Como ajudar mulheres em situação de violência doméstica
Foto: Kevin Laminto/Unsplash.

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Feminisme

Como ajudar mulheres em situação de violência doméstica

Pedimos a duas especialistas dicas e orientações para prestar apoio a vítimas de um crime que mata 12 mulheres por dia no Brasil.

Adriana Castro Rosa Santos, Andreia Araujo, Albane Barbosa Nunes de Jesus. Uma pesquisa rápida no Google Notícias é capaz de encontrar três nomes de mulheres vítimas de feminicídio na última semana, assassinadas pelos próprios esposos.

Os três crimes, junto a outras dezenas, aconteceram na semana em que a Lei Maria da Penha, principal marco legislativo de enfrentamento à violência doméstica no Brasil, completou doze anos de existência. Sancionada pelo ex-presidente Lula em 7 de agosto de 2006, a lei foi responsável pela queda imediata das taxas de homicídio de mulheres no Brasil – no ano seguinte, a taxa de 4,2 mortes a cada 100 mil indivíduos do sexo feminino no país caiu para 3,9, segundo o Mapa da Violência de 2015.

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Essa mesma taxa, porém, voltou a crescer em 2008 e vem culminando em números de mortes assustadores desde então. Segundo uma matéria do G1 publicada em março, 12 mulheres são vítimas de feminicídio por dia no Brasil, o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Isso acontece porque, embora a Lei Maria da Penha (LMP) seja considerada pela ONU como uma das melhores legislações de enfrentamento à violência contra as mulheres no mundo, a aplicação da lei ainda encontra diversos desafios culturais e institucionais.

“Ela é uma lei que traz questões de saúde, de assistência social, cíveis. Ela tem uma abordagem multidisciplinar da violência, é disso que a gente precisa e é isso que a gente não tem”, fala a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas. Segundo a jurista, os problemas começam desde o momento da denúncia até a condenação dos réus e o amparo à vítima.

Para Valéria Scarance, a agressão física nem sempre marca o início de uma relação abusiva.

“Há outras formas de violência como xingamentos, o controle, o rebaixamento da pessoa, a violência sexual e até mesmo a patrimonial porque quando você trata desse contexto de gênero tem muita a ver essa finalidade da dominação e o controle da mulher”, explica a promotora.

Portanto, não minimize a situação da mulher. Ela ainda pode não ter sofrido agressões físicas, mas está passando por uma situação tão violenta e desgastante quanto.

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Chame a polícia

Se você ouvir a violência no momento em que está acontecendo, não há outra coisa a fazer: chame a polícia. Se as agressões são recorrentes, é possível que a polícia já tenha ido uma ou mais de uma vez nessa casa, então a advogada Marina Ganzarolli recomenda que você dê motivos mais fortes pela ligação, como ter ouvido um tiro ou visto fogo. “Invente uma história da carochinha, mas garanta a segurança dessa vítima”, fala.

Scarance também engrossa o coro de chamar obrigatoriamente a polícia, mesmo que seja insistentemente. Se a violência estiver rolando em um prédio, ela também aconselha acionar o porteiro, síndico e quem puder ajudar. Já a presença da Polícia Militar pode ajudar a evitar a escalada de violência contra a mulher ao conter o agressor.

Caso houver a omissão do policial em ajudar a vítima, insista. Fale da existência da Lei Maria da Penha, do dever dele em prestar socorro ou no mínimo levar o agressor até uma delegacia próxima para registrar o crime em flagrante. O ideal é sempre se dirigir para uma Delegacia da Mulher, mas nem sempre elas estão de plantão ou recebem ocorrências. Por isso, vá até a delegacia mais perto do local do crime.

Se mesmo assim houver uma omissão do policial, anote o número da placa da viatura e os dados dele e denuncie para o 180. “É importante que as pessoas reclamem do mau atendimento do agente público. Nem sempre uma denuncia anônima será investigada, mas se a viatura ou o policial for alvo de várias reclamações, as autoridades saberão que algo está errado”, aconselha a promotora.

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Não julgue

O ciclo de violência em que essa mulher se encontra evita que ela entenda que precisa sair daquele relacionamento imediatamente, então não julgue seus motivos para não fazê-lo. “É muito fácil falar ‘esse cara é um merda, por que você não larga ele?’ pra sua amiga. Mas se você falar isso pra ela, ela vai parar de te contar quando ele bate nela. Até quando ela não tiver mais nenhuma amiga pra contar, porque todas elas só souberam apontar o dedo na cara dela”, diz Ganzarolli.

Vale lembrar que criticar a mulher que está nessa situação não só a repele de procurar uma saída, como também reproduz o mesmo padrão de violência que ela sofre do companheiro. “Lições de moral e outras posturas não ajudam, pelo contrário, repetem o padrão do autor de violência que trata ela como incapaz, fraca e a humilha”, diz Scarance. “ A postura que faz uma vítima deixar uma relação abusiva é de acolhimento.”

