VICE BR - GamesRSS feed for https://www.vice.com/es/section/gameshttps://www.vice.com/es%2Fsection%2Fgames%3Flocale%3Dpt_brptWed, 23 Sep 2020 22:27:14 GMT<![CDATA[‘Among Us’ não é só o jogo de 2020, é ‘2020: O Jogo’]]>https://www.vice.com/pt_br/article/ep43yz/among-us-nao-e-so-o-jogo-de-2020-e-2020-o-jogoWed, 23 Sep 2020 22:27:14 GMTO sucesso de Among Us surpreende quando você lembra como esse jogo multiplayer de “encontre o impostor”, da desenvolvedora Innersloth, foi lançado sem muita fanfarra em junho de 2018, e quase não conseguia juntar jogadores simultâneos suficientes para preencher mais que algumas partidas nos primeiros meses.

Mas acontece que Among Us foi lançado dois anos cedo demais. Esse era um videogame para 2020, a realidade é que precisava alcançá-lo.

Nos últimos meses, Among Us está ganhando cada vez mais jogadores, e agora tem mais de 85 milhões de downloads para celular e centenas de milhares de pessoas jogando ao mesmo tempo nos horários de pico. Os servidores antes vazios estão tão sobrecarregados que às vezes é difícil hospedar o jogo. Mais importante, o jogo se infiltrou na cultura popular, com streamers e youtubers famosos juntando milhões de visualizações com os vídeos do game.

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Mas por quê? Por que esse jogo e por que neste momento?

A premissa de Among Us é simples. Nele, a maioria dos jogadores trabalha cooperativamente e são, no geral, “bons”, pelo menos no sentido em que estão correndo pelo cenário completando uma lista de tarefas designadas para permitir que o grupo todo sobreviva, e não planejando assassinar alguém. Mas entre os jogadores bons haverá impostores cujo trabalho é matar a tripulação antes que ela possa completar suas tarefas. No cerne, Among Us tenta recriar um tipo de tensão cinematográfica que você esperaria do Posto Avançado #31 no Ártico em O Enigma de Outro Mundo, ou a bordo da Nostromo em Alien, só que mais colorido e com um senso de humor quase maníaco na coisa toda. 

Além das comparações óbvias com filmes, tem alguma coisa nesse jogo que soa na mesma frequência da experiência prática de estar vivo no ano de 2020. Among Us é cheio de crises que vão se acumulando, e pessoas presas numa sensação de isolamento enquanto tentam resolver problemas para os quais não estão muito bem preparadas. Nesse mundo desmoronando, o jogo introduz agentes de má fé com o propósito de, além de gerar violência, criar desconfiança e distração. Mesmo quando morre no jogo, você ainda pode trabalhar como um fantasma, tentando afastar o fracasso aparentemente inevitável, o que, em si, é outra metáfora que implora por um exame.

Aqui no mundo real, quase todo dia tem um novo presságio que antes seria visto como monumental, mas agora parece só mais um dia numa loja de pesadelos. Então, quando os alarmes disparam em Among Us avisando os jogadores que o oxigênio foi sabotado e todo mundo está prestes a morrer asfixiado, sinto uma afinidade com o jogador que olha em volta resignado, e parece pensar “é, o Vermelho provavelmente resolve isso”.

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No final das contas, muito de Among Us é só um monte de gente tentando fazer seu trabalho sem morrer, um sentimento que compreendo no fundo da minha alma. Me sinto conectado com esses homenzinhos provavelmente condenados toda vez que entro numa reunião no Zoom para uma “revisão de portfólios”, enquanto o mundo, bem literalmente, pega fogo.

Então, quando um jogador azul está parado lá esperando um arquivo ser baixado para riscar outra tarefa da lista, ao mesmo tempo que fica na expectativa de alguém chegar por trás e esfaqueá-lo, essa parece uma emoção basicamente 2020. 

É de um jeito quase mundano que Among Us cria um cenário que parece presciente desse futuro vagamente exaustivo em que todo mundo está preso agora. Você está trancado num ambiente em decomposição, que proíbe cooperação organizada com pelo menos um traidor, que pode e vai te matar no momento certo, mas que enquanto isso pode simplesmente varrer as folhas e tirar o lixo? Aqui em 2020 chamamos esse sentimento de “terça-feira”.

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Mas tudo isso não capturaria o zeitgeist se Among Us não levasse as coisas um importante passo além. Esse não é um jogo apenas sobre a condenação resignada de uma classe trabalhadora marginalizada e abusada. É um jogo sobre comunicação, e como abusar dela para tirar vantagem.

A parte mais importante de Among Us não acontece nos confinamentos de alguma espaçonave ou base num vulcão. Acontece na sala de reunião, com uma tela mostrando quem morreu e quem ainda está vivo, porque esse é o único lugar em que você pode realmente conversar com os outros jogadores. E, mais importante, apontar o dedo na cara de quem estava perto demais daquela saída de ar, ou falar de algo suspeito que outro jogador fez quando vocês estavam falando pelo comunicador.

Funciona assim: se alguém cruza com um cadáver enquanto está passando por sua lista de tarefas, o jogador pode informar o crime. Além disso, uma vez por partida, por padrão, cada jogador pode pedir uma reunião de emergência. Nos dois casos, o grupo todo se junta para conversar enquanto um timer mostra os segundos que restam para chegar num consenso. De repente, esse jogo silencioso vira uma cacofonia de acusações, recriminações, álibis e súplicas, com cada jogador tentando explicar por que é inocente ou por que outro jogador deve ser jogado da câmara de descompressão.

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Na metade do tempo, enquanto os gritos e reclamações vão aumentando, começo a sentir falta do silêncio de subir dados no computador enquanto um assassino me observa das sombras.

Esse é um estudo de caso sobre como a fabricação do caos destrói comunidades. Geralmente, o traidor não precisa fazer afirmações certeiras sobre sua inocência, só achar um bode expiatório plausível ou jogar a desconfiança contra o acusador certo. O caminho para a vitória para o impostor é perceber quantas coisas todo mundo está tentando acompanhar, e capitalizar sobre as falhas e memórias incertas. Quando o verde não lembra exatamente quais tarefas ainda tem, você o acusa de ser um traidor. Quando o amarelo fica contando a mesma história (verdadeira) de como você matou alguém na sala de eletricidade, distorça essa certeza persistente como prova de um golpe. A pessoa que entra sem querer numa cena de crime tem tanta chance de ser jogada no vulcão quanto o homenzinho azul com uma faca ensanguentada na mão. É como diz o ditado, o X-9 acorda com a boca cheia de rocha derretida.

Mas a morte não significa liberdade em Among Us. Muitas vezes, a parte mais difícil vem depois que seus colegas se voltam contra você. É ficar ouvindo em silêncio a próxima conversa, como um fantasma que julga, vendo o traidor que te matou jogando um feitiço em outra pessoa e o mesmo padrão acontecendo com um novo coitado. É o mesmo jeito como me sinto toda manhã vendo que novas fabricações aparecem no jornal matutino, ou que nova piada política acontece no mundo.

Tudo isso provavelmente faz parecer que Among Us é um exercício sombrio e triste, mas não é. Sua apresentação esconde o tema sombrio, e é uma adição muito bacana para uma ideia central antiga de se divertir enquanto atrapalha seus amigos. Em algum ponto, o jogo acaba, alguém ganha, alguém perde e na maioria das vezes — nem sempre, mas na maioria — todo mundo volta a ser amigo. A fase de descompressão entre as partidas, quando os jogadores se reúnem no saguão, é um momento para parabenizar golpes bem elaborados ou lamentar erros estratégicos. Risadas, um pouco de ressentimento e no final, uma reconciliação, significando que tudo acaba bem.

Essa reafirmação da base talvez seja a parte menos 2020 do jogo. Among Us mergulha na tensão e sensação de desgraça iminente, mesmo para o impostor, que pode ver todos esses humanos irritantes fazendo progresso contínuo para evitar uma catástrofe bem planejada. Mas a tensão de Among Us tem um fim. A tensão cresce, se resolve e te liberta. E esse alívio é a parte mais difícil de se identificar no momento. Talvez algum dia, mas o momento em que o pêndulo reseta em vez de passar cada vez mais perto em cada balanço parece um sonho bom que tive muito tempo atrás.

Talvez essa seja a razão mais importante para Among Us ser um sucesso agora. Esta provavelmente é uma época que a maioria das pessoas não ia querer ver refletida de volta para elas. Ainda assim, aqui você tem um jogo com muitos paralelos com nosso momento atual, menos a resolução. E talvez essa seja a parte que buscamos mais que tudo. A sensação de passar por um pesadelo e sair do outro lado. A ideia de que talvez, só talvez, depois que o caos se resolver, poderemos voltar para algo que parece a nossa casa.

Por outro lado, talvez voltar para um lugar onde todo mundo ri daquela vez em que quase jogamos um de nós pela câmara de descompressão não devesse ser necessariamente o objetivo. Não sei. Só sei que que tenho que preparar os escudos e impedir que o reator derreta, e acho mesmo que aquele cara ali está tentando me matar. Estou ocupado agora. Você resolve isso aí.

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<![CDATA[As políticas surreais da tentativa do ‘Fortnite’ de parodiar o comercial ‘1984’ da Apple]]>https://www.vice.com/pt_br/article/g5p3gx/as-politicas-surreais-da-tentativa-do-fortnite-de-parodiar-o-comercial-1984-da-appleWed, 19 Aug 2020 21:06:38 GMTDe toda a treta jurídica acontecendo entre a Epic Games e a Apple na última semana, um dos momentos mais bizarro foi o lançamento do “Nineteen Eighty-Fortnite”, uma paródia dentro do jogo do famoso comercial “1984” da Apple. Na época, a Apple estava criticando o monopólio de computação da IBM.

Como a maioria dos jogadores de Fortnite nasceu uma década depois que o comercial foi ao ar, é fácil questionar a escolha de fazer essa referência específica. Discutimos o comercial, as ramificações legais e econômicas do processo, “escolher um lado” quando corporações brigam, e os games que estamos jogando neste episódio de Waypoint Radio. Leia um trecho e ouça o episódio completo abaixo.

Rob: Uma pergunta pra vocês, eles estão realmente usando crianças como armas? Vi o comercial e pensei “A garotada realmente se identifica com isso?”

Austin: Não. Acho que eles falharam aqui, mas o objetivo era fazer a #freefortnite entrar nos trending topics.

Rob: Acho que [o comercial] era voltado para os políticos.

Austin: Acho que era para os desenvolvedores.

Rob: Ou você é um nerd da tecnologia tipo “Piratas do Vale do Silício é meu filme favorito, cara, vamos misturar Piratas do Vale do Silício com Steve Jobs!”

Patrick: Leia o que Tim Sweeney escreveu sobre política e você consegue ver a linha de pensamento para ele achar “é, o comercial 1984, inteligente”, e isso desmorona imediatamente sobre qualquer escrutínio real das políticas que eles estavam tentando mostrar. Quer dizer, talvez seja algo voltado para os políticos, não sei. 

Austin: Acho que era voltado para os jornalistas, tentando virar notícia às 16h de uma quinta-feira. É tipo um click bait, tipo “olha o que eles estão tentando fazer!”

Patrick: É uma ideia inteligente, mas a coisa que eles apresentaram é péssima. Mas olhando agora pra tudo que aconteceu naquele dia, mesmo que logo ficou claro que era tipo uma arte performática até certo ponto, quando foi a última vez que vimos algo assim? Posso pegar alguns dos objetivos deles e algumas das consequências disso, mas pelo que sei, não lembro da última vez que vi algo se desenrolar assim.

Austin: Não, eu vi a luta aqui, entende o que eu digo?

Patrick: O espetáculo da coisa.

Rob: Você chamou de uma obra!

