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Música

Simon Scott: Shoegazer

O selo Cherry Red está relançando a discografia inteira do Slowdive em dois CDs num formato deluxe. Entrei em contato com Simon Scott, que foi o baterista por maior parte da existência da banda.

No começo dos anos 90, eu e meus amigos sujos passávamos maior parte do tempo vagando pelos porões dos prédios que os meus pais tinham. Nossas preocupações principais durante esse tempo eram drogas, tocar discos do selo Creation e evitar empregos. Os dois primeiros álbuns do Slowdive (Just for a Day e Souvlaki) passaram bastante tempo nas nossas vitrolas durante aqueles dias lerdos, e eu tenho que dizer que uma das minhas memórias musicais mais queridas era de estar prensado contra uma parede de fundo do bar Maxwell’s em Hoboken enquanto Slowdive mandava onda atrás de onda de tranquilidade perturbadora através de uma casa de shows praticamente vazia. Quando a maior parte do grupo se tornou Mohave 3, perdi o interesse. Se quissese ouvir uma galera querendo pagar de caipira, eu preferiria ouvir Help Yourself. Mas esses primeiros três discos do Slowdive conseguiram resistir ao teste do tempo, independente se esse revival do shoegaze esteja acontecendo ou não.

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O selo Cherry Red está relançando a discografia inteira do Slowdive em dois CDs num formato deluxe. Entrei em contato com Simon Scott, que foi o baterista por maior parte da existência da banda, e então conversamos sobre coisas do tipo cabelo tigela, grunge, new gaze e Jerky Boys.

Slowdive

Vice: Como você acabou tocando no Slowdive?
Simon Scott: Eu tava tocando bateria pra uma banda de Huntington chamada The Charlottes na época, e repensando meu futuro porque metade da banda havia decidido ir pra universidade em tempo integral. Quando o Slowdive abriu pra gente em um pub em Hampsted chamado The White Horse, na hora me apaixonei por eles - então quando ouvi dizer que estavam insatisfeitos com o baterista deles, decidi deixar eles sabendo que eu tava afim de me juntar a banda. Na semana seguinte deixei The Charlottes, entrei no Slowdive, me mudei pra casa de Neil e Rachel em Reading, e assinei o contrato da gravadora.

Slowdive geralmente é associada à moda/gênero shoegaze que rolou no começo dos anos 90. Na época, você realmente achava que havia uma cena shoegaze rolando no Reino Unido? Você achou isso um rótulo apropriado para banda?
Shoegaze é só um termo usado pela imprensa. Pra falar a verdade a gente nunca ligou muito pra isso porque a gente tava muito ocupado fazendo turnês, desenvolvendo nosso som e escrevendo músicas. No começo ela era conhecida como a "cena que celebra a si mesma", porque a gente tocou no mesmo show que Chapterhouse e Lush. O que eles esqueceram é que o Blur, com quem a gente tocou nos EUA em 1991, e Suede, também tocaram nos mesmos clubes. Não parecia uma cena, só um monte de bandas jovens fazendo turnê juntas ou bebendo nos mesmos bares. Mas mesmo assim a gente achou bem esquisito que do nada todo mundo começou a usar pedais de reverb.

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No começo dos anos 90, eu e os meus amigos na costa leste dos EUA estávamos comprando qualquer coisa que vinha do Reino Unido que tivesse alguma afiliação com a Creation e lendo qualquer revista britânica, assim como fanzines norte-americanos, referentes ao shoegaze. Em nossas pequenas mentes, realmente queriamos acreditar que havia uma "cena" lá, aonde MBV, Chapterhouse e outras bandas fizessem rolê juntas. Era realmente assim, ou havia alguma competitividade entre as bandas?
Bom, a gente chegou a fazer rolê com outras bandas da Creation como a Swervedriver. Também conhecemos My Bloody Valentine e obviamente tocamos em alguns festivais com essas bandas, então entendo como poderia parecer que tinha uma cena shoegaze surgindo. Acho que pra imprensa era uma cena, mas no fundo a gente só estava fazendo o que a gente sabia fazer musicalmente e estávamos impressionados com o fato de estarmos na Creation com Primal Scream e MBC. Quando eu tinha por volta de 16 anos de idade, minha ambição era ser um baterista da Creation, e esse sonhou virou realidade. Então para mim, pessoalmente, foi uma época maravilhosa. Agora quanto a competitividade, nós só estávamos tentando ser nós mesmos, então nunca prestávamos muita atenção nas paradas de sucesso, ao contrário de algumas outras bandas que estavam tocando com a gente na época.

