Leblon em Chamas

FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Leblon em Chamas

Fotos do protesto contra Sergio Cabral e a Rede Globo que aconteceu no Leblon.

A semana começou com uma reunião entre o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), o secretário estadual de direitos humanos e representantes de entidades como OAB, Anistia Internacional e Defensoria Pública. O resultado dessa reunião foi um acordo para que a polícia reduza seu efetivo e o uso ostensivo de armamento não letal. Uma fonte extremamente confiável vazou uma informação para alguns jornalistas independentes e manifestantes, que logo foi parar na página do Black Bloc RJ, que tem onze mil likes. Na mensagem a fonte dizia que “a PMERJ vai tolerar, temporariamente, atos de vandalismo, com objetivo de jogar a opinião pública contra os manifestantes. A estratégia torna-se particularmente ardilosa diante das denúncias de que a PM vem infiltrando policiais nos protestos, que atuam como agentes provocadores, incentivando a violência (…) ficou claro na reunião que o principal alvo da polícia no momento são os anarquistas, especialmente grupos como o Black Blocs”. Desde os confrontos no Dia Nacional de Lutas, matérias criminalizando os Black Blocs começaram a pipocar nos veículos tradicionais. Até então eles só chamavam os manifestantes mais exaltados de vândalos ou baderneiros, mas agora finalmente eles têm alguém pra culpar. Desde essas primeiras matérias, o Black Bloc RJ já decidiu não fazer uma chamada oficial para o protesto de ontem, quando a mensagem sobre eles serem alvos circulou. Eles retificaram a não chamada junto da mensagem “Mas mal sabem eles, que nós vamos tomar outras medidas também temporariamente. Nossa inteligência é muito superior a de um bando de porcos. Avante Black Bloc!”.

Publicidade

O trecho da Av. Delfim Moreira em frente à Aristides Espindola (a rua do Cabral, na pomposa praia do Leblon) começou a muvucar lá pelas 17h. A rua estava bloqueada dos dois lados, com o carro-tanque estacionado e alguns PMs. Nesse momento a Choque estava repondo as energias com o premiado Açaí do BB Lanches a duas esquinas dali, em frente à Pizzaria Guanabara, point favorito (pra alguns) do saudoso Cazuza. O clima tava tranquilão, uma galera do skate da Praça XV colou lá com um bonecão do Cabral, largaram ele no meio da avenida e tocaram uma sessionzinha de best trick. Muitas fotos depois o boneco foi pendurado numa placa e incendiado. Não demorou pra ele cair e a galera começar a alimentar a fogueira. As coisas já tinham começado a esquentar um pouco antes, quando manifestantes expulsaram equipes da mídia convencional. Por mais engraçada que sejam as musiquinhas, eu sempre achei um pouco de sacanagem hostilizar essas equipes, pois geralmente é uma reporterzinha fudida de início de carreira que gasta 2/3 do salário para pagar o aluguel de um apê de merda perto do trabalho e um câmera tiozão que trabalha há trinta anos na emissora, mora em Japeri e tem uma porrada de filho e ex-mulheres. Mas nada disso despertou a reação da polícia, ainda não. Os manifestantes já tinham fechado os dois sentidos da avenida e nada acontecia, então estava na hora de testar os limites.

Uma galera encapuzada liderou uma marcha de umas trezentas pessoas que aos gritos de “Uh Leblon é nosso!” circulou o bairro. Primeiro descendo até a Ataulfo de Paiva, aonde pararam o trânsito por alguns minutos, deixando a meia dúzia de PMs posicionados na esquina muito nervosos. Pacificamente a marcha seguiu dando voltas pelo bairro, até retornar ao local de origem, pelo outro lado, cantarolando “olha eu aqui de novo”. Os manifestantes que haviam permanecido lá saudavam a galera, alguns gritando que tratava-se de “uma galera que desceu da Rocinha!”, uma vez que lá também ocorria um protesto, que fechou os dois sentidos da Lagoa-Barra, o que somado à Delfim Moreira fechada fudeu com a porra do trânsito da zona sul e oeste inteira, deixando só quem tem bicicleta ou helicóptero safo.  Ao todo foram umas três marchas dessas, que saíram dando volta no bairro, chegando até o hospital Miguel Couto na Gávea, manifestantes cantavam “que coincidência, quando não tem policia não tem violência” — o que foi verdade na maior parte do tempo, com exceção do momento em que alguns manifestantes detonaram o portão de vidro de um prédio administrativo da Rede Globo e só pararam quando tomaram banho de mangueira dos seguranças.

