Mate o Banqueiro

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Edição Wall Street

Mate o Banqueiro

Uma breve história sobre a revolta contra os membros de Wall Street e uma análise sobre porque a revolução nunca chegou aos EUA.

Certa violência pode funcionar para se defender de banqueiros predatórios. Considere os fazendeiros de Le Mars, Iowa, por exemplo. O ano era 1933, o auge da Grande Depressão.

Uma bolha financeira em Wall Street tinha quebrado a economia, as engrenagens da produção industrial tinham se paralisado e 13 milhões de norte-americanos perderam o emprego. Por todo Cinturão do Milho, os fazendeiros não conseguiam preços justos pelo leite e pelas colheitas, suas receitas despencaram e as hipotecas não foram pagas. Vendo a oportunidade, os bancos tomaram essas propriedades agrícolas em número recorde, deixando os fazendeiros sem teto e destituídos.

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Então, eles se organizaram. Sob a liderança de um fazendeiro encrenqueiro e bebum de Iowa chamado Milo Reno, que tinha o dom da oratória, muitos milhares de fazendeiros do Meio-Oeste se recusaram a vender seus produtos durante o ano de 1933. "Vamos comer nosso trigo, presunto e ovos", dizia o burlesco popular do movimento. "Deixe que eles comam seu ouro", disseram os banqueiros.

Eles chamaram isso de "O feriado dos fazendeiros" e batizaram seu grupo de Farmers' Holiday Association. Em discursos por todo o Meio-Oeste, Reno investia contra "o programa destrutivo dos usurários" – falava, claro, das políticas destrutivas de Wall Street e da indústria bancária. Os fazendeiros, ele afirmava, tinham sido "roubados por um sistema legalizado de extorsão". Ele destacava que "forças do privilégio" estavam minando "as próprias fundações de justiça e liberdade sobre as quais o país foi criado". Ele comparava a luta dos fazendeiros à dos fundadores dos EUA, que tinham pegado em armas. Ele alertava que os fazendeiros talvez tivessem de "se unir àqueles que são a favor de derrubar o governo", que ele considerava servo das corporações. "Vocês têm o poder de tomar as grandes corporações", ele garantia, e de "chacoalhá-las até a submissão". Um de seus colegas de Iowa, John Chalmers ordenou que os homens do FHA usassem "todas as armas ao seu alcance". "E quando digo armas", acrescentava Chalmers, "quero dizer armas".

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Em Le Mars, a arma escolhida foi a corda de enforcamento. No dia 27 de abril de 1933, numa série de incidentes que viraram manchete nacional, centenas de fazendeiros cercaram uma fazenda que estava prestes a ter a hipoteca executada sob os olhos do xerife local e seus policiais. Eles bateram nos homens da lei, impediram a tomada da fazenda e arrastaram o xerife até um campo de futebol da cidade, onde brandiram o laço. Mas, em vez de enforcar o xerife, eles foram atrás de um prêmio maior: o juiz do condado, Charles C. Bradley, que sentenciava sobre as hipotecas.

Bradley foi arrancado de sua bancada, arrastado pelo tribunal, levado até a zona rural, jogado numa estrada de terra, despido, "espancado, sujo com graxa e arrastado no chão por um laço amarrado em seu pescoço enquanto os fazendeiros vingativos gritavam seus protestos contra suas atividades de hipoteca", relatou o Pittsburgh Press. De acordo com o jornal, o grupo "abriu os dentes cerrados do juiz com uma chave de fenda e jogou álcool em sua garganta". Uma calota cheia de óleo foi colocada em sua cabeça, com o líquido escorrendo por seu rosto enquanto os fazendeiros enfiavam a terra de Iowa em sua boca. "Essa é a coroa dele", afirmaram.

O juiz foi pendurado pela corda até ficar inconsciente, se recuperou e foi pendurado de novo. Quando ele se reanimou, os fazendeiros disseram que ele devia orar. "Só a oração pedindo orientação divina, com o juiz ajoelhado na terra da estrada, conseguiu aplacar a multidão", reportou o Pittsburgh Press, condenando o evento como o prenúncio de uma "revolução aberta".

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Os fazendeiros, vendo que estavam prestes a se envolver num assassinato, pouparam Bradley. Ele já tinha sangrado, sido coberto de sujeira e humilhado, e isso era o suficiente.