Houve um momento em que a imprensa musical do Reino Unido se virou contra o Slowdive assim com outras bandas shoegaze. Porque você acha que isso aconteceu? Você preveu isso?
Sim. É inevitavel quando surge uma enorme cena nova que toma o mercado musical global, que nesse caso foi o grunge. O quê que seria mais diferente pra cinco jovens de classe média com cabelo tigela e reverbs monstruosos, do que roqueiros de Seattle com cabelos longos, vestidos de xadrez? A ironia é que amavamos Nirvana e Soundgarden, e quando conhecemos o Smashing Pumpkins em Chicago, eles nos falaram que eramos uma grande influencia pra eles. A gente não viu as críticas vindo, mas tentamos ignorá-las até a Creation do nada virar obcecada com hits nas paradas de sucesso e com o que o público pensava.

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Quais são algumas de suas lembranças gravando aqueles dois primeiros álbuns do Slowdive?
Estando no Courtyard Studios com o talentoso engenheiro Chris Hufford, gravando "Just for a Day" e "Catch the Breeze". Estávamos todos nos divertindo e fazendo músicas incríveis sem nenhum tipo de recriminação ou negativismo, então era uma época boa. Outra lembrança boa que eu tenho é de estar no QG da Creation em Bethnal Green, tocando a versão finalizada de Souvlaki, a que o Brian Eno tocou, e extremamente orgulhoso do álbum.

Eu fui descobrir recentemente que Souvlaki é uma referencia de um skit do Jerky Boys. Isso é animal!
Ao contrário do que as pessoas acham, a gente tem um bom senso de humor. Tínhamos fitas do Jerky Boys com a gente em turnê pra nos mantermos sãos em dias ruins. Costumavamos ouvir as fitas no estúdio também, então o Radiohead, que era produzido por Chris Hufford, conseguiu uma fita e eles deram o nome do primeiro CD deles de Pablo Honey por causa de um dos skits deles. Não lembro quem comprou a fita ou quem nos deu, mas com certeza isso afetou a gente.

Uau, nunca imaginei que Jerky Boys haviam impactado tanto assim a música britânica no começo dos anos 90, mas até que faz sentido. É uma pena que vocês não conseguiram entrar na trilha sonora do filme horrível que eles fizeram junto com o cover de Sabbath que o Helmet fez e Tom Jones tocando "Are You Gonna Go My Way" do Lenny Kravitz. Mas de qualquer maneira, quando as coisas começaram a ficar mornas pra você e pra banda? Foi uma separação amigável?
Ainda somos amigos e ainda conversamos até hoje, mas eu só queria tocar e criar música. Então quando acabamos de promover o Souvlaki eu fiquei esperando Neil decidir como ele iria querer que o proximo CD soasse. Decidi sair da banda e achei trabalho com algumas outras bandas, mas em retrospecto, é uma pena que não lançamos as músicas que fizemos em turnê, porque daí teríamos feito um álbum novo inteiro que teria músicas lado B como "Joy" e "Silver Screen".

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Sempre achei estranho que você deixou o Slowdive logo antes de lançarem o álbum mais experimental. Eles trabalharam nesse material enquanto você tava na banda? O que achou do álbum?
Eu não tinha ouvido nenhuma música antes de sair e nem tenho o álbum pra falar a verdade. Foi quase inteiramente feito por Neil e Rachel—Nick e Christian mal estão nele — então eles continuarem a trabalhar juntos não foi uma surpresa pra mim. O que ouvi está bom, mas nunca esperava que fosse soar daquele jeito porque o EP 5 foi muito inspirado em tecnologia.