Publicidade

Após vários passeios desses, manifestantes voltaram para a Aristides Espindola. A maioria ficou parada na Ataulfo de Paiva em frente à Pizzaria Guanabara, que assim como o Jobi e outros picos boêmios clássicos e caros do Rio permaneciam abertos, enquanto o resto do comércio estava fechado. Um grupo voltou pra frente da barricada policial no quarteirão do Cabral e acendeu uma fogueira. Não demorou pra polícia atirar gás lacrimogêneo e balas de borracha. Uma galera que estava na retaguarda improvisou escudos e partiu para cima, para tentar segurar a posição da galera que começou a fogueira. Deu para segurar a Choque por alguns minutos, o suficiente para quem ficou para trás montar uma grande barricada de fogo no final da rua, e em todas as esquinas adjacentes. Uma loja da Toulon naquela esquina pagou o pato: sua vidraça foi quebrada e todo o interior saqueado, manequins e peças de jeans alimentavam as barricadas enquanto alguns fanfarrões gritavam “queima de estoque!” ou “não arranca a etiqueta que depois não dá para trocar!”.

A galera montou um esquema para uma guerra que não veio, embora uma formação do Choque tenha avançado e algumas motos perseguirem e atirarem em manifestantes. Foi uma repressão muito mais leve do que em qualquer uma das últimas manifestações que eu cobri. Pelo menos no início a polícia se preocupou mais em afastar do que combater ou prender os manifestantes, que foram recuando pelo bairro, cobrindo cada esquina, da Pizzaria Guanabara até a Praça Nossa Senhora da Paz em Ipanema de barricadas de fogo, e não deixando absolutamente nenhuma agência bancária pelo caminho intacta. Aí teve uma daquelas paradas obrigatórias prum baseado no meio do caos, os canabinóides aliviando os efeitos do gás lacrimogêneo e desligando um pouco do cérebro aquela inquietação de quem já sabia tudo que ia acontecer e tudo que vai acontecer. Como sempre, isso atrai as figuras mais curiosas para te ajudar a se livrar do fragrante mais rápido. Um sujeito negro com sotaque nordestino se aproximou, e acompanhou o grupo que se formou no papo engajado. Uma menina estava preocupada com a volta pra casa, dizendo que iria dispensar sua máscara de gás, pois estava receosa que a policia estaria dando duras e prendendo aleatoriamente as pessoas (o que acabou confirmando-se ser verdade). O negão respondeu que para ele não fazia diferença, já que morava numa favela e sua máscara era sua cor, e ele levaria dura de qualquer maneira.

Publicidade

Como já era esperado, por volta da 1h da manhã a polícia começou a fazer a faxina, literalmente, com o caminhão tanque ajudando os bombeiros a apagar as barricadas, enquanto motos e viaturas caçavam e prendiam aleatoriamente qualquer um que desse mole, numa clara intenção de gerar algum número para não dizerem que eles não fizeram nada. Num relato compartilhado mais de dez mil vezes no Facebook, o videomaker Rafucko conta como foi sua prisão: “Fomos algemados e humilhados pelo Batalhão de Choque enquanto fugíamos do caminhão de água. Quando andava até a viatura, segurando uma camisa que eu uso para molhar de vinagre em caso de gás, um dos policiais mascarados e sem identificação perguntou o que era aquilo, pegou e disse "tá confiscado". Os outros 5 participantes da "minha quadrilha" são testemunhas. Logo depois, o policial aparece na viatura com a minha camisa CHEIA DE PEDRAS PORTUGUESAS. Falei alto, para todo mundo ouvir: "essa é a minha camisa e essas pedras que ele está colocando agora não são minhas! Todo mundo aqui está vendo". Ele respondeu: "é bravo, é? vamos ver quando chegar lá, vou enfiar essas pedras no seu cu, aposto que você vai gostar".

Após ser levado para a 14ª Delegacia, esse grupo acabou não sendo indicado e foi liberado. No total, foram dezesseis detidos, a maioria foi liberada, alguns responderão processo em liberdade, um foi preso e conduzido ao presídio de Japeri por estar portando três morteiros. Na manhã seguinte, uma reunião emergencial do governador com o secretário de segurança do Rio foi convocada. Resumidamente, como era esperado, e foi anunciado na mensagem do início desse texto, a postura oficial foi de que o relaxamento da repressão foi um equívoco, o que só pode significar que agora a repressão vai ser pior. Os próximos protestos estão programados para a Jornada Mundial da Juventude, evento católico que acontece durante toda a semana que vem, com a visita do Papa Franciso I. A segurança do evento vai ficar por conta das Forças Armadas, que já anunciaram que não tolerarão máscaras nos eventos e se darão o direito de revistar quem acharem adequado.

Publicidade

Esperemos os próximos capítulos desta história.

@MATIASMAXX

Anteriormente no Rio de Janeiro:

A Batalha das Laranjeiras