Entre os Barra Bravas

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Entre os Barra Bravas

Passamos uns dias com a Geral do Grêmio e a Guarda Popular do Internacional às vésperas de um clássico. E, em vez de treta, só vimos festa.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Para muitos torcedores, futebol não é questão de vida ou morte; "é muito mais importante do que isso", como disse o escocês Bill Shankly, lendário ex-técnico do Liverpool. E se o jogo comum possui essa carga dramática, o clássico vai além. Ainda mais se você for da torcida do Grêmio ou do Internacional, a dupla que, segundo muitos comentaristas, forma a maior rivalidade do Brasil.

Pautada no geral por sensacionalismo, grande parte da sociedade pensa que as torcidas de futebol brasileiras são redutos de criminosos. Não serei tolo de afirmar que delitos não ocorrem ali no meio, mas me parece se tratar apenas de um reflexo de uma sociedade violenta. Existe violência no trânsito, nas ruas, entre família, em partidos políticos… Por que não iria acontecer no futebol?

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Ciente da importância de um clássico e de todo o preconceito que existe em relação às torcidas, fui acompanhar de perto os bastidores e os preparativos para o último GreNal de 2015. A partida estava marcada para domingo, dia 22 de novembro, às 17 horas, no estádio do Beira Rio. O jogo não valia nada, mas também valia tudo.

Por mais que Grêmio ou Internacional não estejam na briga pelo título este ano, o clássico entre ambos é visto como uma final de campeonato. Ganhar o GreNal é o que importa. É só o que importa.

O jogo é vivido pelas torcidas durante toda a semana. Os dois maiores protagonistas das arquibancadas de Porto Alegre são a Geral do Grêmio e a Guarda Popular do Internacional. Minha missão foi acompanhá-las. Só lá saberia o que esperar.

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Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

O primeiro ponto para entender os dois grupos de torcedores rivais é chamá-los pelo nome correto: ambos são barra bravas. Não são torcidas organizadas como a maioria das que vemos pelo país.

O estilo das organizadas é antigo. Surgiu em 1939 com a TUSP, a Torcida Uniformizada do São Paulo, e explodiu a partir do final da década de 60, com o surgimento de muitas agremiações que existem até hoje, como a Gaviões da Fiel e a Torcida Jovem do Santos. A base desses grupos é o samba e a bateria de carnaval.

As barra bravas, por sua vez, vêm da tradição latina de cumbia e instrumentos como a murga e os metais. O fenômeno delas no Brasil é bem mais recente. A primeira a aderir ao estilo foi a Setor2 do Juventus, em 2001, mesmo ano de fundação da Geral do Grêmio. A maior crítica a essas torcidas é que não seria algo genuinamente brasileiro. Mas até aí, o hooliganismo, a base da cultura de muitas organizadas, também não foi criado no Brasil, e sim na Inglaterra. Então fica tudo no empate.

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Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

A semana de GreNal é composta de reunião com as autoridades, conversas internas, ensaio das bandas e preparativos para a festa. Antes, os torcedores visitantes costumavam se reunir no próprio estádio e seguir juntos para o campo rival. Desde o último clássico, porém, a polícia e o Ministério Público decidiram que o local de encontro seria a sede da Secretaria Estadual de Segurança, onde deveriam ir com horas de antecedência. Lá seria fornecido água e banheiros químicos.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Dizer aos torcedores que terão que fazer o pré-jogo em um local fechado fora do seu próprio estádio e bebendo água é uma afronta aos costumes gaúchos. A cultura local estabelece que o clássico é dia de churrasco e cerveja com os amigos. Além disso, as autoridades esqueceram de avisar que seriam disponibilizados menos ônibus do que o suficiente. Como resultado, grande parte dos veículos foi superlotado. Chegou uma hora que era impossível espremer mais um.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Vale ressaltar dois pontos cruciais que põem em xeque o esquema de segurança: um é que era impossível para a torcida se reunir na arena do Grêmio, mas foi de lá que saiu um ônibus com conselheiros e gente do clube; o outro é que a sede da Secretaria Estadual de Segurança é próxima à estação de trem onde desembarcariam milhares de colorados vindos do interior. Em resumo, as autoridades estavam aproximando ainda mais as torcidas nas ruas. Detalhe importante: boa parte das brigas entre torcedores no GreNal foi registrada exatamente no trem ao longos dos últimos anos.

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Foi para lá que eu fui exatamente às sete da manhã de domingo.

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Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Pode parecer loucura, mas o horário foi acertado com lideranças da Guarda Popular. É também a prova de que o compromisso com o clássico começa cedo. Às nove da manhã, após viagens, encontros e outras caronas, a carne estava assada e os copos de cerveja figuravam nas mãos de quem passava pelo boteco que servia de ponto de partida dos colorados da região.

Na verdade, aquele era nosso segundo encontro. No meio da semana, acompanhei uma reunião apenas com lideranças da torcida do Inter para discutir os preparativos do jogo. O clássico guiava a semana de todos. Foram visitas à confecção de camisetas da torcida, preparação das bandeiras e mensagens no celular o tempo todo sem parar. Até na balada de sexta, entre um drink e outro, a conversa era sobre o jogo.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Meio dia e meia saímos em algumas centenas do bar até a estação mais próxima. Por mais que o ambiente aparentasse descontrole com cantoria, cheiro de cerveja e pólvora de rojão, o último vagão do trem era um carnaval pacífico. Os próprios líderes trataram de aconselhar e ajudar outros passageiros a liberarem o local para os colorados e davam ordens para que nada fosse destruído. A viagem toda foi de gente pulando e cantando como se fosse o dia mais feliz da vida deles.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Para continuar no clima da torcida, não fui credenciado para o gramado ou cabine como os demais jornalistas. Entrei como torcedor normal – e por isso não tive acesso mais de perto dos gremistas dentro do Beira Rio.

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Ainda que eu não seja um torcedor colorado, estar no meio da banda da Guarda Popular em dia de clássico é uma experiência intensa. Todo o setor parecia enlouquecido; era como se nada mais no mundo importasse e fosse tudo pelo Internacional. Do outro lado, os pouco mais de mil gremistas faziam sua parte. Mesmo que isolados num setor superior do estádio e numa diferença numérica gigante, estavam enfrentando cerca de 30 mil rivais.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Eles, os gremistas, estavam desfalcados. Poucas horas antes, os tricolores tiveram uma baixa significativa devido a problemas com a polícia – um ônibus da Geral do Grêmio e o carro com todos os instrumentos da banda foram levados para a Arena do tricolor, onde tiveram que permanecer lá durante todo o jogo e se contentar em ver a partida no bar da rua, mesmo com ingressos em mãos.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Enquanto isso, no Beira Rio, com o gol e a vitória de um a zero, os colorados estavam em transe coletivo. As pessoas não paravam de cantar, choravam, abraçavam uns aos outros sem mesmo se conhecer, e o apito final foi só mais um detalhe. Todos continuaram a festejar na arquibancada.

Meu contato com as torcidas de Internacional e Grêmio teve sempre um ponto em comum. Ao contrário do sensacionalismo de alguns da imprensa e da demonização das torcidas – que, sim, também tem seus problemas e já estiveram envolvidos em violência – a preocupação maior de integrantes da Geral era como fazer mais festa no estádio, e a discussão na Guarda Popular era como lutar por um setor sem cadeiras para mobilizar a multidão e também fazer mais festa.

Crédito: Gabriel Uchida/ VICE

Por fim, no estádio, nas ruas, na periferia ou nas escolas, a história é a mesma: o poder é inimigo do povo organizado.