Não deixe ela se esquecer dela mesma

Por que essa mulher é sua amiga? Ela é legal? É inteligente? Converse com ela sobre ela, estabeleça uma relação que vá além do abuso que ela sofre. Segundo a advogada, uma das consequência de um relacionamento abusivo é que a existência de uma pessoa fica projetada na outra, então não deixe que ela esqueça de si mesma.

“A empatia e a solidariedade oferecidas à mulher que vão ajudá-la a procurar uma saída. . Muita gente exige uma postura heroica da mulher, mesmo ela não ter pra onde ir e o que fazer. Ela precisa de alguém que ajuda e ampara”, explica Valeria. “Podemos ajudar a resgatar a pessoa que ela era e respeitando suas decisões enquanto mulher.”

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Escute

“Mostre que você é um ponto de escuta. E quando eu digo escuta, é escuta mesmo, é pra ficar quieto. Não é pra dizer o que ela tem que fazer”, fala Ganzarolli, que acredita que o dia seguinte à agressão é o melhor momento para conversar, porque é quando a vítima está se sentindo mais fragilizada e aberta a possibilidades de sair daquela situação. “Ninguém sabe tanto quanto a vítima em que grau de risco ela se encontra. Você não precisa dizer.”

Se mostre disponível

Um procedimento comum no atendimento de violência doméstica é a criação de um plano de segurança. Pra onde essa mulher pode ir quando o marido começar a agredi-la? Onde ela pode deixar os filhos numa emergência? Diga que você está lá para o que ela precisar. Ofereça sua casa como um ponto de fuga, ofereça para cuidar de seus filhos enquanto ela lida com as burocracias da denúncia.

Reúna provas

Embora a solicitação de medida protetiva não necessite de uma investigação criminal em curso ou uma decisão judicial, é preciso reunir o máximo de provas disponíveis para mostrar que o agressor tem perfil violento e pode voltar a machucar a companheira. “Enquanto ela está tomando a decisão de sair desse ciclo de violência, ela deve reunir todos os elementos que ela tiver que demonstrem essa história do casal, o perfil do autor e os ataques sofridos”, aconselha a promotora.

Junte tudo que for possível. E-mails, mensagens de texto, fotografias de agressões (ainda que elas sejam antigas), boletins de ocorrência, testemunhas de agressões, relatórios médicos, filmagens do circuito de câmeras e etc. Tudo isso mostra a história de violência no relacionamento e ajuda no deferimento da medida.

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“Medidas protetivas estatisticamente salvam vidas”, defende Scarance. “Em um levamento que fizemos no Ministério Público, dos 364 casos que o órgão fez acusação formal de feminicídio, tentado ou consumado, só 3% delas tinham medidas protetivas. A conclusão que se chega é que quando o estado intervém o autor do crime não ataca a mulher com tanta gravidade. Se ele repetir a conduta pode ser detido em flagrante ou ter um mandado de prisão cumprido.”

Descubra os pontos por trás da vulnerabilidade

O que está levando essa mulher a não conseguir romper esse ciclo? É uma vulnerabilidade afetiva, emocional, econômica, social? Converse com ela sobre cursos, oportunidades de trabalho, o que couber para que ela possa se fortalecer. “Lembre a ela que o relacionamento dela não a define. Descubra o que ela gosta, do que ela precisa. É claro que ela precisa largar o cara, mas você não vai conseguir fazer isso por ela. Um elogio, às vezes, resolve,” diz a advogada.

Também procure passar para a mulher sua completa ausência de culpa perante a situação. “É muito importante que não culpem a mulher e que ela também saiba que não é responsável por tudo isso”, complementa Scarance.

Ajude-a a pedir ajuda

Marque um horário para a vítima numa psicóloga, agende um encontro com uma advogada, diga que quer companhia para uma sessão terapia em grupo e a leve junto. “Uma das consequências pouco faladas da violência doméstica é o suicídio. Essa mulher está em profunda vulnerabilidade mental e, por mais que a ajude, você não é psicóloga. É preciso uma ajuda profissional, mas talvez ela precise da sua ajuda para pedi-la,” afirma Ganzarolli.

Para além do apoio emocional, há também caminhos institucionais onde a mulher pode procurar para se reerguer. “Procure uma rede de atendimento especializada como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou os Centros de Referência de Atendimento às Mulheres (CREAM) que são orientados a receber uma mulher que sofre violência”, indica a promotora.

Para denunciar anonimamente situações de violência doméstica ligue para a Central de Atendimento à Mulher no 180. É importante apresentar o máximo de detalhes para a polícia prestar ajuda como dar o endereço, nome, apelido, horário e descrever a situação que a vítima se encontra.

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