Austin: Chamei de uma obra, era uma obra! Imediatamente, assim que o comercial foi pro lado do vídeo 1984, pensei “Ah, é uma obra”. E é um bom truque, a coisa incrível do Tim Sweeney basicamente chegando e mostrando uma camiseta NWO por baixo? Mas não quer dizer que se estou ao mesmo tempo reconhecendo isso como uma obra, significa avaliar isso naquele nível e não avaliar no nível de todo mundo aqui sendo completamente sincero ou que não há sinceridade aqui.

Patrick: E essa é a questão, quando saiu o comercial, ver certos membros da comunidade de videogames imediatamente começarem a usar a hashtag, tipo: “peraí, gente? Não, né”.

Austin: Sim, eu não quero ler outros tuítes, eu não vou entrar nesse jogo, mas sabendo que algumas pessoas–

Patrick: Não, não vamos entrar nessa. Faça seu próprio trabalho!

Rob: Só estou dizendo que, naquele final de semana, conferindo a hashtag, não parecia que os jovens tinham se juntado à revolução.

Austin: Não, porque eles não entenderam a referência, eles acharam brega, e todos eles querem que seus pais consigam um trabalho de novo!

Patrick: Além disso, o que a garotada deveria fazer aqui, não há realmente um chamado para ação no vídeo, você não vai ligar para o seu congressista, o que você deve fazer?

Rob: O sunrise movement mas para IPs.

Patrick: É isso que quero dizer! Eles provavelmente estão numa conta da família na loja de aplicativos. Para quem eles vão reclamar, eles vão marcar a Apple no Twitter? A garotada não usa Twitter! Eles estão no TikTok!

Austin: TikTok #freefortnite.

Rob: O comercial é totalmente sobre Geração X e boomers que se importam com a mística da Apple, e eles realmente pensaram que, a menos que você esteja se iludindo, eles sabiam que a garotada não ia entender a referência mas esse não era o ponto. O ponto era chamar atenção dos jornalistas ou pessoas da comunidade de tecnologia no Capitólio, pelos menores padrões de alfabetismo tecnológico do Capitólio, e apontar pra eles, tipo, “Ei, a Apple costumava ser legal, a Apple costumava se colocar como uma inovadora contra abuso dos monopólios, e agora eles são só mais um fendendo a monopólio”. E acho que essa era a única mensagem real aqui. Se isso deveria levar a garotada pras ruas, parece que não funcionou.

Ricardo: No TikTok, algumas das hashtags nos trendings agora: #Actionlines tem 5,7 milhões de visualizações. #rockingincollege tem 17,5 milhões. Estou dizendo isso para estabelecer uma base. #freefortnite não está tecnicamente nos trendings agora, mas teve 90,6 milhões de visualizações.

Austin: Ah, tudo bem.

Ricardo: Sim, então talvez eles estejam usando uma plataforma diferente.

Austin: Fiz um link para essas hashtags para vocês estudarem. Algumas são só vídeos de Fortnite.

Ricardo: Sim, essa é a questão, eles não dizem nada sobre o comercial, mas estão usando a hashtag, fazendo parecer que tem muita gente falando sobre isso.


Essa transcrição foi editada para maior clareza. O que foi discutido: Epic processa a Apple 1:20, Microsoft Flight Simulator 39:14, Take on Helicopters 1:05:33, Blasphemous 1:14:22, Remnant: From the Ashes 1:18:07, e-mails 1:25:29.

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<![CDATA[Uma conta falsa no Twitter trolou os fãs da Nintendo desesperados por novos jogos do Switch]]>https://www.vice.com/pt_br/article/z3eqy4/uma-conta-falsa-no-twitter-trolou-os-fas-da-nintendo-desesperados-por-novos-jogos-do-switchTue, 21 Jul 2020 20:46:45 GMTSem novos jogos com lançamento previsto para 2020, os fãs da Nintendo estão tão sedentos por qualquer informação que foram enganados para assistir um vídeo muito NSFW no Twitter ontem. O perfil foi feito para parecer uma conta oficial do Twitter em modo stealth e aparentemente parte de um novo jogo F-Zero, mas era tudo mentira.

Essa é a mesma base de fãs que começou a idolatrar uma camgirl anônima, que dizia que seus clientes estavam vazando detalhes sobre os novos games da Nintendo pra ela.

Depois do lançamento de Paper Mario: The Origami King, a lista de anúncios de jogos da Nintendo não está nada clara. Sabemos que eles estão trabalhando em jogos como Breath of the Wild 2 e Metroid Prime 2, mas provavelmente nenhum dos dois será lançado este ano. Ontem dois jogos Atlus foram anunciados para Switch, mas só chegam em 2021. A E3 geralmente dá algumas dicas do futuro, mas o evento não aconteceu este ano por causa do COVID-19. O novo coronavírus empatou o ano de vários jeitos, e provavelmente vai provocar atrasos em vários jogos.

A Nintendo faz bastante segredo, e numa época tão incerta, não é surpresa que eles estejam sendo cuidadosos. A empresa não respondeu os pedidos de comentário da VICE Games.

Você tem alguma informação sobre no que a Nintendo está trabalhando? Usando um telefone ou computador que não seja do trabalho, entre em contato com Patrick Klepek com segurança no Signal em 224-707-1561, ou por e-mail em patrick.klepek@vice.com.

Sendo assim, os fãs vão preencher o vácuo de informação com rumores e boatos que se encaixem em suas vontades.

vários relatos confiáveis sugerindo que a Nintendo vai comemorar o aniversário de 35 anos do Mario com relançamentos atualizados para Switch, mas até agora a empresa não anunciou esses planos. Alguns dias atrás, um leitor do site Video Game Chronicle causou rebuliço apontando a conta @SuperMario35th no Twitter e sugerindo que ela poderia ser oficial, já que tinha um endereço de e-mail em comum com outras contas da Nintendo no Twitter.

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A conta foi registrada em março. É comum que empresas de videogame registrem contas nas redes sociais para os próximos anúncios com meses de antecedência.

Se você usa a opção de resetar a senha no Twitter, a plataforma vai perguntar se você quer que eles mandem o link pra isso para o endereço de e-mail registrado, que aparece na maior parte com asteriscos por motivos de segurança, mas no caso aqui, dá pra ver que ele começa com as letras “ml”. O que chamou a atenção do leitor era a parte @n*******.**.**. Não é difícil adivinhar que o domínio é nintendo.co.jp. E tem e-mails parecidos associados com as contas de Splatoon e Smash Bros. no Twitter.

A VICE Games conseguiu verificar de maneira independente que esses e-mails parciais são associados com essas três contas.

O perfil incendiou o fandom da Nintendo, onde só precisa alguém soltar qualquer boato para causar pânico, e logo foi impulsionada por indivíduos como OatmealDome, um conhecido minerador de dados da comunidade da Nintendo, que jurava que a conta era legítima. Em um dos casos, o usuário do Twitter e fã da Nintendo Thomasnet_mc até disse que tinha “visto o verdadeiro e-mail para registrar @supermario35th”.

Entramos em contato com Thomasnet_mc, que explicou seu processo. Se a conta no Twitter tem a opção “proteção de reset de senha” ligada, o usuário precisa digitar corretamente o e-mail associado com a conta para que o Twitter envie o link de reset. Se o usuário digita o e-mail errado, o Twitter não passa para a próxima fase do processo. Thomasnet_mc conseguiu usar informações públicas para adivinhar o que o e-mail verdadeiro poderia ser e — voilà — ele incluía um endereço real e aparentemente funcionando da nintendo.co.jp. E o Twitter mandou o link de reset.

A VICE Games consegui reproduzir o mesmo processo.

Com a legitimidade da conta aparentemente estabelecida, não é surpresa que as pessoas tenham começado a procurar outros perfis, que foi como a gente acabou na lambança do F-Zero NSFW.

A conta @FZeroJP tinha características parecidas, com a função de reset de senha, dando um endereço começando com “ml” e terminando com @n*******.**.**. Além disso, 2020 é o aniversário de 30 anos do F-Zero, uma franquia tristemente negligenciada da Nintendo. O último lançamento de F-Zero foi F-Zero GX para GameCube em 2003, o que significa que faz quase 20 anos que a empresa mexeu no jogo de corrida pela última vez. Então parecia uma boa hora para uma atualização.

E foi assim que acabamos com algumas matérias falando sobre um possível novo F-Zero.

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É assim também que você engana vários fãs ansiosos da Nintendo. Mais cedo hoje, a conta, registrada em março, quebrou seu silêncio e tuitou um vídeo bizarro e vagamente pornográfico com a música mais icônica da trilha sonora original de F-Zero.

Thomasnet_mc, a mesma pessoa que aparentemente desvendou o código da conta do Mario, já estava dando sinal vermelho sobre F-Zero desde o começo, e suspeitava que alguém estava trolando o fandom. E ele estava certo.

“Mandem qualquer conta que vocês encontrarem para eu testar antes, por favor!”, ele tuitou hoje.

Se temos alguma coisa que a gente sabe com certeza sobre o fandom da Nintendo é que o pessoal vai achar um novo boato pra ficar obcecado logo logo, mesmo são não for muito confiável.

Siga o Patrick no Twitter. O e-mail dele é patrick.klepek@vice.com e você pode entrar em contato com ele com segurança pelo Signal (224-707-1561).

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<![CDATA[Por que gamers profissionais americanos estão recebendo empréstimos do governo]]>https://www.vice.com/pt_br/article/v7gzdd/por-que-gamers-profissionais-americanos-estao-recebendo-emprestimos-do-governoMon, 13 Jul 2020 20:49:37 GMTSe por acaso você estava num retiro no meio do mato sem celular desde o final de fevereiro, temos uma notícia: a economia está mais esculhambada que nunca. Dizer que o governo dos EUA está tentando remediar a situação seria bem generoso, mas um dos exemplos mais visíveis disso é o Paycheck Protection Program, chamado coloquialmente de empréstimos PPP. Esses empréstimos visam garantir que negócios continuem pagando seus funcionários mesmo se estão perdendo dinheiro, e vários tipos de empresas se inscreveram para receber o benefício – incluindo organizações de esports.

A United States Small Business Association, a agência que comanda o Paycheck Protection Program, define esses empréstimos como um “incentivo direto para pequenas empresas manterem seus trabalhadores na folha de pagamento”. Mesmo sendo necessário atender vários critérios para se qualificar para o programa, a definição de “pequenas empresas” tem sido um pouco frouxa na prática. O Los Angeles Lakers se inscreveu e recebeu mais de quatro milhões de dólares do programa, mesmo tendo devolvido o dinheiro. Enquanto esportes profissionais podem não voltar ao normal tão cedo, é difícil pensar no Lakers como uma pequena empresa.

A noção de que o dinheiro dos PPPs está sendo drenado por grandes negócios em vez canalizado para lojinhas familiares tem rendido uma reação negativa contra as empresas que os receberam. Essa informação está disponível para o público no site da Small Business Association, e as empresas que receberam empréstimos de mais de $150 mil são listadas por nome. Depois que usuários do Reddit descobriram que algumas organizações de esports como o Faze Clan receberam empréstimos de mais de $150 mil, o pessoal da internet ficou tão puto quanto com o caso do Lakers. Um vídeo do YouTube sobre a notícia, com mais de 200 mil visualizações, se chama “Faze Clan atinge um novo ponto baixo” e diz que o Faze Clan “se aproveitou” do programa. Outros que receberam empréstimos PPP incluem organizações de esports como Team Envy, Super League Gaming e Hard Carry Gaming, o nome legal do NRG Esports.

Pode parecer ridículo que uma organização de esports, que basicamente é um grupo de pessoas que joga videogame pra viver, tenha direito a um empréstimo PPP, mas essas empresas também foram afetadas pela queda na economia. Esports estão ganhando cada vez mais popularidade, mas não são tão bem estabelecidos quanto a NBA. O Team Envy, a organização dona da equipe de Overwatch Dallas Fuel, disse a Motherboard que eles usaram o empréstimo para pagar “custos fixos como salários”, já que suas finanças foram prejudicadas pela pandemia.