A ameaça de turbulência generalizada fomentada por Reno e pela FHA teve o efeito pretendido: legisladores estaduais no Meio-Oeste promulgaram moratórias contra a execução de hipotecas de fazendas. Em 1934, a revolta fervia por todo o país. Trabalhadores industriais de Toledo, Ohio e Minneapolis, Minnesota; estivadores da Costa Oeste; e trabalhadores têxteis do Maine até o Deep South fizeram greves e protestos exigindo pagamento justo, proteções trabalhistas e representação por sindicatos. Eles encontraram a força bruta nas mãos das autoridades e de capangas pagos pelos donos dos negócios. Os grevistas de Toledo e Minneapolis responderam não se dispersando pacificamente, mas contra-atacando com paus e pedras. De acordo com os jornais, um confronto selvagem estourou em Toledo entre trabalhadores automotivos e a milícia da Guarda Nacional de Ohio, com os grevistas liberando sua própria barragem de gás lacrimogêneo contra as autoridades, "respondendo bomba com bomba". Caminhoneiros se envolveram numa luta corpo a corpo com os capangas pró-negócio da Citizens' Alliance nas ruas de Minneapolis. Um proeminente empresário da cidade teria anunciado: "Isso, isso… é revolução!"

Foi, em parte, o espectro de revolução violenta durante os anos 30 que estimulou Franklin Delano Roosevelt e o Congresso norte-americano a legislar pela reforma histórica do New Deal. O governo protegeu o trabalho dos abusos do big business, legalizou os sindicatos, estabeleceu o sistema de previdência social e colocou os usurários de Wall Street sob o escrutínio da Comissão de Títulos e Câmbio e de outros cães de guarda federais, os prendendo numa jaula regulatória como eles mereciam. O povo havia falado e forçado o governo a ouvir.

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Depois da queda de Wall Street em 2008, que mandou o país para a derrocada da Grande Recessão, comecei a escrever um romance futurista inspirado nas minhas leituras da revolta de Le Mars. O título era Mate o Banqueiro, em homenagem a William "Wild Bill" Langer, duas vezes governador de Dakota do Norte durante os anos 30, senador norte-americano de 1941 a 1959 e firme defensor da Farmers' Holiday Association. Durante sua campanha no auge da Depressão, ele conclamou aos eleitores: "Atire no banqueiro se ele vier à sua fazenda. Trate-o como um ladrão de galinha!". Não temos mais políticos como Wild Bill hoje em dia.

No romance, imaginei uma quadrilha de terroristas que atacava Wall Street. Assim como o Baader-Meinhof (maníacos marxistas que espalharam o terror pela Europa dos anos 70 aos 90), meus terroristas, que se chamam Os Estranhos, assassinavam membros da elite da classe banqueira que tinham escapado da justiça. Os Estranhos iam atrás da Goldman Sachs, Morgan Stanley, JPMorgan Chase, Bank of America, Wells Fargo, Deutsche Bank, Citigroup e Credit Suisse. Eles explodiam uma bomba na Bolsa de Nova York. Eles não tinham ideologia – exceto a de massacrar seu inimigo, matando pelo prazer de matar, como um homem faz dinheiro pelo prazer do dinheiro. Ou seja, como uma expressão de poder.

Os Estranhos levavam seus sequestrados do Bank of America para um porão nas montanhas do interior do Estado de Nova York, onde faziam julgamentos farsescos que publicavam no YouTube, transmitindo o veredito diante das massas norte-americanas: morte por tortura. Os wallstreetersalegavam inocência, diziam ser meras engrenagens da grande máquina. Os Estranhos os amarravam numa cadeira de ferro parafusada no chão, mijavam em suas bocas, arrancavam as unhas, os olhos, esmagavam os testículos com um martelo, removiam o intestino com um alicate, esticavam as tripas como um pisca-pisca de Natal e degolavam as vítimas chorosas com uma serra enferrujada.

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Era um romance tosco desde o início, mais propaganda do que narrativa, e abandonei o projeto depois de 30 mil palavras de puro gore, concluindo que terroristas são tão tediosamente previsíveis na ficção quanto repugnantes na vida real. Os fazendeiros de Le Mars não iam querer ter nada a ver com os Estranhos.

