De 2013 pra cá: o que mudou desde as Jornadas de Junho?
Protesto do Passe Livre em 2015, ainda com marcas de 2013. Foto: Felipe Larozza/ VICE

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De 2013 pra cá: o que mudou desde as Jornadas de Junho?

Protagonistas de junho de 2013, como o MPL e a Polícia Militar, relatam o que mudou no país desde os protestos que cravaram a história recente do Brasil.

No dia 20 de junho de 2013, o MPL (Movimento Passe Livre) realizava o último protesto das Jornadas de Junho depois de conseguir revogar o aumento da tarifa do transporte público de R$ 3,20 para R$ 3. Nunca antes na história da cidade de São Paulo um movimento autônomo conseguira uma vitória tão amplamente divulgada pela imprensa, além de acender o debate acerca da repressão policial contra manifestantes.

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O dia em que o aumento foi revogado, junho de 2013. Foto: Leo Eloy

Três anos se passaram e o Brasil não é mais o mesmo. A rotina dos protestos de rua tornou-se comum nas principais capitais do país, sempre movidos por pautas distintas, à direita e à esquerda.

Para entender melhor essas mudanças, a VICE convidou alguns protagonistas de junho de 2013 para falar sobre o assunto, como o próprio MPL e a Polícia Militar. Leia os relatos abaixo, que foram editados para melhor compreensão.

Laura Viana, militante do MPL

"De 2013 pra cá, a gente sente que muita coisa mudou. Acho que o principal é que, tendo sido uma revolta popular de dimensões tão grandes, puxada por um grupo com um tipo de organização que foge do que a gente tá acostumado, o país acabou ganhando mais familiaridade com essa forma diferente de fazer política - de maneira autônoma, sem ligação com as instituições tradicionais e sem grandes líderes tomando a frente. Foi uma coisa que a gente viu muito forte com os secundaristas, por exemplo. Não é que o MPL tenha inventado esse novo fazer política, mas junho de 2013 acabou ficando como um grande exemplo de como a gente pode lutar por direitos de forma mais assertiva, sem fazer o jogo político tradicional, se colocando na rua e exigindo o que é nosso. Sempre falamos que só a luta muda a vida, e acho que o mérito desse momento foi mostrar isso de forma bem prática.

Protesto do Passe Livre em janeiro de 2016. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Além disso, o transporte passou a ser colocado como pauta de forma mais relevante, passou a ser um assunto obrigatório, e debatido de forma mais aprofundada, quando se fala da cidade. Se antes tarifa zero era coisa de louco, agora a gente fala dela como uma coisa possível.

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Mas também teve a parte que podemos considerar ruim, ainda que seja bom pra perceber que os governantes ganharam mais medo do povo, que é o aumento e a especialização da repressão. Em 2013, nós tivemos uma ação policial bem mais atrapalhada, com o Estado perdido, sem saber como agir com toda aquela gente na rua. Mas nesses últimos anos eles foram aprendendo, né? A criminalização dos movimentos sociais ficou muito mais intensa, como a gente pôde ver durante a Copa, e a repressão aos atos ficou muito mais violenta."

Major Emerson Massera, da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Foto: Felipe Larozza/ VICE Brasil

"A Polícia Militar sempre atuou em centenas de protestos anualmente. Para se ter uma ideia, chegamos a registrar de seis a sete manifestações por dia, em média, no Estado de São Paulo, quase sempre pacíficas, com a Polícia sendo empregada para garantir a democracia e a liberdade de expressão.

As Jornadas de Junho de 2013, contudo, trouxeram uma novidade: o emprego de violência como estratégia de protesto. De lá para cá, a Polícia Militar estudou muito e desenvolveu novas técnicas, adquiriu novos equipamentos e aprendeu a lidar com as manifestações violentas.Atualmente, são raras as manifestações em que vândalos conseguem efetivamente depredar a cidade e também tem sido raras as reclamações em relação à atuação da polícia.

A Polícia Militar é uma das instituições públicas que mais rapidamente se adaptam à evolução social, estando preparada para proteger a democracia e defender o cidadão."

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Alexandre Morgado, membro do Gapp (Grupo de Apoio ao Protesto Popular)

"A atmosfera de junho de 2013 tinha uma grande parcela da população que nunca havia se manifestado, que não conhecia quais eram os movimentos que tradicionalmente abraçavam as lutas. Não compreendia, principalmente, as diferenças entre esquerda e direita. Inclusive, há pesquisas que mostram que hoje, ainda, isso não é compreendido pela população. Era um movimento mais inocente, com senso de indignação geral sem conhecimento de causa. Outro dia ouvi num bar que, antigamente, todo mundo sabia o nome de todos os jogadores da seleção e nenhum nome de ministro do STF. E, hoje, parece que ninguém sabe muito bem quem está na seleção e todo mundo sabe o nome dos ministros do STF. É mais ou menos isso. Havia uma falta de consciência em entender nosso sistema bicameral, o congresso, o senado, o STF, qual é o papel de cada um. Mas havia a sensação de que estava tudo errado e precisava mudar.

Junho de 2013 tinha uma inocência que permitiu com quem múltiplos públicos dividissem a rua sem apontar uns aos outros as principais diferenças entre eles e sem se recusar a estar ali na presença dos outros. Hoje em dia a gente tem um cenário de polarização clara.