“O cancelamento de eventos ao vivo foi uma mudança significativa na estratégia de negócios para a Envy Gaming em 2020”, disse Greg Miller, gerente de relações-públicas da Envy Gaming Inc., por e-mail. “A organização tinha planejado realizar sete eventos de vários dias em arenas no norte do Texas, mas só conseguiu realizar um deles antes das competições de esport passarem totalmente para a internet.”

A Motherboard abordou o Faze Clan, Super League Gaming e Hard Carry Gaming pedindo comentários sobre os empréstimos PPP. O Faze Clan não quis comentar. A Super League e Hard Carry Gaming não responderam nossos pedidos de comentário.

Que esports sejam dependentes de eventos ao vivo para gerar renda não deveria ser surpresa – a NBA também ganha dinheiro com merchandising e venda de ingressos. Mesmo que os esports tenham continuado a acontecer online, diferente de esportes tradicionais, esses eventos não têm uma barreira monetária para entrar. O League Summer Showdown de Overwatch deveria ser um grande evento ao vivo, em vez disso foi transmitido pelo canal do YouTube da liga. Considerando que a situação financeira dos esports é mais precária que a de esportes tradicionais, a ideia de organizações donas de equipes da liga de Overwatch recebendo empréstimos PPP parece muito mais razoável que o Lakers receber.

A pandemia global de coronavírus afetou indústrias de maneiras que podem não ser tão óbvias imediatamente. Os problemas para a indústria de restaurantes eram claros desde o começo; estúdios de tatuagem podem ter os mesmos problemas que restaurantes em se tratando do vírus, mas não eram vítima tão óbvias na cabeça das pessoas. Agora você pode colocar os esports na mesma lista.

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<![CDATA[A Nintendo tirou do ar um vídeo do YouTube de um fã mostrando glitches do Animal Crossing]]>https://www.vice.com/pt_br/article/m7j7yb/a-nintendo-tirou-do-ar-um-video-do-youtube-de-um-fa-mostrando-glitches-do-animal-crossingWed, 01 Jul 2020 18:14:41 GMTA maioria dos vídeos publicados por Shesez são alegres e divertidos, com o criador do YouTube deslizando a câmera dentro, ao redor e abaixo dos pixels e polígonos dos espaços mais amados dos videogames, mostrando como os desenvolvedores costuram seus mundos frágeis numa série popular chamada Boundary Break. Mas em seu último vídeo, Shesez está quase chorando.

“Se eu não tivesse um console da Nintendo no começo dos anos 90”, Shesez diz no vídeo, “eu provavelmente não estaria fazendo vídeos sobre desenvolvimento de videogames hoje, então saber que a companhia me vê como uma ameaça é muito triste”.

No começo da semana, a Nintendo emitiu uma reivindicação de direitos autorais para um vídeo dele de Animal Crossing: New Horizons. Não era um alerta de direitos autorais, o que depois de várias infrações pode fazer o YouTube banir um canal. Muitas reivindicação de copyright no YouTube acabam com o vídeo continuando no ar, mas com a renda de publicidade dele sendo canalizada do dono do canal para o detentor dos direitos autorais. Mas neste caso, a Nintendo queria que o vídeo desaparecesse, e foi o que o YouTube fez.

A Nintendo não respondeu os pedidos de comentário da VICE Games, e um porta-voz do YouTube se recusou a elaborar sobre a questão e me dirigiu para o vídeo bloqueado.

O vídeo de resposta de Shesez para a reivindicação de copyright da Nintendo, que ele espera que ajude a fazer o vídeo retornar ao YouTube, é voltado para uma pessoa: o presidente americano da Nintendo Doug Bowser.

“Acho que toda vez que criadores ou fãs tentam falar com a Nintendo, tendemos a falar com a companhia como se ela fosse uma pessoa”, ele disse. “O que não coloca um rosto na situação. […] Ele [Bowser] parece ser uma pessoa razoável que poderia pelo menos me ouvir.”

Mas considerando a história, o pedido de Shesez provavelmente vai ficar sem resposta.

O vídeo removido, como muitos outros de Shesez, envolve diferentes maneiras de enganar a câmera dentro do Animal Crossing: New Horizons pare revelar elementos escondidos ou realizar atos impossíveis. Isso pode significar encontrar geometrias abandonadas de partes do jogo de que os desenvolvedores desistiram, ou encontrar um jeito de andar no céu – algo que a Nintendo não pretendia.

Estranhamente, o vídeo que a Nintendo removeu do YouTube é uma sequência de outro publicado por Shesez no começo de abril, com quase 900 mil visualizações. Esse vídeo continua no ar, e até o momento, a Nintendo não pediu que ele fosse removido.

O problema para Shesez pode ser que a Nintendo não se importa com a linha tênue em que ele está tentando caminhar. Em março, a Nintendo emitiu avisos de remoção semelhantes para pessoas publicando vídeos mostrando como recriar um glitch de duplicação, algo que permitia aos jogadores perturbar a economia cuidadosamente equilibrada do jogo.

“Entendo por que eles fizeram isso, claro”, disse A+ Start, dono do canal no YouTube Son of a Glitch, que teve um vídeo de duplicação removido menos de 24 horas depois de postado. “Eles não querem que as pessoas explorem o jogo e estraguem a diversão, ou prejudiquem a marca por um aspecto negligenciado da programação.”

A+ Start não apelou do bloqueio do vídeo e respeitou a decisão da Nintendo.

Animal Crossing: New Horizons pode ser um jogo competitivo, mas não tem multiplayer, e as pessoas costumam tentar contornar isso. Mas Shesez faz uma distinção de seu trabalho comparado com de A+ Start e outros, especificamente porque ele geralmente não mostra aos jogadores como fazer o que ele está fazendo.

“Meu objetivo é permitir aos jogadores ver o que normalmente não conseguiriam no jogo”, Shesez me disse por e-mail. “Meu canal em si tem a reputação de ser educativo, destacando por que os desenvolvedores fazem certas coisas fora da vista dos jogadores.”

Na verdade, o vídeo original de Animal Crossing: New Horizons de Shesez tem uma introdução:

“Um aviso rápido. Esse é um jogo novo da Nintendo com componentes online, então não vai ter um tutorial de como fazer o que você vai ver no vídeo, para manter um nível de integridade para os componentes online do novo Animal Crossing. Que já foi lançado! Pra quem ainda não jogou, é uma ótima versão de Animal Crossing.”

Esse exame crítico é especialmente relevante para a Nintendo, uma companhia frequentemente associada com o termo ambíguo “bem-acabado”. Os jogadores esperam um jogo limpo, elegante e sem bugs. Quando um jogo da Nintendo dá problema, é algo realmente inesperado, porque raramente acontece. A Nintendo se orgulha dessas experiências, o que torna o trabalho de Shesez mais importante ainda, porque ajuda jogadores curiosos a entender melhor – e assim respeitar – o trabalho enorme que a Nintendo coloca em seus videogames.

Não é um choque que a Nintendo, a coisa mais perto da Disney na indústria de videogames, queira manter a ilusão viva. Mas categorizar o trabalho de Shesez como explorando glitches também é um equívoco.

Os mais de 30 vídeos de Shesez mostrando glitches já tiveram mais de um milhão de visualizações cada, com outros chegando bem perto disso. Então não é surpresa que muitos desses vídeos, como frequentemente é o caso na área de videogames do YouTube, envolvam a Nintendo. O YouTube adora a Nintendo, mas nem sempre o contrário é verdade. É um relacionamento complicado.

Enquanto Shesez faz o máximo para evitar que os glitches que ele mostra sejam explorados – tanto para evitar problemas legais e, como Shesez me disse, para respeitar os desenvolvedores – o criador Aurum do YouTube faz o oposto. Os vídeos mais populares dele se centram em destacar esses glitches. Sem surpresa, só em 2019, a Nintendo pediu ao YouTube para remover cinco vídeos de Aurum que envolviam glitches em jogos do Wii U e 3DS, o criador me disse.

“Agora sei que eu provavelmente estava indo contra as diretrizes de conteúdo deles”, disse Aurum, “mas eles nunca dão nenhuma razão para as remoções, e mesmo quando você apela, eles não divulgam as reivindicações”.

Um dos vídeos envolvia brincadeiras no Super Mario 3D World. Por exemplo, fazer as mãos do Mario ficarem extremamente grandes. A versão original do vídeo mostrava vislumbres de como Aurum estava hackeando o jogo – e a Nintendo fez o vídeo ser removido. Aurum postou outra versão com esses elementos removidos, e a Nintendo o deixou em paz. Por enquanto.

Como Shesez, ele não teve esse problema com nenhuma outra companhia fora a Nintendo, e a abordagem aleatória da empresa só torna as coisas mais confusas. Como os vídeos são cuidadosamente direcionados, não vídeos que seriam pegos por um algoritmo varrendo toda a plataforma atrás de infrações, o caso sugere que a Nintendo tem critérios para suas remoções, mas não divulga quais são eles.

“Parece que é um problema que vai além da Nintendo”, disse Aurum. “Sinto que uma empresa não deveria ser dona de uma filmagem que as pessoas fizeram de si mesmas, a questão é que a Nintendo é a única mostrando que está fazendo isso.”

Infelizmente para os criadores, a Nintendo mostra isso indicando apenas que não gostou de algo, não o porquê.

Mas nada disso é novidade. Uma busca no Google por “aviso de remoção da Nintendo” rende centenas de matérias sobre casos onde a companhia usou seus músculos legais. E mesmo que a Nintendo não seja a única fazendo isso, a empresa parece muito mais agressiva que as outras. Combinando isso com a popularidade de seus personagens e franquias, essa é uma mistura tóxica.

Mas como vídeos relacionados com a Nintendo geralmente rendem um grande número de visualizações, os criadores provavelmente vão continuar atraídos por criá-los, mesmo quando não são “seguros”.

“Você não consegue tantas visualizações envolvendo outras companhias, então é uma coisa que vem com o território”, disse Aurum.

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<![CDATA['Antifa', o videogame que quer ensinar sobre antifascismo para os gamers]]>https://www.vice.com/pt_br/article/59nxgn/antifa-o-videogame-que-quer-ensinar-sobre-antifascismo-para-os-gamersTue, 03 Dec 2019 10:00:00 GMTBem-vindo a Dumpland, onde Humpel Dumpty reina supremo! Comandando de milhares de televisões espalhadas pelo país, Dumpty mandou seus capangas para prender partes da população em uma escuridão impenetrável. Como “Antifa”, nosso herói com máscara de gás segurando um coquetel molotov, você sabe o que precisa fazer: libertar as pessoas destruindo as TVs de Dumpty e esmagado – literalmente – seus carcereiros pulando na cabeça deles.

Esse é o mundo de Antifa, um novo videogame que deixa os jogadores lutarem contra um Trump não muito disfarçado em todo seu ridículo. Os jogadores destroem televisões para ganhar pontos e “coquetéis apimentados” que colocam fogo nos capangas, tudo para libertar os habitantes presos de Dumpland e confrontar o próprio Humpel Dumpty no final. Claro, é uma sátira bobinha, mas as políticas antifascistas do criador não são brincadeira.

Antifa foi criado por um desenvolvedor que usa o pseudônimo Wobbly Dev. Lançado de graça no itch.io, uma plataforma popular para videogames independentes, o jogo estilo Super Mario World visa ser uma introdução simpática ao antifascismo para gamers, que podem só conhecer o movimento pela cobertura sensacionalista da mídia.

“O impulso por trás de fazer o jogo Antifa foi simplesmente a falta de jogos de computador abertamente antifascistas”, disse Wobbly Dev. “Considerando o entendimento equivocado geral da importância histórica e contemporânea do movimento antifascista, eu queria fazer um jogo que fosse acessível, fofo e inconfundivelmente antifascista em seu conteúdo.”

Os jogadores podem jogar Antifa como qualquer outro videogame clássico, quebrado caixas para ganhar bônus, pulando nos inimigos para esmagá-los e encarando um chefe em cada fase. Mas as políticas do jogo são igualmente aparentes. No mundo criado por Wobbly Dev, o jogador tem que derrotar o tirano laranja que fica tagarelando na televisão, empurrando seus seguidores para fazer o trabalho sujo por ele. Algo não muito distante do que os antifascistas dos EUA vêm dizendo desde a eleição presidencial de 2016 – ou seja, que Trump está alimentando uma nova onda de fascismo que precisa ser confrontada pelas pessoas comuns para ser derrotada.