Parte da minha pesquisa para o livro foi sobre os precedentes históricos de terrorismo contra Wall Street. Até o atentado em Oklahoma City em 1995 – eclipsado pelo 11 de Setembro –, o ataque a Wall Street em 16 de setembro de 1920 foi o ato de terrorismo mais destrutivo em solo norte-americano. Ao meio-dia, uma charrete puxada por um cavalo, carregada com 45 quilos de dinamite e 226 quilos de pesos de ferro fundido, foi estacionada em frente ao número 23 de Wall Street: era o escritório da J. P. Morgan, o banco de investimentos mais rico e poderoso da época. Morgan tinha manipulado a economia nacional em seu benefício, explorando trabalhadores e destruído vidas. Ele era, como nossa safra atual de financistas, um bastardo escroto e provável alvo da bomba.

O condutor fugiu; minutos depois, houve uma terrível explosão. Uma "nuvem em forma de cogumelo de fumaça amarela e verde", relatou um espectador, "subindo até uma altura de mais de 30 metros, com a fumaça sendo lambida por enormes línguas de fogo"; enquanto isso, "centenas de homens e mulheres feridos e pasmos" fugiam em pânico. Instantaneamente, corpos foram "explodidos em átomos": a cabeça de uma mulher, ainda com o chapéu, foi arremessada contra uma parede de concreto, onde ficou presa. E "grandes manchas de sangue apareceram nas paredes brancas de vários prédios comerciais de Wall Street".

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Trinta e oito pessoas morreram, 143 ficaram feridas. Nenhum grupo assumiu a responsabilidade, e o crime nunca foi resolvido. O atentado foi muito parecido com o trabalho de revolucionários socialistas italianos, que realizaram uma sequência de ataques pelos EUA no ano anterior visando oficiais eleitos e organizações da lei. O atentado em Wall Street deveria ser o grande momento deles. Eles acabaram matando, principalmente, balconistas, estenógrafos e corretores: trabalhadores humildes de escritório. J. P. Morgan nem sequer estava na cidade naquele dia. O ataque, que causou US$ 2 milhões em prejuízos (cerca de US$ 24 milhões hoje), só conseguiu produzir medo e repulsa no público, além de uma nova simpatia por Wall Street.

A ideologia de terrorismo revolucionário, tendo como alvo grandes empresas financeiras nos EUA, se originou com um imigrante bávaro chamado Johann Most, que, chegando a Nova York em 1882, observou – tão corretamente quanto hoje – que "quem quer que olhe para a América verá: o navio é abastecido por estupidez, corrupção ou preconceito". Ele denunciou Wall Street e a classe dominante como "uma ninhada de répteis". Ele escreveu que "o sistema existente será o mais rápida e radicalmente derrubado pela aniquilação de seus oponentes. Portanto, massacres contra os inimigos do povo devem ser colocados em movimento". Em 1885, ele publicou o livro A Ciência da Guerra Revolucionária para dar início ao massacre. O subtítulo era muito útil: Um Pequeno Guia Para o Uso e Preparação de Nitroglicerina, Dinamite, Trinitrocelulose, Fulminato de Mercúrio, Bombas, Fusíveis, Venenos, Etc.

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Um tampinha deformado, Most passava seus dias numa febre de ressentimento, e, no final, apesar de ter viajado pelo país fazendo discursos e alimentando o ódio, nunca detonou uma bomba sequer. Mas ele inspirou outros a eliminar a ninhada de répteis. Em 1892, Alexander Berkman, um agitador anarquista, tentou matar Henry Frick, sócio de Andrew Carnegie na Carnegie Steel Company, notória pelo maltrato aos trabalhadores. Mais tarde, em 1914, Berkman supostamente se envolveu no plano fracassado para matar o industrial John D. Rockfeller, que havia presidido o massacre de seus funcionários em greve. Foi um catálogo de fracassos, cujo único resultado foi voltar o público a favor dos inimigos do povo.

Nos anos 70, carregando a bandeira da destruição revolucionária, o Weather Underground, um ramo radical da Students for a Democratic Society, realizou um atentado a bomba a uma filial do Bank of America, parte de uma campanha anticapitalista que visava alvos como instalações militares, tribunais, sedes de corporações, o Departamento de Estado, o Pentágono e o Capitólio. Os weathermen, como eram conhecidos, eram cavalheiros em seus ataques: antes da detonação, eles quase sempre enviavam um alerta anônimo para evacuar o local-alvo. As dezenas de atentados nos anos 70 se provaram totalmente infrutíferos para o principal objetivo do grupo: "a criação de um movimento de revolução em massa" para derrubar o governo norte-americano.