Tivemos o crescimento de movimentos que não existiam em junho de 2013, como o MBL, o Vem pra Rua, o Revoltados Online – esse último até já existia, mas era pequeno. Esses grupos ganharam muita força, cresceram muito em cima de sensacionalismo barato. Então, você tem esses grupos todos sempre fazendo um auê em cima de desinformação ou meias verdades ou direcionamentos que têm apelo comunicativo, mas não necessariamente uma profundidade maior com relação à política.

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Passe Livre negocia liberação de trajeto com a PM no quarto ato de 2016. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Agora, temos uma polícia que está cada vez mais sofisticando suas ferramentas e seu aparato repressor quando comparado com junho, com o massacre do dia 13, quando o Batalhão de Choque dispersou violência indiscriminada pela Avenida Paulista e imediações. Tivemos o surgimento e o desaparecimento do black bloc, que está bastante apagado hoje no Brasil. E temos uma polícia que, agora, aprendeu a usar a mídia a seu favor, aprendeu a surgir com pautas que não eram e nunca fora relevantes. Um exemplo claro é aquela história do "se vocês não disserem o trajeto, a polícia não vai deixar a manifestação sair". Começaram a vender isso pra mídia, as pessoas começaram a repetir isso. Sendo que nunca foi assim, nunca precisou ser assim. Isso não está na Constituição e são novas ferramentas que estão se adaptando. Teve um esforço organizado da polícia pra combater os movimentos sociais."

Assista ao vídeo do protesto de 13 de junho, 'A Batalha da Consolação'

Sérgio Silva, fotógrafo que perdeu um olho ao ser atingido por um tiro de bala de borracha da Polícia Militar em junho de 2013

Foto: Sérgio Silva

"A grande mudança, pro bem ou pro mal, foi de uma maior parte da população no cotidiano político. Não só em questões que causam impactos sociais, mas no cotidiano mesmo, diário. Acho que está muito claro que de 2013 pra cá, houve uma conscientização política e também uma grande polarização de discussões. Vimos algumas consequências boas desse despertar geral pra política, como vimos ruins também.

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Acho que por outro lado, a voz dos mais excluídos ganhou um pouco mais de força. A própria população está se ouvindo e fazendo essa disputa politica dentro desse cenário partidário que a gente está acompanhando desde 2013."

Daniel Biral, advogado e ex-membro dos Advogados Ativistas

"Os Advogados Ativistas surgiram em junho de 2013. Na verdade, éramos alguns advogados que nem nos conhecíamos, não tínhamos nenhuma proximidade. O que aproximou a gente foi as ruas. No primeiro ato, no dia 6 de junho, algumas pessoas conhecidas minhas foram atingidas pela violência policial ­– coisa que a gente sabia que acontecia na periferia, mas eles foram atingidos na Avenida Paulista, numa manifestação simples, meio boba, com poucas pessoas, sem travar o trânsito. Um dos atingidos perdeu o movimento do dedão. Super sério. E, ao longo do tempo, fui encontrando esses advogados. Publicaríamos textos no Facebook para esclarecer as pessoas. Estava funcionando. Até que aconteceu dia 13, quando a negociação com a polícia era de que estava tudo bem. Do nada, começou a chover bomba, tiro, porrada.

Num primeiro momento, o que que a gente fazia? Publicava os textos. Num segundo momento, eu acompanhava as manifestações ao lado da polícia conversando com eles, falando do direito que as pessoas tinham de estar ali se manifestando. Foi muito intenso. Disso, o que resultou? Começamos a atuar como advogados, constituímos um grupo. Tínhamos oito advogados que davam também orientação a esses grupos que estavam iniciando as suas atividades políticas. Hoje, vemos grupos que se constituem, como a rede de juristas feministas. É mais um dos grupos que vem construir uma sociedade mais livre, democrática. Esse é o grande ganho de 2013. E 2013 está acontecendo ainda.

13 de junho de 2013. Foto: Felipe Paiva/ R.U.A Foto Coletivo

Essas pessoas se encontraram nas ruas e passaram, através de rede social, a fazer o seu ativismo, as suas movimentações políticas apartidárias. E isso eu acho que é o fundamental, de lá pra cá. Esses grupos mantém as lógicas autônomas na cidade realizando projetos, intervenções, sejam artísticas, culturais, de música, com novas políticas públicas – sem querer realizar isso através de partidos. São grupos apartidários. Essa, pra mim, é a maior conquista. 13 junho de 2013 reflete hoje como esse vendaval que buscou a mudança. E, depois, vieram os grupos mais partidários, querendo essas pautas. Alguns tentaram levar à direta, e outros à esquerda. Os grupos anarco-punk se envolveram em mais questões, no meu ponto de vista. Deixaram de ser grupos cool e restritos do meio boêmio da cidade e passaram a atuar um pouco mais de forma política. A galera da periferia que eu via indo para as manifestações em 2013 começou a ter contato com esses grupos um pouco mais elitizados (do ponto de vista cultural, e não no ponto de vista de "ser elitista"). E isso mesclou muito com muitas pautas, que eram do centro de São Paulo e foram carregadas para as periferias – que a gente vê com a questão das próprias escolas secundaristas, de toda essa junção de atores da sociedade civil apoiando os secundaristas. Tem a ver com isso também. Faz parte desse caldo de 2013."

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