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Antifa. Imagem: Wobbly Dev

“O jogo se conecta com minha política, já que sou antifascista”, diz Wobbly Dev. “Qualquer pessoa que não é pró-fascismo tem que anunciar com orgulho que é antifascista.”

Uma referência política um pouco menos óbvia pode ser encontrada nos créditos de abertura de Antifa, antes da tela de início. Ali Wobbly Dev incluiu o lema e logotipo dos Trabalhadores Industriais do Mundo [IWW em inglês], um sindicato trabalhista internacional do qual ele é membro e representante. Os membros dos IWW também são conhecidos como “Wobblies”, por isso o pseudônimo Wobbly Dev.

Segundo Wobblies of the World: A Global History of the IWW, o sindicato foi fundado em Chicago em 1905 e logo se tornou conhecido por seu radicalismo. Numa época em que mulheres, pessoas não-brancas e trabalhadores “não-qualificados” geralmente eram excluídos do movimento trabalhista, o IWW não só aceitava todos como membros da classe trabalhadora, mas também era abertamente militante antifascista. Wobblies do começo do século 20 se envolviam em brigas de rua contra a KKK e foram voluntários na Guerra Civil Espanhola contra o golpe fascista de Francisco Franco. Mais recentemente, os membros do IWW desafiaram supremacistas brancos em Charlottesville e viajaram para a Síria para lutar contra o ISIS.

Na história antifascista do IWW, Antifa pode ser uma contribuição pequena mas única. A dinâmica do jogo é familiar pra qualquer um que já jogou um jogo de plataforma 2D como Super Mario. Suas opções básicas são se mover para direita ou esquerda e pular por cima ou em cima de vários oponentes e obstáculos. A única adição são os coquetéis molotov mencionados, que podem ser jogados nos capangas para os reduzir a cinzas.

O desafio é acertar seus movimentos para evitar os bandidos e suas balas. Apesar de ter jogado literalmente uma dúzia de vezes, não consegui passar da primeira fase, que culmina com o minichefe Warden Klunke – uma caricatura do “Xerife da América” David Clarke.

Conseguindo passar da primeira fase de Antifa, você vai ter que esperar Wobbly Dev lançar as próximas fases. Das prisões de Dumpland, os jogadores vão viajar por esgotos, áreas rurais e cidades até chegar na Dumpel Tower, com cada ambiente sendo uma fase distinta, com seus próprios inimigos e chefes para derrotar.

“A primeira fase da prisão é só o começo dos horrores”, diz Wobbly Dev. “As próximas fases vão revelar um mundo maior contra o qual o jogador tem que lutar.”

Antifa não é uma revolução nos jogos indie, mas tem sucesso em seus próprios termos: trazer o antifascismo para os gamers.

“Acho que o aspecto satírico de Antifa age como um escudo – ou talvez uma introdução palatável para a mensagem”, ele diz. “Colocando os horrores do autoritarismo numa estética de desenho animado, acho que tenho mais margem para manobra, tematicamente, e uma chance melhor de espalhar a mensagem: 'Ei! Fascismo é ruim! Antifascismo é bom!' Não deveria ser tão difícil assim.”

Matéria originalmente publicada pela VICE EUA.

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<![CDATA[Você está velho demais pra ser bom de videogames?]]>https://www.vice.com/pt_br/article/pa7w9z/voce-esta-velho-demais-pra-ser-bom-de-videogamesThu, 31 Oct 2019 10:00:00 GMTTudo que Stan Horaczek queria era jogar Overwatch com o filho. Deveria ser fácil para Horaczek, que passou os anos da faculdade em festas de LAN de Unreal Tournament, acompanhar o filho de 9 anos num jogo que é basicamente inspirado em todos os videogames de tiro em primeira pessoa dos últimos vinte anos. Mas Horaczek estava passando um aperto.

“Num dado momento, ficou óbvio que ele era muito melhor que eu”, Horaczek me disse por e-mail. “Eu gostava muito de jogar com ele, mas comecei a sentir que estava atrapalhando quando jogávamos juntos.”

Como qualquer jogador experiente, Horaczek achou que a resposta era simples: “Git gud”, como o pessoal costuma se provocar em jogos online competitivos. E logo depois que o filho ia dormir, ele continuava jogando Overwatch por horas. “Especialmente se eu jogava muito mal numa partida com ele.” Quando não estava jogando, Horaczek lia guias sobre sua personagem principal, Moira, tentando fazer o melhor de suas habilidades de cura e apoio para compensar sua habilidade tosca para ofensiva.

Eventualmente, Horaczek conseguir chegar num ponto onde seu filho não precisava carregá-lo nas costas toda vez que eles jogavam, mas agora Overwatch é meio que o único jogo que os dois podem jogar juntos. Tentativas de jogar qualquer outro videogame competitivo de tiro moderno, como Fortnite, acabam com Horaczek tomando uma surra enquanto o filho observa frustrado – o pior medo dos pais gamers.

Vendo a habilidade do filho de pegar qualquer jogo e ser bom nele, e sua incapacidade de fazer o mesmo, Horaczek, que tem 36 anos, chegou a uma conclusão simples: ele estava velho demais pra ser bom em games.

“Meu filho consegue pegar qualquer coisa, jogar e aprender tudo”, ele disse. “Meu cérebro de velho não funciona mais com esse tipo de rapidez.”

Millennials cresceram com alguns dos desenvolvimentos que mais mudaram o mundo: a internet, celulares, a incapacidade do livre mercado de fornecer coisas básicas como saúde que eles possam pagar, e mais importante, videogames. Segundo um relatório do Nielsen divulgado no verão passado, eles agora representam 40% do público de videogames. Millennials jogam mais jogos online que a Gen X, assistem quase tantos streams do Twitch quanto a Gen Z, e gastam mais dinheiro em videogames que qualquer outro contemporâneo.

Enquanto os millennials vão entrando na faixa dos 30 anos, só agora eles estão vendo o tempo bater. Mas diferente das gerações anteriores, experiências pessoais e pesquisas recentes sugerem que eles encaram uma realidade única e difícil: eles não são mais tão bons de videogame quanto eram.

Alguns, como Horaczek, sentem isso intuitivamente enquanto a performance cai com a idade, apesar dos esforços para melhorar. Outros veem manchetes de que o vencedor mais recente da Fortnite World Cup, que ganhou US$ 3 milhões, tem apenas 16 anos, ou que a maioria dos profissionais de esports se aposenta antes dos 25, e acham que seu próprio declínio é devido à idade.

Mas pesquisas atuais sugerem que envelhecer pode ser a palavra errada para o que está fazendo os gamers millennials ficarem para trás de seus colegas mais jovens. Uma palavra melhor pode ser obsolescência.

Você está ficando velho demais pra essa merda

Se esportes profissionais são um jogo para jovens, então esports parecem ser para pessoas ainda mais jovens. Comparado com o MLB, NHL, NBA e NFL, todo grande atleta de esports, em média, é mais jovem que seus colegas de esportes tradicionais. A idade média dos últimos três vencedores do torneio de Counter-Strike: Global Offensive é de 23 anos.

Ainda assim, enquanto as pessoas já esperam mesmo que suas faculdades declinem com a idade, elas também esperam compensar isso com experiência. Num nível profissional, jogadores mais velhos sempre conseguiram manter sua grandeza jogando com mais inteligência, não esforço – pense em Tim Duncan, Ichiro Suzuki e Serena Williams. Mas essa lógica não parece se sustentar quando se trata de gamers millennials. De algum jeito, mesmo com toda sua experiência de crescer jogando videogames, as gerações mais novas parecem superá-los ser esforço.

A resposta simples parece ser que jogadores mais velhos não têm tanto tempo todo dia pra jogar. Lá está você, um adulto responsável com um emprego, só tentando desestressar depois de um longo dia, e BONGLORD420 está estragando sua noite. Enquanto você está lá, trabalhando para se sustentar, BONGLORD420 tem o dia inteiro para melhorar seu jogo.

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Competidores numa partida do torneio de esports epicLAN no Centro de Conferência Kettering, 12 de outubro de 2019, em Kettering, Inglaterra. Imagem: Leon Neal/Getty Images

Mas alguns meses atrás, de repente me vi com oito horas extras por dia para jogar videogames. Ótimo, pensei, posso finalmente ser bom de novo. Com mais tempo eu poderia finalmente sacudir a poeira de uma década jogando de maneira intermitente. Jogar só três ou quatro horas por dia, eu achava, melhoraria minha mira, refinaria meus movimentos e me daria familiaridade com os games, até o ponto em que eu pudesse jogar e não ter que ficar constantemente reaprendendo como. Quando eu estivesse com força total de novo, eu poderia focar em aprender conceitos mais complexos dos videogames, e colecionar as melhores práticas e estratégias, que são chamadas coletivamente de “meta” em jogos competitivos. Pense em desenvolvimento de personagem em Destiny, ou controle de mapa em Quake Champions. Em outras palavras, eu finalmente tinha tempo suficiente para voltar a ser um jogador descente, para voltar a ser bom.

Mas depois de um mês e meio gastando as mesmas horas em videogames que gastava quando tinha 14 anos, eu não tinha nada para fazer o verão inteiro a não ser jogar Counter-Strike, não vi nenhuma melhora notável. Eu estava perdendo tiros que sentia que acertaria quando era adolescente, e não sabia por quê. Treino sempre deu resultados antes, mas agora, do nada, isso não parecia mais fazer uma diferença significativa. Fiquei tão perplexo quanto frustrado.

A boa notícia é que enquanto os millennials podem estar ficando muito velhos para serem bons em videogames, eles estão ficando velhos suficiente para estar na posição de realmente estudar e publicar pesquisas sobre a relação entre idade e performance em videogames. A má notícia é que as descobertas não pareceram muito boas pra mim.

Pwning Dados

Em 2014, Joe Thompson, então estudante de Ph.D em psicologia na Saint Francis University, publicou um estudo que examinava dados de mais de 3 mil jogadores de Starcraft II, de idades entre 16 e 44 anos, e descobriu que o tempo de reação ficava mais lento com a idade. Não foi uma descoberta tão inesperada, exceto pelo fato que Thompson descobriu que o declínio entre esses jogadores começava aos 24 anos.

Talvez ainda mais perturbador para jogadores envelhecendo, Thompson “não descobriu provas de que esse declínio possa ser atenuado por experiência”, ele escreveu na conclusão do estudo. Mesmo os melhores jogadores mais velhos exibiram tempo de reação mais lento comparado com seus colegas mais jovens. E apesar de poderem “indiretamente” compensar por esse declínio com táticas melhores, não havia jeito de melhorar o tempo de reação quando ele começava a declinar.

Um ano depois, Shoshanna Tekofsky, pesquisadora de AI que estava trabalhando em seu doutorado na Tilburg University, publicou um artigo sobre a influência da idade no comportamento de jogadores em Battlefield 3. Tirando dados de mais de 10 mil jogadores de Battlefield, e examinando a relação entre idade e várias ações de jogadores – pense em coisas como pontos, capturas objetivas, habilidade do uso de classe – Tekofsky notou uma tendência interessante na proporção de mortes realizadas e mortes sofridas, sem dúvida o padrão de ouro para determinar a performance num jogo de tiro em primeira pessoa. Essa proporção era mais alta para jogadores no final da adolescência, começo da faixa dos 20 anos, depois declinava entre jogadores do meio para o final da faixa dos 20.

E não foi só na proporção de mortes realizadas/mortes sofridas que Tekofsky encontrou esse pico. Em várias outras medidas no jogo, ela notou essas curvas em U invertidas – onde os jogadores adolescentes eram OK, jogadores de 20 e poucos anos eram os melhores, e jogadores mais velhos estavam piorando com a idade – em várias medidas, como destravar pontos e pontos objetivos.