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No dia 29 de setembro de 2009, um morador de 64 anos de Phoenix chamado Kurt Aho, que estava com câncer, saiu pela porta da frente de sua casa, cuja hipoteca tinha sido executada, com uma Magnum .357, atirando nos pneus de duas caminhonetes que estavam na entrada da garagem. Isso foi três anos depois do estouro da bolha imobiliária e quase exatamente um ano depois do início da Grande Recessão. Milhões de proprietários, desesperados e com medo, sem emprego ou renda, não conseguiram pagar suas hipotecas. E os banqueiros logos vieram exigir que eles fossem expulsos.

Os carros pertenciam a dois investidores do mercado imobiliário, que disseram ter comprado a hipoteca da casa de Aho do Bank of America. Agora, eles queriam ver a nova propriedade. Aho ficou chocado. Ele vivia naquela casa há 29 anos, tinha criado seus filhos lá. De acordo com a filha, Tammy Aho, ele estava passando por problemas financeiros. Ele era empreiteiro. Sem conseguir trabalho, vivia de crédito e estava lutando contra a doença. Em junho de 2009, Aho tinha contatado o Bank of America para pedir uma renegociação de seu empréstimo. Representantes do banco lhe falaram – "não diretamente", frisou Tammy, "mas dando voltas" – que ele precisava atrasar alguns pagamentos. "Eles disseram que, se ele atrasasse seis meses da hipoteca, eles o ajudariam a renegociar os termos do empréstimo."

Seria um atraso estratégico. Ele seguiu o conselho. O Bank of America assegurou que a renegociação estava sendo processada. Eles continuaram assegurando isso até o minuto em que a propriedade foi vendida num leilão em 29 de setembro, quando Aho achou os dois investidores parados em seu gramado.

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Aho pediu provas da compra aos investidores, mas eles não tinham nenhuma em mãos. Eles reiteraram que a papelada ainda estava sendo preenchida. Ele mandou que eles dessem o fora de sua propriedade. Eles se recusaram. Foi aí que a arma entrou em cena, os pneus foram furados e os homens fugiram. Aho, por hora, tinha conseguido impedir que tomassem sua casa.

Aho estava respondendo não apenas à sua própria crise pessoal, mas à percepção generalizada de que os bancos estavam vindo atrás de todo mundo. A partir do ano 2000, mais de uma dezena de instituições financeiras, o Bank of America sendo a mais proeminente, conspiraram com as financiadoras de hipoteca para estender empréstimos imobiliários para qualquer um que conseguisse embaçar um espelho – basicamente, uma longa linhagem de ingênuos que sempre ouviram falar que você podia ter uma casa grande apenas recebendo gorjetas como garçonete. Esses empréstimos arriscados, reunidos em títulos hipotecários que os bancos sabiam ser investimentos péssimos, foram anunciados como títulos cinco estrelas e vendidos para investidores institucionais do mundo todo por trilhões de dólares.

Os bancos, cheios de dinheiro, injetaram ainda mais grana em mais empréstimos imobiliários de má qualidade, com os credores de Wall Street enganando mais e mais pessoas para assinar os contratos. Os preços de imóveis dispararam na maior bolha financeira da história. E, então, a bolha estourou, produzindo o mais severo colapso imobiliário já visto no país – pior que durante a Grande Depressão –, e proprietários como Aho ficaram pagando hipotecas altíssimas por casas cujo valor real tinha despencado.

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Entre 1990 e 2014, os setores financeiro, de seguros e imobiliário gastaram US$ 3,8 bilhões fazendo lobby no Congresso norte-americano: durante esses anos, legisladores dos dois partidos obedeceram cada ordem de seus compradores, desregulando massivamente a indústria financeira. O congresso derrubou as reformas bancárias dos anos 30 de Roosevelt, permitindo megafusões de bancos, companhias de títulos e seguradoras. Isso relaxou as leis que governavam as operações dos megabancos e abriu mercados financeiros para abusos de seus instrumentos, como títulos lastreados em hipotecas. E, no meio dos anos 90, na porta giratória da corporocracia e do governo, os próprios banqueiros conseguiram empregos liderando essas mesmas instituições (a Reserva Federal, o SEC, o Departamento do Tesouro) com o objetivo de reforçar as poucas leis que sobraram para impedir que a indústria acabasse engolindo o público inteiro.