Desde que deixou Slowdive você tem trabalhado em vários projetos interessantes. Porque não lista e explica o que eles querem dizer pra você.
A lista de projetos nos quais toquei bateria é muita longa, mas eventualmente comecei a escrever músicas que levariam a formação do Televise em 2000, aonde cantava e tocava guitarra, mas a banda que tinha era muito restrita pra compor. Também escrevi música pra algumas companhias de televisão e filme, e isso levou a algumas instalações de som. A partir daí, meu interesse por sons e música ambiente continuou crescendo. Fizemos alguns shows com a Isan, que me levou a começar o Seavault com o Antony que era do Isan. Dividíamos o interesse por guitarras altas, computadores e música Morr - lançamos um single em 2008. E então fiquei obcecado em usar o meu computador pra fazer música combinando bateria, guitarra, vocais e o meu HD. Desenvolvi minha programação em vários ambientes de software como Max/MSP, e que sinto que é tão criativo e expressivo pra um músico que comecei a compor usando ferramentas tecnológicas junto de instrumentos tradicionais.

Realmente amei o disco solo que você lançou ano passado, o Navigare. Fiquei curioso em relação ao processo de gravação. Foi analógico? O que você usou na gravação?
Muito obrigado! Comecei esse álbum como um tributo ao meu tio, que foi um oficial de submarino antes de morrer devido a doenças relacionadas ao tabaco e à bebida. Basicamente gravei algumas guitarras, passei ela pros meus patches Max/MSP que eu mesmo programei, e então adicionei baterias e cordas. Também usei loops programados e criei o álbum inspirado na vida do meu tio no mar. Também tem barulhos, como chuva, e como você mencionou, o barulho analógico no álbum, mas é bem uma mistura de analógico com digital combinado para formar um álbum ambiente. A mesma sobreposição continua no mini LP Traba que a Immune lançou recentemente em vinil, mas o meu álbum seguinte vai variar mais. Eles vão até o total digital, no CD Silenne lançado pelo selo Belga Slaapwel, para um 7" totalmente acústico analógico que vai sair pela Sonic Pieces de Berlim.

Você acha que as influências de Slowdive estão entrando na música de hoje em dia?
Com certeza! Eu vejo tantos músicos talentosos, e até mesmo selos de vários gêneros diferentes me contando como Slowdive foi uma grande influência e inspiração. Muitas pessoas estão descobrindo nossos álbuns hoje, e as músicas e texturas sobreviveram bem ao teste do tempo, eu acho. Sei que transformamos muitas pessoas da minha geração em ouvintes de música ambiente feito com guitarra, que os levou a ouvir Eno, levando a pesquisar outros exploradores sônicos como Pierre Schaeffer, Stockhausen, Cage, Satie e Debussy.

Às vezes, quando estou bêbado, penso que Shoegaze foi o mais próximo que pessoas dos últimos 30 anos tinham de uma cena de música psicodélica como dos anos 60. Você acha que isso é besteira?
Slowdive assinou com um selo independente para que pudessemos experimentar com música ambiente, pop melódico e qualquer outra coisa que tivéssemos afim. Então, de certo modo, éramos psicodélicos, e amávamos bandas de garagem como The Seeds e mais tarde The Stooges. A geração mais jovem está descobrindo Slowdive através do new gaze — que é um nome meio bobo, pra falar a verdade — com bandas como Deer Hunter, Radio Department e Ulrich Schnauss, e isso me deixa honrado. Eles citam a gente como influência, e isso é demais, mas… Acho que se eu fosse um adolescente agora, realmente estaria curtindo essas bandas novas, mas estaria indo atrás de álbuns do MBC, The Cocteau Twins e Slowdive para conhecer melhor a história.

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