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Kyle “Bugha” Giersdorf comemora sua vitória na final solo da Fortnite World Cup no estádio Arthur Ashe em 28 de julho de 2019, Nova York. Imagem: Mike Stobe/Getty Images

“Você tem muitas curvas em U invertidas, e todas se correlacionam com a idade”, disse Tekofsky. “E no geral, o pico estava mais ou menos na faixa dos 20 anos.”

Claro, tempo de reação não é a única coisa que faz um jogador ser bom. Em discussões sobre habilidades de jogadores profissionais, fãs de esports tipicamente resumem ser bom a dois elementos: execução e estratégia. Jogadores mais jovens geralmente dão tiros incríveis e têm outras conquistas de habilidade, enquanto jogadores mais velhos de algum jeito conseguem se colocar no lugar certo na hora certa.

“A hipótese pode ser que essa curva em U, não sabemos com certeza, mas talvez seja devido a diferentes influências trabalhando em direções opostas”, disse Tekofsky. “Em tempo de reação e velocidade cognitiva, eu esperava que essas coisas declinassem com a idade. Ao mesmo tempo, enquanto você envelhece, você fica mais experiente e mais estratégico.”

É geralmente aceito que nossas habilidades motoras declinam com a idade, mas que experiência e conhecimento acumulado só cresçam. Sendo assim, você esperaria que esse “senso de videogames” atingiria um pico muito mais tarde do que quando nosso tempo de reação atinge o pico, certo?

Bom, talvez não, segundo um estudo de 2017 que examinou a relação entre inteligência e performance em League of Legends e Dota 2. Na primeira parte do estudo, pesquisadores trouxeram jogadores locais de League of Legends, testaram seus níveis de inteligência fluída, basicamente sua capacidade de pensar em estratégias na hora, e compararam isso com seus ranqueamentos matchmaking (MMR), uma pontuação no jogo que deriva de quem um jogador ganha ou perde – quanto mais alto é o MMR, melhor o jogador. Sem surpresa, jogadores com os maiores pontos de inteligência fluída também eram os melhores ranqueados no jogo. A segunda parte do estudo comparava dados de MMR de quatro jogos – Destiny 2, League of Legends, Battlefield 3 e Dota 2 – e idade. Athanasios Kokkinakis, o líder do estudo, viu o mesmo pico que Thompson e Tekofsky encontraram. Jogadores com os MMRs mais altos estavam no começo e meio da faixa dos 20 anos. Em outras palavras, parece que fisiologicamente, jogadores mais jovens são simplesmente melhores que seus colegas mais velhos.

Esperando o respawn

Baseado numa leitura superficial da pesquisa, parece que jogadores mais velhos estão condenados a perder para o resto da vida. Mas os três estudos apresentam um fator de confusão em suas descobertas: o efeito de coorte.

Toda geração cresce diferente. E videogames não estão aqui a tempo suficiente para demostrar qualquer coisa definitiva sobre idade e performance. Alguém que começou a jogar com Unreal Tournament na faculdade teve uma experiência drasticamente diferente do adolescente de hoje que está literalmente crescendo jogando Fortnite. Dizer que a diferença entre os dois é idade omite muitos fatores e influências.

O melhor exemplo disso é o efeito Flynn, explicado por Kokkinakis. “Basicamente, no último século, as gerações mais jovens continuam superando as gerações mais velhas em testes de QI”, disse Kokkinakis. “Alguns dizem que é a nutrição. Outros que eles apenas são melhores em fazer testes.” Podemos ver algo similar acontecendo em outras medidas de performance humana: Batemos o recorde de menos de 2 minutos numa maratona. Jogadores da NFL agora correm 40 jardas mais rápido que os receptores rivais. O skate moderno hoje está mais perto de Tony Hawk's Pro Skater do que era nos anos 90.

Há tantas nuances em Counter-Strike que se você está jogando dia sim, dia não, você vai lentamente perdendo a meta.”

Kokkinakis acredita que algo similar pode estar acontecendo com os videogames. Millennials podem ter sido os primeiros a embarcar em partidas online, mas jogadores mais jovens podem estar se beneficiando de crescer numa época quando podem facilmente adotar todo o conhecimento duramente conseguido pelos mais velhos. “Se você perguntasse para alguém jogando [ Counter-Strike] 10 anos atrás, a pessoa diria 'Ah, é só atirar na cabeça'”, ele diz. “Agora... tem todas essas abreviações, e aí tem esse jeito de treinar o recuo com as armas.”

Isso é algo que Eric “adreN” Hoag, um veterano de 29 anos de CS:GO que agora é técnico do Team Liquid, ecoa de sua própria experiência de jogar no alto nível por quase uma década. A razão para os melhores jogadores de esports tenderem a ser mais jovens tem dois lados: eles têm tempo e energia para colocar em horas de jogo, e mais importante, eles herdaram uma década inteira de conhecimento institucional, levando a uma explosão de talento jovem.

“Há tantas nuances em Counter-Strike que se você está jogando dia sim, dia não, você vai lentamente perdendo a meta”, disse Haog. “Quando é jovem, você está encontrando novos limites e novas coisas sobre o jogo.”

Pela estimativa de Hoag, é possível que veremos a idade média de um atleta profissional de esports aumentar, com prêmios subindo, e jogos como Dota 2 e CS:GO desfrutando de quase uma década no topo da cena de esports. Mas no momento, anos ganhando pouco e jogos mudando significou que a divisão geracional entre jogadores novos e velhos é especialmente pronunciada.

“Esses caras chegando agora, eles só conhecem CS:GO, então não têm os hábitos ruins de Counter-Strike: Source ou [ Counter-Strike] 1.6 (uma das primeiras versões do jogo). Eles meio que foram criados no videogame que é jogado atualmente”, disse Hoag. “Há uma certa meta de como explorar o jogo e ser o melhor dentro desses mecanismos, que para alguns dos jogadores mais velhos é muito difícil de se adaptar.”

E tem mais, enquanto a popularidade dos videogames cresce, também aumenta seu conjunto de talentos. “A competição cresceu tanto que os melhores jogadores de 10 anos atrás não chegam nem perto de ser tão bons quando os jogadores surgindo agora”, ele disse.

A mesma coisa provavelmente está acontecendo no nível casual, disse Kokkinakis. Pode ser o caso de que estamos apenas nos tornando melhores em videogames no geral. Simples assim.

Isso apresenta uma crise existencial ainda mais difícil para os gamers envelhecidos. “Quando eu jogava DOTA, no começo, lembro que eu era bom”, disse Kokkinakis. “Pode ser que minhas memórias sejam falsas, que eu não era tão bom assim mas estava jogando contra oponentes ruins.”

Quem cresceu jogando online sabe como é fácil culpar performance ruim a fatores fora do nosso controle. Essa pessoa que está te destruindo no jogo? Ela obviamente está usando algum cheat code. E agora, com os millennials envelhecendo, eles têm outra desculpa conveniente: estou ficando velho demais pra essa merda.

Mas o cenário mais provável é o mais difícil de aceitar: não é você que está piorando nos videogames, é que todo mundo está jogando melhor. Enquanto uma geração mais jovem, maior e mais habilidosa finalmente emerge para tomar a liderança, você não pode simplesmente “git gud”. Na nossa lenta marcha para o esquecimento, precisamos escolher: tomar uma surra ou ir jogar outra coisa.

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<![CDATA[A indústria de videogames está encarando várias acusações de abuso]]>https://www.vice.com/pt_br/article/3kxd99/a-industria-de-videogames-esta-encarando-varias-acusacoes-de-abusoMon, 16 Sep 2019 10:00:00 GMTOnde há fumaça, geralmente há fogo. Recentemente houve muita fumaça na indústria dos videogames, que está lidando com uma lista crescente de alegações contra desenvolvedores, que variam de ataque sexual a abuso gerencial. Alguns admitiram a culpa, outros negaram tudo e contrataram advogados. Um dos acusados morreu. Como já relatado, o que começou com três acusações de alto escalão virou uma bola de neve para um momento #MeToo dos videogames, enquanto mais pessoas tornaram públicas suas histórias.

Tentar acompanhar tudo que está acontecendo nos últimos tempos, uma mistura de depoimentos e catarse, tem sido complicado. Quando eu estava escrevendo esta matéria, o cofundador da Oculus, Michael Antonov, foi acusado de colocar as mão embaixo da saia de uma mulher enquanto ela via uma demonstração de realidade virtual, numa situação onde ela não conseguia ver o que estava acontecendo. Antonov não comentou publicamente sobre o caso, e um pedido de comentário não foi respondido até a publicação desta matéria.

O que se segue é resultado de muitos dias de cobertura de algumas, não todas, as alegações compartilhadas, e essa cobertura continua. Esta é uma tentativa de tirar sentido de como a semana passada rendeu tantas acusações, as examinando de perto.

A designer de narrativa Meg Jayanth, mais conhecida por seu trabalho em 80 Day s, usou o Twitter para acusar o designer de Fallen London e Cultist Simulator Alexis Kennedy de ser “um predador conhecido da indústria de videogames”, e que ela estava “avisando as pessoas sobre ele há anos”. Jayanth acusou Kennedy de estabelecer e explorar relacionamentos com mulheres jovens novas na indústria para ganho pessoas, e mais tarde “ameaçar muitas mulheres com retaliação para garantir silêncio + obediência”.

“Sei que Alexis usou a amizade dele comigo e outras mulheres estabelecidas na indústria para isolar jovens mulheres + pessoas vulneráveis”, tuitou Jayanth, “para fazê-las pensar que ninguém acreditaria nelas, para as isolar de fontes de ajuda. Isso é deliberado, e uma violação grotesca de confiança”.

As repórteres Laura Hudson e Ana Valens reconheceram ter ouvido histórias similares sobre Kennedy no passado. A Failbetter Games, o estúdio que Kennedy ajudou a fundar em 2010 e de onde saiu em 2016, disse que acredita nas histórias sobre o ex-cofundador e ficaria “do lado de qualquer pessoa que fale publicamente sobre Alexis Kennedy”.

Separadamente no Twitter, a atual roteirista da Failbetter Olivia Wood destacou um relacionamento tóxico anterior com Kennedy onde, depois que a relação acabou, segundo ela, Kennedy gritou e menosprezou Wood na frente de colegas. Wood disse que essa foi uma retaliação explícita ao fim da relação.

Numa matéria de 2017 da PCGamesN, Kennedy descreveu como se sentiu atraído e entrou num relacionamento íntimo com outra parceira depois que trabalhou como supervisor dela na Failbetter. A matéria queria destacar como ele equilibrava sua parceria profissional e romântica como cofundador do estúdio de desenvolvimento The Weather Factory, mas também mostrou a aparente disposição de Kennedy de entrar em relacionamentos românticos com suas subordinadas.

Kennedy respondeu publicamente a Jayanth no Twitter, reconhecendo “um pequeno número de relacionamentos totalmente consensuais com outras pessoas da indústria” e negando o resto. Numa série de mensagens privadas com a VICE Game, Kennedy disse que “se tudo que Jayanth disse fosse literalmente verdade, o que não é, então isso não é abuso mas claramente uma questão de irresponsabilidade”. Ele disse ter entrado em contato com a polícia para “fazer uma queixa” dos comentários de Jayanth. Contatamos o departamento de polícia onde Kennedy disse ter feito a queixa, mas eles não confirmaram ou negaram sua existência.

Logo depois disso, Kennedy pediu que seus comentários anteriores (feitos oficialmente) fossem retirados, o que é contra padrões da prática jornalística. Kennedy então passou o contato de seus representantes legais que, quando contatados, não tinham um comentário oficial a fazer. A atual parceira romântica de Kennedy e cofundadora de estúdio Lottie Bevan disse no Twitter que “essas histórias são insanas e não são verdade”.

Mais tarde, Bevan postou uma atualização breve no site da The Weather Factory, apontando que um projeto do Kickstarter do estúdio tinha sido pausado.