O Bank of America finalmente fez acordos em pelo menos 21 ações judiciais de investidores e reguladores pelo tráfico de títulos lastreados em hipoteca. A gama da fraude ia da sofisticação obscena de títulos hipotecários podres ao banditismo puro e simples de empurrar empréstimos predatórios e execuções ilegais de hipoteca. De acordo com a National Association of Attorneys General, o Bank of America estava entre os cinco megabancos que organizaram a infame "assinatura robotizada" de atestados ilegais de execução de hipoteca, produzindo documentos forjados e fabricados para acelerar o despejo de proprietários; assim, as propriedades podiam ser vendidas novamente por mais lucro.

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O banco jogou de maneira cruel com os proprietários, prometendo seguidamente a renegociação dos empréstimos – como no caso de Kurt Aho – só para depois dizer que tinha perdido os papéis, forçando a execução das hipotecas logo depois. A ação coletiva encerrada em fevereiro passado viu o banco engajado num novo "esquema de contragolpe, inflacionando o custo do seguro que os proprietários são forçados a pagar". O Departamento de Justiça relatou que uma das subsidiárias do banco "erroneamente executou hipotecas de servidores na ativa sem ordem judicial". De acordo com o jornalista investigativo Matt Taibbi, a totalidade da corrupção e venalidade do Bank of America ensejou licitações fraudulentas no mercado multitrilionário de ações municipais, atuações duvidosas como árbitro em disputas entre seus titulares de cartões de crédito e cobrança excessiva de correntistas com taxas de cheque especial manipuladas. O banco roubou seus próprios clientes em US$ 4,5 bilhões.

E esse é apenas o Bank of America. Pelo menos uma dúzia de outros grandes bancos e credores hipotecários estão implicados em fraudes similares.

Mas, em vez de distribuir sentenças de prisão, o governo socorreu esse megabanco e seus aliados. A companhia teria entrado pelo cano depois da crise de 2008 se o Departamento do Tesouro não tivesse aparecido com uma infusão de US$ 45 bilhões em 2009. Dois anos depois, de acordo com Taibbi, a Reserva Federal tirou cerca de US$ 55 trilhões dos contribuintes para cobrir os maus investimentos do banco.

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As dezenas de bilhões de dólares em multas que reguladores federais aplicaram no Bank of America e numa dezena de outros gigantes financeiros foram uma gota no oceano contra o custo real da bolha criada pelos bancos na economia – bolha que o Government Accountability Office estimou conservadoramente em US$ 12,8 trilhões. Mesmo assim, o governo cantou vitória sobre uma Wall Street castigada. A Comissão de Inquérito Sobre a Crise Financeira do próprio congresso norte-americano descobriu que executivos do mais alto escalão provavelmente sabiam – e até toleraram – as fraudes cometidas por suas companhias. Ainda assim, só um executivo foi preso. Numa nação cujo governo vem sendo capturado por banqueiros, essa farsa de cumprimento da lei – na verdade, efetivamente um sistema legalizado de extorsão – é a norma aceita.

Mas aqueles que lutam contra Wall Street, esses, sim, vão parar na cadeia – ou pior. Em maio de 2009, por exemplo, Daniel Gherman tentou defender sua casa em Riverside, Califórnia, construindo uma armadilha de bombas falsas em volta dela depois que a hipoteca foi executada. As bombas não funcionavam de verdade, mas o proprietário recebeu quatro acusações de posse de explosivos fac-símile.

Em julho de 2010, um proprietário que enfrentava a execução de sua hipoteca em Illinois dirigiu tarde da noite até uma filial do banco PNC e detonou uma bomba, destruindo o carro e quebrando as vidraças do banco. Ninguém se feriu, e o proprietário, David Whitesell, esperou do outro lado da rua até a polícia aparecer. Aparentemente, sua intenção era fazer uma declaração política. Ele foi acusado de incêndio criminoso e de danos à propriedade com dispositivo incendiário.

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Em fevereiro de 2011, um homem chamado Elias Mercado, de San Marcos, Califórnia, entrou com seu carro pela porta da frente de uma filial do Bank of America às 4h da manhã. De acordo com reportagens, ele passou por duas portas de vidro e atingiu uma mesa de centro, uma parede, um cubículo, um contador de caixa e várias plantas. Ele deu ré algumas vezes, atingindo mais móveis, e fugiu pela entrada que tinha criado ao derrubar as duas portas de vidro. Seu carro deixou um rastro de partes do banco. Mais tarde ele foi pego e acusado de invasão e tentativa de fuga.

