lembrando o segundo aniversário da revolução que derrubou o ditador Hosni Mubarak.

Numa repetição trágica dos eventos do levante inicial, nove pessoas morreram nas batalhas entre a polícia e os manifestantes na cidade de Suez, de acordo com a agência de notícias estatal. As primeiras fatalidades da revolução em 2011 também aconteceram em Suez.

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Esse foi o caso mais recente de violência numa série aparentemente sem fim de confrontos entre forças disparatadas da revolução e as instituições ainda não reformadas do Egito.

As brigas duraram horas nas proximidades do quartel-general de uma dessas instituições, o Ministério do Interior. Na Rua Yousef El-Gindi, onde o governo construiu um muro para impedir que os manifestantes se aproximassem do ministério, os combates aconteceram na tarde de sexta num ritmo violento. A multidão formada principalmente por jovens e adolescentes se aproximava do muro do governo que bloqueava o acesso ao ministério para jogar pedras e eventuais coquetéis molotov nas tropas de choque posicionadas do outro lado.

Depois disso, bombas de gás lacrimogêneo começaram a vir do outro lado do muro, dispersando os manifestantes que saíam cambaleantes e com as caras vermelhas de dor. Ambulâncias atravessaram a multidão duas vezes para evacuar jovens inconscientes que foram carregados da linha de frente por seus camaradas. Policiais com equipamentos da tropa de choque apareceram nos telhados além do muro, atirando pedras e detritos para baixo nos manifestantes. Fogueiras foram acesas nas ruas.

Durante uma pausa nos ataques com gás, no cruzamento entre a Yousef El-Gindi e a rua Mohamed Mahmoud, um idoso de óculos se aproximou de mim e perguntou de onde eu era. “América!”, exclamou quando ouviu minha resposta. E completou: “Foi a América que deu o gás às forças de segurança!”. Antes que eu pudesse perguntar o nome do velho, outra bomba passou zumbindo pelo cruzamento, dispersando a multidão novamente.

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Cenas parecidas se desdobraram em cidades por todo o Egito. No Cairo, manifestantes também lutaram com a polícia do lado de fora do palácio presidencial, nos prédios da TV e da rádio estatais e em vários outros pontos. Os manifestantes também teriam bloqueado o metrô do Cairo. Em Suez, imagens na televisão mostravam o prédio da capital da província em chamas. Pelo menos um escritório da Irmandade Muçulmana foi incendiado. Ao anoitecer, mais de 260 pessoas estavam feridas, de acordo com o Ministério da Saúde.

Mais violência era esperada em decorrência do anúncio do veredito no julgamento da morte de mais de 74 pessoas em combates entre os torcedores do popular time de futebol do Cairo, o Al-Ahly, e o time local da cidade de Porto Said. Pelo menos 30 pessoas, incluindo dois policiais, foram mortas em conflitos em Porto Said depois que a corte anunciou sentenças de morte para 21 dos acusados no caso. As famílias dos condenados tentaram invadir a prisão onde eles estão sendo mantidos.

Os Ultra Ahlawy, um grupo anarquista secreto de hooligans cuja experiência com brigas de rua foi crítica para a virada da onda durante a revolução, têm exigido vingança contra aqueles que acreditam serem responsáveis pelas mortes de seus camaradas. Na página do Facebook deles, o grupo prometeu semear o “caos” se o tribunal não condenar os 73 acusados, incluindo oficiais de segurança, torcedores rivais e outros três oficiais do clube Al-Masry.

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Em antecipação ao veredito, os Ultras, com seus gritos de torcida e espírito combativo que são características chave de muitos protestos no Cairo, começaram uma campanha na quarta-feira, bloqueando a entrada da bolsa de valores, fechando uma estação de metrô e bloqueando a Ponte 6 de Outubro.

Os Ultras também apareceram rapidamente na Rua Qasr Al-Aini, onde manifestantes mascarados usaram grandes canos de metal para derrubar parte do muro erguido pelas forças de segurança. Os manifestantes já estavam trocado pedras e bombas de gás lacrimogêneo com os policiais por horas quando os Ultras apareceram com um rugido, disparando lança-chamas e apontando pequenos lasers verdes nas tropas do governo do outro lado do muro.

Até a tarde, sexta tinha sido uma grande demonstração pacífica de força, incluindo um grande comício na Praça Tahrir organizado pelos movimentos de oposição. O governo atual é liderado pela Irmandade Muçulmana afiliada ao presidente Mohamed Morsi, que alienou os revolucionários em 2012, dando a si mesmo amplos poderes e depois apressando a aprovação de uma constituição divisiva.

Uma marcha saiu do bairro de classe média alta de Mohandesin, no Cairo, procedendo sob a luz do sol ao longo da margem do rio Nilo, atravessando a Ponte 6 de Outubro, passando pelos escombros dos escritórios centrais do Partido Nacional Democrático de Mubarak (incendiados durante a revolução), até a Praça Tahrir.

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A marcha cresceu em tamanho e diversidade até se assemelhar ao que muitos manifestantes lembram como “os 18 dias” de levante contra Mubarak: jovens e velhos, homens e mulheres, famílias. Centenas de bandeiras foram desfraldadas. Um homem segurava um cartaz que dizia “Abaixo a ocupação da Irmandade Muçulmana”.

O tom otimista da marcha mascarava uma amargura subjacente entre os manifestantes, muitos dos quais expressam agora dúvidas profundas quanto ao resultado da revolução.

Unindo-se à marcha na rua da Liga Árabe, a gerente de banco Nermine El-Tahri, de 51 anos, contou que voltou ao Egito em 2008 depois de morar por anos na Inglaterra, mas que considera partir novamente por temer a futura consolidação de poder da Irmandade Muçulmana e por causa da economia. “Tivemos essa revolução para que algo pudesse ser feito pelos pobres”, ela disse, “mas agora tudo está pior do que era antes da revolução”.

El-Tahri continuava caminhando com a marcha quando a manifestação virou a margem do Nilo. Ela apontou um homem barbado vestido com a túnica jellabiya tradicional. Julgando que o homem fosse um religioso, ela disse: “Isso é um sinal de que a revolução está tendo sucesso”.

O nome do homem era Nabil Abdel Rahmani, de 45 anos, representante de vendas de uma confecção. “Não queremos um governo da Irmandade”, ele disse. “Não estamos contentes com a Irmandade e não estamos contentes com o Obama”, ele disse, lançando em seguida um discurso inflamado sobre a sempre mencionada teoria da conspiração de que os Estados Unidos estão apoiando a Irmandade Muçulmana, o que provocou aplausos na multidão em volta.

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