“Consegui adivinhar quem era sem saber o nome, só vendo o padrão.”

Um efeito das pessoas falando abertamente sobre suas histórias colocou rostos em acusações antes anônimas. A gerente de comunidade e especialista em marketing Mina Vanir decidiu dar detalhes sobre acusações anteriores sem nomear a pessoa envolvida. Em outubro de 2018, Vanir usou o Twitter para revelar um incidente de suposto assédio sexual através de uma série de mensagens privadas com um indivíduo que admitia estar “com tesão e solitário” e pressionar seu pênis ereto contra Vanis várias vezes. A pessoa disse que estava “um pouco confuso com como você [Vanir] respondeu às vezes”, e disse “me certifico de não fazer coisas que deixem alguém desconfortável”.

Nas mensagens, Vanir está irritada e com raiva, e no começo da semana passada, ela nomeou o indivíduo: o consultor de desenvolvimento Vlad Micu, que segundo o perfil dele no LinkedIn, recentemente prestou consultoria para desenvolvedores como Robot Gentleman e Little Chicken Game Company. Ela também publicou as mensagens sem edição no Twitter.

“Não estou aqui para estragar sua vida”, disse Vanir. “Estou aqui para te impedir de estragar a vida dos outros.”

Vanir disse a VICE que o incidente aconteceu numa pequena conferência europeia de desenvolvimento de videogames em 2017. Quando Vanir conheceu Micu, ela ainda era estudante e tinha acabado de entrar na indústria, ela disse.

“Pensando agora naquele dia em particular me senti muito idiota por ter ficado perto dele”, Vanir disse a VICE. “Do momento em que eu disse oi, ele continuava falando sobre como estava feliz em me ver porque estava solitário.”

Vanir não teve uma resposta de Micu depois da alegação, mas Micu falou com a VICE. Ele compartilhou uma postagem de fevereiro de 2018 do Facebook para amigos e colegas, onde ele admitia em privado que o incidente ocorreu, mas que via problemas na caracterização de Vanir. No post, ele dizia que “a narrativa reduz as complexidades de dois seres humanos para um caso simplificado de bem versus mal”.

“Desde a época da acusação e minha resposta”, disse Micu numa declaração separada, mandada semana passada junto com a postagem no Facebook, “tenho feito um esforço consciente de falar abertamente com meus colegas, parceiros, clientes e organizadores de conferências da indústria sobre o que transpirou e como admito totalmente meu erro”.

Logo depois que Vanir deu o nome de Micu, a produtora de ambiente do Turn 10 Studios Kristina Rothe disse no Twitter que ela teve “várias interações com o mesmo cara [Micu] que me fizeram sentir não só desconfortável como duvidando de mim mesma”.

“Eu sabia dizer quem era sem saber o nome”, disse Rothe, “só de ver o padrão”.

“Não estou aqui para estragar sua vida, estou aqui para te impedir de estragar dos outros.”

Rothe não respondeu nossos pedidos de comentário adicional. Micu disse que tinha “mensagens de texto e testemunhas para refutar as alegações de Rothe”, mas se recusou a compartilhá-las.

Enquanto muito desse momento em particular tem sido sobre abuso sexual, dificilmente essa é a única maneira como desenvolvedores estão alegando vitimização injusta. Terça retrasada, o desenvolvedor Tony Coculuzzi disse que foi “abusado até o ponto da depressão e suicídio” durante dois anos trabalhando com o diretor criativo Ken Wong no estúdio Mountains. Na época, o Mountains estava desenvolvendo o celebrado Florence, uma história interativa sobre o fim de um relacionamento.

“Meu corpo literalmente parou de funcionar porque eu não conseguia lidar com o abuso diário dele no trabalho”, tuitou Coculuzzi. “Tentei colocar a culpa disso em coisas bobas como 'talvez eu não esteja acostumada com a gripe aqui' mas eu sabia a verdadeira razão, só não queria admitir pra mim mesmo.”

Coculuzzi não trabalha mais na Mountains, mas a produtora Kamina Vincent sim. Ela foi a primeira pessoa contratada na Mountains, e portanto a primeira pessoa a trabalhar com Wong.

“Tem coisas que eu não desejo pra ninguém, e nunca mais quero estar naquela situação”, ela disse no Twitter. “A relação que tenho com Ken agora é muito diferente. Não é sempre perfeita, somos pessoas muito diferentes. Trabalhamos muito para chegar na comunicação que temos hoje.”

Depois Wong publicou uma resposta para Coculuzzi. A mesma declaração foi passada para a VICE Games.

“Tem muita coisa que eu deveria ter feito melhor ou diferente naquela época”, disse Wong. “Eu queria ter encontrado formas mais gentis de me comunicar. Eu queria ter mostrado para as pessoas da minha equipe mais apreciação. Eu deveria ter trabalhado mais para construir confiança e empatia. Essa foi uma falha minha como líder e colega de trabalho. Para a pessoa que escreveu a thread e outras pessoas que prejudiquei na minha carreira: desculpa.”

Coculuzzi não encontrou muito consolo na declaração de Wong, argumentando que foi só uma desculpa “para salvar a face” e “um jeito de dar de ombros para a responsabilidade”. Quando pedimos mais detalhes, Wong disse que precisava falar com um advogado.

Vincent, que disse “me encolhi e chorei” semana passada com as alegações de Coculuzzi, disse que Wong “mudou e cresceu” e que “a Mountains é mais que só o Ken”. Apesar de ter perdoado pessoalmente Wong pelo que aconteceu entre eles no passado – cujos detalhes Vincent não quis revelar – ela disse que “isso não significa que os outros têm que fazer o mesmo e não quero diminuir suas experiências”.

“Tem coisas que eu não desejo pra ninguém, e nunca mais quero estar naquela situação.”

Tudo que aconteceu acima veio depois de três alegações cujas consequências ainda estão se desenrolando.

Jeremy Soule, um compositor mais conhecido por seu trabalho em The Elder Scrolls, foi acusado de estuprar a designer independente Natahlie Lawhead e ameaçar retaliação profissional contra a vocalista Aeralie Brighton por recusar seus avanços sexuais. Soule disse a Kotaku que as acusações são “falsas” e que ele ficou “chocado e entristecido com essas alegações ultrajantes”. Quanto à alegação de Brighton, ele disse que “não concordava com o ponto de vista dela”. A Kotaku teve a oportunidade de revisar uma transcrição de alguns textos de flerte e sexuais entre Brighton e Soule, e disse que elas “pintam um retrato complicado do relacionamento deles”.

Inspirada em Lawhead, a designer Zoe Quinn acusou o desenvolvedor de Night in the Woods Alec Holowka de abuso contínuo, incluindo mantê-la presa na casa dele e ser “mau e violento” durante o sexo. No final de semana passado, foi revelado que Holowka se suicidou.

Antes disso, outros desenvolvedores por trás de Night in the Woods disseram que acreditavam em Quinn, e estavam “cortando laços com [Holowka]”. Um videogame em desenvolvimento, provavelmente em colaboração com Holowka, foi cancelado.

O designer de Celeste Matt Thorson trabalhou com Holowka em um jogo anterior, TowerFall, e já tinha morado com ele. Thorson disse que acreditava em Quinn e admitiu que estava “chocado com o relato dela” mas não surpreso. Albertine Watson, uma designer que estava trabalhando com Holowka em outro projeto, compartilhou suas próprias experiências, alegando que “momentos de insulto [de Holowka] erodiram minha confiança como uma nova desenvolvedora de jogos”.

Holowka não respondeu publicamente nenhuma das acusações antes de morrer no final de semana retrasado. O programador da Splash Damage, Luc Shelton, não comentou sobre as alegações feitas por uma mulher chamada Adelaide Gardner, que disse que Shelton a atacou em 2018, mas a Splash Damage disse que estava “consciente da questão e a levando muito a sério... também é bom saber que o empregado negou qualquer alegação de má conduta”.

Shelton pode nunca dizer nada. Acusações e alegações, mesmo críveis, não resultam necessariamente em consequências. Não há um caminho claro aqui, e catarse não é justiça. Dificilmente essa será a última vez que a indústria de videogames passa por um momento assim, e é necessário um acerto de contas com seu passado e presente para garantir um futuro ligeiramente melhor.

Esse futuro vai, até certo ponto, ser influenciado pelo que acontecer agora.

“Espero que nossas comunidades e indústria encontrem maneiras de melhorar isso”, disse Quinn alguns dias atrás. “Espero que as pessoas prejudicadas possam finalmente começar a se curar.”

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<![CDATA[Como um grupo de gamers rastreou um suspeito de quatro assassinatos]]>https://www.vice.com/pt_br/article/kz4ezn/como-um-grupo-de-gamers-rastreou-um-suspeito-de-quatro-assassinatosFri, 09 Aug 2019 10:00:00 GMTMaroon Ayoub ainda estava na cama quando recebeu uma mensagem de um webamigo que usava o nome de usuário “Menhaz”.

Ainda com sono, ele leu a mensagem privada no Discord, um aplicativo de bate-papo para gamers, e o texto o perturbou profundamente.

“Acabei de matar minha família inteira, e provavelmente vou passar o resto da vida na cadeia se conseguir sobreviver”, Menhaz escreveu. “Espero ter te feito rir em algum ponto, espero que você se lembre dos bons tempos. Vou sentir falta de todos vocês.”

Nani [japonês para 'o quê']”, respondeu Ayoub. “Acabei de acordar.”

“Desculpe”, respondeu seu amigo da internet. “Você quer as fotos?”

A conta Menhaz então enviou para Ayoub várias fotos supostamente mostrando seus parentes mortos no chão, cobertos de sangue, com as gargantas cortadas. Conhecidos online de Ayoub e Menhaz receberam mensagens similares.

Foi um momento chocante para um grupo de amigos construído em torno de uma das coisas mais de nicho imagináveis: um servidor privado para o Perfect World, um jogo multiplayer chinês gigante lançado em 2005. Eles se conheceram no servidor do jogo, chamado Perfect World Void, e em seus fóruns de discussão anos antes.

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Esse grupo improvável de gamers, por um momento, eram as únicas pessoas no mundo a saber de um homicídio quádruplo em andamento. Era uma situação impossível: O que um grupo de amigos que nunca se encontrou pessoalmente, que não sabe o nome real uns dos outros, pode fazer contra um possível assassino em série?

Eles decidiram agir, Ayoub disse a VICE, tentando rastrear a pessoa por trás da conta Menhaz no mundo real e avisar a polícia.

Várias horas depois, na tarde de 28 de julho, a polícia foi até uma casa em Markham, Ontário, para verificar a situação. Lá eles encontraram uma cena perturbadora. Na casa estavam os corpos de Malesa Zaman, 21 anos; Moniruz Zaman, 59; Momotaz Begum, 50, e Firoza Begum, 70 anos. A polícia prendeu um homem de 23 anos chamado Menhaz Zaman na cena, e ele foi acusado de quatro homicídios qualificados.

A polícia diz que recebeu informação que levou a uma viatura ser despachada para o local, mas não esclareceu qual foi essa informação e nem confirmou as informações conseguidas pela VICE. Um porta-voz da polícia disse a VICE que como Zaman já está sob custódia, não há risco para a segurança pública. A polícia está cuidadosa com o que confirma publicamente para não prejudicar um futuro processo contra ele. (As acusações contra Zaman ainda não foram a julgamento, nem está estabelecido que ele operava as contas Menhaz nos servidores e fóruns Discord e PWV, então a VICE vai se referir a Menhaz Zaman como “Zaman” e a conta que contatou os gamers como “Menhaz”.)

Mesmo não sabendo o que realmente aconteceu naquela casa em Markham, os gamers que dizem ter sido arrastados sem querer para esse crime horrendo resolveram compartilhar publicamente suas versões dos eventos.

O relato abaixo foi montado de entrevistas com vários gamers envolvidos, que compartilharam prints da noite em questão com a VICE.

Membros da comunidade do Perfect World Void (PWV) interagiam com a conta de Menhaz há muito tempo, alguns por mais de cinco anos. Vários jogadores que falaram com a VICE o consideravam um amigo, e eles jogavam e conversavam online quase todo dia.

Eles sabiam um pouco sobre ele: ele era canadense e dizia frequentar uma universidade, ele adorava videogames e muitas vezes ele já estava jogando quando eles entravam e continuava depois que eles saíam do jogo. A pessoa que eles conheciam apenas como “Menhaz” jogava com um sacerdote elfo, uma classe conhecida por ser boa em apoio e defesa. Jogadores que passaram tempo com ele online disseram que ele gostava de conversar com outros gamers em batalhas um a um.

“Quando ele começou a dizer que mataria a família, acho que a maioria achou que era só outra piada de mau gosto.”

Amigos da conta Menhaz o descreveram como um troll. Na maior parte do tempo a trolagem era leve, eles disseram, mas isso mudou no ano passado. Ele disse que era ex-muçulmanos, e começou a zombar de sua antiga religião e a usar insultos raciais. Ele começou a falar em se matar e matar sua família no começo de março, segundo os logs de chat vistos pela VICE, um desenvolvimento preocupante que os jogadores do PWV consideraram apenas humor negro.

Afinal de contas, isso é a internet; pessoas ameaçam matar uns aos outros, e pior, quase todo dia online. Muitas vezes esse tipo de provocação é velada em camadas de ironia da internet e podem ser ignoradas como humor – até que a coisa explode na vida real.

“Nos últimos meses o humor dele se tornou extremamente sombrio, ele falava muito sobre suicídio mas, pelo menos pra mim, ele sempre fazia parece uma piada de mau gosto”, disse um conhecido do PWV, que quis permanecer anônimo. “Quando ele começou a dizer que ia matar a família, acho que a maioria achou que era só outra piada de mau gosto. Mesmo quando ele deu uma data para cometer o ato, achei que ele só estava trolando todo mundo.”

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Alguns dos comentários que Menhaz fez quando a conta mudou o nome para "Allah". Screenshots fornecidas pelos entrevistados.

As ações da conta de Menhaz se tornaram tão extremas que, em 11 de julho, ele foi banido do servidor PWV pelo que um moderador descreveu como “repetidas declarações racistas”. Outro amigo online de longa data disse quem em 25 de junho – a quinta-feira antes dos assassinatos – a conta de Menhaz disse num chat em grupo que a vida dele estava prestes a acabar, que alguém tinha dado uma dica às autoridades sobre algum tipo de plano que ele tinha bolado.

“Na quinta foi quando ele entrou num chat em grupo e disse apenas 'Estou aqui só pra me divertir' e postou imagens aleatórias do jogo”, disse o amigo. “Aí, do nada, ele disse que sua vida ia acabar. Ele disse que alguém tinha dedurado ele, então ele precisava fazer aquilo o quanto antes.”

Apesar das provocações anteriores, ninguém percebeu o que “aquilo” significava, ou o drama sangrento que estava prestes a se desenrolar.

Depois disso, a conta Menhaz ficou em silêncio. Um membro do PWV – que não quis ter seu nome divulgado e que vamos chamar de “John” – notou isso, e no sábado escreveu para ele num pequeno chat em grupo para ver como ele estava. Isso foi por volta das 22h do horário local do Canadá no sábado, uma noite antes que os corpos da família Zaman fossem descobertos pela polícia em Markham, e aquela longa noite estava apenas começando.

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A conta Menhaz no Perfect World Void. Foto via screenshot.

A conta Menhaz disse a John no Discord que ele tinha matado sua família, e mandou imagens fortes de duas mulheres caídas no chão cobertas de sangue.

“No fundo eu sabia que era real mas ainda não conseguia acreditar, achei que ele estava brincando”, disse John. Talvez, ele esperava, seu conhecido da internet estivesse simplesmente fazendo outra trolagem idiota – mais elaboradas que as anteriores, claro, mas um deles realmente poderia cometer um ato tão horrendo?

Perturbado, John foi até um chat do Discord do Perfect World Void e pediu para as pessoas verificarem se as fotos podiam ser achadas nas profundezas da internet. O grupo procurou em vão as fotos da família massacrada por toda a internet, até que a conta de Menhaz acabou violentamente com qualquer dúvida que restava.

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A conta Menhaz disse que ele ia matar sua irmã e depois mandar a foto do corpo. Para confirmar que era sua família que ele tinha matado, a conta compartilhou uma foto da família reunida, quando vivos, cortando o que parecia ser um bolo de aniversário.

Depois ele disse a John e outros que estava “esperando o pai chegar em casa para matá-lo”. Ele disse que o pai chegariam em “cerca de uma hora”.

Esse foi um momento decisivo. Não só eles acreditavam agora que os assassinatos eram reais, mas que ainda estavam em andamento – o tempo estava se esgotando para a próxima morte.

Precisando fazer alguma coisa, John criou uma sala de bate-papo no Discord e adicionou as contas dos amigos de Menhaz e usuários do PWV que ele sabia que eram canadenses.

“Adicionei todo mundo que estava ativo e achei que poderia ajudar”, disse John. “Tentamos falar com alguém que morava no Canadá ou pudesse contatar a polícia lá.”

Logo depois, a conta Menhaz enviou uma foto de um homem mais velho com a garganta cortada.

“Tentamos salvar o pai dele mas não conseguimos chamar a polícia a tempo”, disse John.

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A foto de família que a conta Menhaz compartilhou. Foto fornecida pelos entrevistados.

Com quatro pessoas agora provavelmente mortas, a conta Menhaz começou a mandar mensagem para várias pessoas com textos similares, incluindo Ayoub, começando com “Acabei de matar toda a minha família...”

Em mensagens posteriores para Ayoub, a conta Menhaz disse que começou a compartilhar as imagens com várias pessoas porque, no fundo, “uma parte de mim quer que isso se espalhe rápido, para que eu seja pego logo e o purgatório em que estou acabe”.

Quando Ayoub entrou na internet depois de receber as mensagens perturbadoras, ele foi adicionado ao grupo de John. “Um jogador me contatou imediatamente, dizendo 'Menhaz cometeu assassinatos', aí ele me adicionou num grupo com quatro outros jogadores que estavam tentando contatar a polícia, mas não tinham muita informação sobre a localização de Menhaz”, disse Ayoub. Eventualmente, o grupo cresceu para cerca de dez pessoas.

Com a conta Menhaz dizendo que sua família inteira estava morta, os gamers ficaram com medo que o surto de violência de seu conhecido online pudesse não ter acabado ainda. Numa série de screenshots compartilhados com a VICE, jogadores perguntaram a ele “o que você vai fazer agora?” e uma das coisas que ele respondeu foi “ver minha namorada”.

O grupo passou então a tentar encontrar um endereço de IP ligado à conta Menhaz. Um IP é um identificador único de aparelhos conectados na internet, que pode dar uma indicação de sua localização geográfica. Se eles conseguissem encontrar um IP e ligá-lo a um endereço doméstico, eles podiam ter uma chande de alertar a polícia e dar a localização de seu conhecido.

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Pensando que outra vida ainda podia estar em perigo, eles continuaram conversando com a conta Menhaz para mantê-lo ocupado. A conta Menhaz continuou digitando, mas ele não queria dar seu endereço.

A VICE viu várias screenshots dessas conversas. Nelas, a conta Menhaz fala sobre ter planejado os assassinatos por três anos e, em certo ponto, discutiu levar os corpos para outra parte da casa para serem fotografados melhor. “Talvez uma última foto em grupo”, a conta Menhaz escreveu.

Encontrar o endereço de alguém online em pouco tempo é uma tarefa incrivelmente difícil. Endereços de IP podem ser pistas falsas, especialmente se a pessoa estiver usando um VPN – que roteia o tráfego da internet por um servidor em outra localização que não a do usuário – ou simplesmente logado num wi-fi de um café.

A equipe fez um progresso lento, e acabou com pistas falsas. Em certo ponto, um administrador do PWV colocou um endereço de IP ligado à conta Menhaz num fórum do PWV. O grupo achou que tinha pego o amigo, mas o endereço era de New Brunswick; e um dos membros do grupo sabia que ele não morava nessa província. Mas eles continuaram.

“Perdi a noção do tempo”, disse John. “Conseguimos alguns endereços de IP mas eles estavam errados.”

Mas a busca finalmente deu resultado. Parte do grupo decidiu que podia conseguir informação da conta do Skype ligada ao amigo da internet. Era uma boa aposta. Dessa busca eles também conseguiram encontrar um endereço de IP indicando que ele estava na área da Grande Toronto. Para um membro dessa equipe, uma usuária que usava o nome Bianca, isso foi um choque. Não só a pessoa por trás da conta Menhaz estava no Canadá, mas bem perto dela.

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“Por volta das 3 da manhã eu não conseguia dormir”, disse Bianca. “Isso aconteceu a apenas 12 quilômetros de onde estou e fiquei ansiosa. Mais cedo, por volta da 1 da manhã, ele estava dizendo que ia visitar a ex-namorada, e achamos que ele podia matá-la também ou algo assim.”

“Foi isso que me motivou a conseguir o endereço certo.”

Um endereço de IP pode identificar a localização geográfica de um usuário, mas não é exato. Imagine tentar ligar para a polícia de outro país e explicar que você é uma pessoa da internet que acha que alguém, cujo nome real você não sabe, acabou de matar quatro pessoas em algum lugar da cidade. O grupo do PWV sabia que precisava de mais.

Aí eles tiveram sorte: Depois dos assassinatos, a conta Menhaz começou a pedir o e-mail de seus conhecidos para enviar dinheiro a eles por PayPal.

“Como você é um bom amigo, quero te dar algum dinheiro porque não vou precisar para onde estou indo”, escreveu a conta Menhaz para seus amigos online. “Já dei dinheiro para várias pessoas.”

“Fiz isso porque não quero que meus pais tenham vergonha de ter um filho como eu.”

Bianca procurou pagamentos vindos da conta no PayPal de Menhaz e achou um endereço residencial que combinava com a informação tirada do IP. Eles finalmente tinham localizado uma casa ligada à conta Menhaz.

John disse que acha que todo o processo levou de quatro a cinco horas. Bianca ligou para a polícia na madrugada de domingo, ela disse, e deu a eles a informação.

“Consegui dormir depois das 6 da manhã, depois de ter ligado para a polícia entre as três e cinco horas”, ela disse. “Entrei na internet de novo por volta das 11h e [mais tarde naquele dia] notei matérias começando a aparecer mostrando que ele tinha sido preso. Fiquei aliviada.”

Às 15h do domingo, policiais foram até a casa dos Zamans, onde encontraram quatro corpos e prenderam Menhaz Zaman.

Quando a polícia finalmente chegou, a conta Menhaz encerrou a conversa com John escrevendo simplesmente “A polícia está aqui. Adeus”.

Na segunda-feira, a polícia acusou Menhaz Zaman de quatro homicídios qualificados.

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Depois de tudo, a comunidade PWV está tentando entender realmente o que acontece e em que ponto a trolagem de Menhaz deveria ter sido vista como um alerta real da suposta violência que aconteceu.

“É uma coisa muito foda”, um amigo nos disse. “Isso realmente me fez pensar em quão diferente todo mundo pode ser do que retrata no jogo.”

Nas mensagens mandadas para o grupo na noite dos supostos assassinatos, a conta Menhaz explicou que sua família achava que ele estava frequentando a universidade. Na verdade, ele estava vivendo uma mentira.

“Comecei a matar aula logo no primeiro ano; [o curso] era engenharia mecânica”, diz uma das longas explicações que a conta Menhaz mandou para um conhecido. “Acredite, se pudesse voltar no tempo eu voltaria, mais depois de não passar em metade das matérias, tive que repetir os cursos. No segundo semestre comecei a ficar deprimido, me tornei ateu, e acabei criando esse plano. Então por três anos tenho dito aos meus pais que frequento a universidade, quando na verdade fico no shopping quatro dias por semana. O shopping fica na mesma rota. Eu disse aos meus pais que as aulas não são muito longas, então fico no shopping das 8 às 13h, enquanto também frequento a academia comunitária.”

Ele disse para a família que se formaria em 28 de julho, explicou a conta Menhaz, e que ele tinha que fazer alguma coisa antes que sua mentira fosse descoberta.

Ele disse que matou a família para eles não descobrirem como ele era “inútil”. Ele se referiu a si mesmo várias vezes como “sub-humano”, e disse que matou a família em vez de se matar porque era ateu e tinha medo da morte.

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“Fiz isso porque não quero que meus pais sintam vergonha de ter um filho como eu”, a conta continuou. “Escolhi matá-los em vez de me matar por covardia, porque sou ateu e acredito que essa é a única vida que temos. Sei que parece confuso, mas o que está feito, está feito, e o que foi planejado foi concluído.”

Dias depois daquela noite horrível, algumas pessoas do grupo que trabalhou para alertar a polícia ainda estão experimentando trauma. Uma pessoa disse que não consegue comer, outra disse que tem tido problemas para dormir. Algumas pessoas que só conversaram com a conta Menhaz durante o caso dizem que gostariam de ter feito mais.

“Eu deveria ter prestado mais atenção no que ele disse na quinta”, um amigo de longa data dele no fórum disse. “Talvez eu tivesse uma chance de impedir tudo isso.”

Nenhuma das acusações contra Menhaz Zaman foi provada no tribunal. Sua primeira aparição na corte estava marcada para 2 de agosto.

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Matéria originalmente publicada na VICE Canadá.

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<![CDATA['Mordhau' e a fantasia de uma Idade Média totalmente branca]]>https://www.vice.com/pt_br/article/8xzpeg/mordhau-e-a-fantasia-de-uma-idade-media-totalmente-brancaTue, 06 Aug 2019 10:00:00 GMTOs últimos anos têm sido palco de várias discussões sobre “historicamente correto” em videogames que retratam a Europa como uma paisagem totalmente branca e quase inteiramente povoada por homens. Então, o fato de que Mordhau, um jogo que usa muito da mesma estética em que movimentos supremacistas brancos neofascistas se inspiram, está lidando com movimentos de intolerância e ódio em sua comunidade, parece uma decepção, mas não uma surpresa.

Dependendo do seu ponto de vista e simpatia pela equipe por trás de Mordhau, os desenvolvedores e moderadores da comunidade por trás do jogo parecem despreparados ou indispostos a lidar com a maré de comportamento intolerante. Mas como chegamos aqui? O que exatamente em Mordhau tornou o jogo campo aberto para essa resposta de sua base de jogadores? A reposta está no cenário: a Idade Média é um período que as pessoas acham que conhece bem, mas a imaginação popular foi informada pelo contexto no qual o campo dos estudos medievais emergiu.

Videogames e medievalismo têm uma história estranha de intersecção, como muitos games abraçam a estética “magia e espadas”, isso os coloca naturalmente numa conversa com uma Europa antiga mística. Infelizmente, essa é a mesma Europa antiga que se tornou a base para supremacistas brancos que buscam uma mitologia conveniente para fundamentar suas crenças – um padrão problemático de que estudiosos medievalistas modernos estão cientes.

A character brandishes a sword in Mordhau

A ideia de que a sociedade europeia medieval era totalmente (ou pelo menos, principalmente) composta de europeus brancos é falha em vários níveis, como explicou a Dra. Helen Young, medievalista e professora da Universidade de Sydney. A construção de raça como conhecemos hoje aconteceu depois do período medieval, geralmente durante um período de estudos medievalistas no Iluminismo do meio dos anos 1700, e tinha um objetivo distinto em mente quando teorizava uma idade médica mítica branca, um que permitiria que ideologias colonialistas e xenofóbicas tivessem uma fundamentação histórica.

Mas na falta de uma narrativa coerente de dominância racial europeia na Idade Média, muitos estudiosos dos séculos 18 e 19 decidiram inventar novas hierarquias de raça entre a Europa e o mundo, levando ao conceito moderno da branquitude europeia como um termo racial guarda-chuva que sintetiza a “grandeza” dos estados gregos e romanos com a “barbárie” dos feudos medievais. Misturando gregos e romanos em histórias da branquitude europeia, o poderio militar dos romanos, além dos marcos intelectuais dos gregos antes deles, poderiam entrar uma narrativa de uma grande história branca.

Essas narrativas, por sua vez, foram construídas sobre uma cultura popular inspirada por períodos da história medieval, como explicado por Shiloh Carroll. Nos videogames de fantasia, conhecemos esses esteriótipos que vieram principalmente de Tolkien: os orcs escuros e brutos, os anões fortes, os elfos ágeis e leves da floresta, e as hierarquias estruturadas com reis dos homens. Esses tropos de fantasia inspirados no período medieval podem ter começado com Senhor dos Anéis, mas é fácil ver sua linhagem em jogos como Dragon Age, The Witcher ou até em simulações medievais de “baixa fantasia” como Mordhau (sem mencionar os jogos oficiais Senhor dos Anéis).

É fácil usar a defesa do “historicamente correto” para cobrir decisões deliberadas feitas pelas equipes de desenvolvimentos, que permitem a possibilidade de apropriação por movimentos e ideologias de ódio racial. Infelizmente, a história de muitas locações realmente medievais é bem menos clara do que as fantasias de hegemonia racial branca pura podem sugerir, já que as fronteiras da Europa medieval estavam abertas para um grande número de viajantes, conflitos e trocas culturais que afetaram a formação racial das sociedades europeias da Idade Média, como o domínio Omíada da Espanha no meio dos anos 700, e o florescimento de comércio com sociedades africanas ao longo da costa mediterrânea.

Esses trabalhos de mídia criaram um “loop de feedback” (como Young se refere), com leitores e jogadores supondo que caracterizações medievais “corretas” eram definidas por outros trabalhos, que por sua vez foram influenciados por outras fontes tendenciosas, culminando numa visão de medievalismo “autêntico” na mídia que mais ou menos parece a mesma que qualquer outro retrato da Idade Média na mídia. Essa paisagem homogênea criou bases de fãs que julgam desvios como “imprecisão”, mesmo com estudiosos medievais dizendo que a Idade Média era mais complexa e diversa do que as visões populares retratam.

Geralt rides through a city in The Witcher 3
Screenshot de 'Witcher 3' cortesia da CD Projekt.

Não só essa é uma interpretação equivocada tosca de conceitos históricos das sociedades medievais, mas oferece um espaço perigoso para movimentos supremacistas brancos dizerem que esses retratos “autênticos” da Europa medieval parecem muito com Mordhau: brancos, masculinos, sangrentos.

Essa não é uma afirmação feita apenas por estudiosos do Iluminismo procurando criar uma teoria “científica” de raça, mas dos românticos do meio dos 1800 procurando por histórias raciais e culturais para reforçar o nacionalismo do período. Essa foi a era da Idade Média romantizada, de grandes trabalhos de arte retratando um livro de histórias do medievalismo, e reexaminando o folclore e mitos para apoiar histórias nacionais.

Assim como a construção de raça solidificou a raça branca como a mais poderosa, a construção de uma Idade Média racial tornou a nacionalidade branca a narrativa dominante da era. Então, sem surpresa, esses nacionalistas brancos modernos encontraram refúgio em representações não-críticas do medieval. E assim chegamos a Mordhau, ou, mais precisamente, na base de fãs que Mordhau atraiu, de propósito ou acidentalmente.

Peasants toil in a field in Kingdom Come: Deliverance
Screenshot de 'Kingdom Come: Deliverance' cortesia da Warhorse.

Sobre Kingdom Come: Deliverance (outro jogo que se orgulha de ser “historicamente correto”, como Mordhau), o crítico de videogames Andreas Inderwildi escreveu que:

Em sua busca por um mundo medieval 'autêntico', [a desenvolvedora de Kingdom Come: Deliverance] Warhorse produziu uma interpretação banguela, removendo o barulho, a estranheza, tudo que poderia te fazer parar para pensar ou desafiar conceitos populares, em favor de uma visão banal de um passado nacional idealizado.

Mordhau não tem os sentimentos específicos de desenvolvimento vistos em Kingdom Come: Deliverance, mas promete um nível similar de “autenticidade histórica” em seu “mundo fictício, mas realista”, o que alimentou a raiva de muitos jogadores nas redes sociais e fóruns contra a inclusão de outros gêneros ou raças nos campos de batalha atualmente brancos e masculinos do jogo. Intencional ou não, a representação de Mordhau do combate medieval como quase monocromático branco, o transformou num foco de ideologias prejudiciais que veem a Idade Média como uma fantasia etnonacionalista. É uma escolha especialmente estranha, colocar o jogo dentro de um cenário fictício que de certa forma é até mais paroquial e a-histórico que a maioria das versões populares da Idade Média, quando muitos estão interessados nos conflitos e intercâmbios entre grupos culturais e religiosos da era.

Se esse não foi um design intencional (e eu gostaria de pensar que não foi), e os desenvolvedores estavam simplesmente trabalhando sob suposições que achavam ser verdade, é difícil culpá-los – afinal de contas, eles estavam trabalhando com as mesmas representações da cultura popular da raça medieval que milhares de criadores usaram antes, cada um construindo sobre o mesmo loop de feedback de “autenticidade” vindo dos estudiosos românticos e iluministas, que construíram a fantasia em primeiro lugar. É um legado de ofuscação, pensado especificamente com vieses dos estudiosos, artistas e políticos etnonacionalistas do passado. É um legado que sobrevive não só em retratos não-intencionais de uma Europa medieval homogênea branca, mas nos adeptos da supremacia e nacionalismo brancos modernos.

É uma questão frustrante que pode tornar a criação de um jogo inspirado na história e estética medievais intimidadora, com a possibilidade de apropriação por supremacistas brancos pairando sempre no horizonte. Citando a medievalista Sierra Lomuto: “Se nacionalistas brancos querem corromper a iconografia celta com suas ideologias supremacistas brancas, ou encontrar consolo num videogame em que a moeda é uma fantasia de branquitude, não podemos impedi-los. Mas podemos nos recusar a ajudá-los”.

Knights storm a building in Mordhau

Os fóruns de Mordhau, oficialmente moderados pela Triternion, agora são lar de várias discussões e comunidades com uma abordagem relativamente relaxada para gírias ofensivas. Uma thread popular é para postar personagens, como relatou o PCGamer, intitulada “Post your Kniggas”.

Dentro do jogo, jogadores relatam uma falta de ação contra jogadores ofensivos, incluindo aqueles que usam regularmente termos racistas e machistas facilmente identificáveis. Numa entrevista para o PCGamer, o artista Mike Desrosiers da Triternion explicou que a equipe estava reticente em colocar uma lista de palavras para filtrar automaticamente termos ofensivos, dizendo que os jogadores simplesmente encontrariam palavras alternativas ou os acusariam de censura.

Além disso, Desrosiers disse que a equipe da Triternion estava considerando um “alternância de gênero e etnia” para futuras versões de Mordhau, para manter um tipo singular de jogador nas partidas online: branco e homem. Depois que a entrevista no PCGamer começou a chamar atenção, a Triternion, oficialmente, disse que essa “alternância” não estará disponível e nunca esteve numa postagem nos fóruns de Mordhau .

Os desenvolvedores de Mordhau, planejando isso ou não, criaram um ambiente favorável aos pontos de vista de apropriadores da cultura medieval supremacistas brancos. Eles acharam que ficando acima da discussão do que constitui ou não realismo, eles poderiam evitar tomar uma posição em algumas questões mais profundas – algo que atrai paralelos desconfortáveis com instituições maiores que não tomaram uma posição nas campanhas de assédio de GamerGate em 2014. Sem uma refutação firme do sentimento nacionalista branco e sem tornar esse espaço do game hostil para essas ideologias, a Triternion arrisca cair nas mesmas armadilhas de medievalistas contemporâneos lidando com infiltração de supremacistas brancos.

Matéria originalmente publicada na VICE EUA.

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