Em abril de 2012, um homem chamado James Ferrario, armado com um fuzil, baleou e matou um xerife e um chaveiro em Modesto, Califórnia, quando os dois tentavam despejá-lo de seu apartamento. E assim por diante. Um homem na Flórida, acusado de incêndio criminoso e tentativa de homicídio, incendiou sua casa quando a hipoteca foi executada. Outro homem da Flórida derrubou sua casa com um trator antes que o banco viesse tomá-la. Um homem na Califórnia, temendo virar mendigo e sofrendo de uma doença fatal, roubou US$ 107 mil de um Bank of America para pagar sua hipoteca com juros de 17%.

É uma ladainha deprimente. Nenhum cidadão veio para ajudá-los, nenhum fazendeiro com uma corda apareceu na porta deles, nenhum grupo resolveu apoiá-los. Seus atos de desafio foram raivosos, isolados, desesperados e acabaram não significando nada.

Em setembro de 2011, o Occupy Wall Street surgiu na cena. Ali estava um movimento que prometia unir as pessoas contra a indústria bancária. Passei um bom tempo no Zuccotti Park, o quartel-general dos manifestantes, como repórter – apesar de também acreditar no movimento. Quando vi uma garota segurando um cartaz escrito WALL STREET: O INIMIGO DA HUMANIDADE, eu quis abraçá-la. Eu queria contar a ela a história de Milo Reno e Wild Bill.

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A autópsia do movimento oferecida pela mídia foi a incapacidade dos manifestantes de formular metas tangíveis, a falta de exigências, a adesão firme aos princípios de "não hierarquia", a recusa em eleger uma liderança, a falta de vontade em abraçar o tradicional sistema de grupo político – tudo resultando em sua autodestruição. O Occupy, fomos levados a acreditar, morreu por causa de seu próprio enquadramento insustentável.

Mas essa não foi a história toda, claro. Um movimento que jurou desfazer Wall Street foi desfeito, em parte, pelos governos federal, estadual e local, empenhados em proteger o conglomerado financeiro. Sabemos disso por causa do trabalho sem fins lucrativos da Partnership for Civil Justice Fund, que, em 2012, obteve uma resma de documentos do Departamento de Justiça, do FBI e do Departamento de Segurança Nacional (memorandos, e-mails e briefings) detalhando como o Occupy foi levado à destruição. A documentação mostrava que o FBI, o DSN e os departamentos de polícia locais se coordenaram para vigiar, se infiltrar e minar os acampamentos Occupy por toda a nação.

"Desde de sua criação, o FBI tratou o movimento Occupy como uma ameaça potencialmente criminosa e terrorista", explicou Mara Verheyden-Hilliard, diretora-executiva do PCJF. Ramos antiterror do FBI entraram em ação para lidar com a ameaça dos occupiers – que, vale a pena lembrar, praticavam uma filosofia de não violência e desobediência civil. Os documentos pesadamente editados até citavam membros do movimento Occupy em Nova York, Seattle, Austin, Houston, Dallas e San Antonio que seriam alvos de assassinato por uma pessoa ou pessoas que o FBI se recusou a identificar. De acordo com os documentos, "[nome editado] planejava reunir inteligência contra os líderes dos grupos de protestos e obter fotografias; então, formular um plano para matar a liderança através de franco-atiradores". O FBI nunca informou os occupiers sobre esse perigo.

Segundo Verheyden-Hilliard, em vez de proteger cidadãos de um possível assassinato, a lei federal acabou sendo um "verdadeiro braço de inteligência para Wall Street e a América Corporativa". E quando o golpe final veio, como o jornalista Dave Lindorff relatou, o FBI e o DSN ajudaram a lei local a planejar e executar batidas pesadas nos acampamentos, o que afastou os occupiers do Zuccotti Park e dos acampamentos em outras cidades. Essas batidas eram caracterizadas por demonstrações terríveis de força. Espancamentos, gás lacrimogêneo, prisões em massa de manifestantes pacíficos: foi assim que o Occupy acabou. Os manifestantes não ofereceram resistência organizada. Eles se espalharam como folhas.

O sociólogo Max Weber uma vez observou que "o Estado moderno é um associação compulsória que organiza a dominação. Isso [busca] monopolizar o uso legítimo de força física como meio de dominação". Esse monopólio de violência é a característica que distingue a Nação-Estado moderna, de acordo com Weber. Mas o sociológo alertou que o uso de força física pelo Estado vem com uma ressalva: ele tem de provar sua legitimidade protegendo os interesses do público – digamos assim: quando a polícia defende uma multidão de um maníaco armado.

Os maníacos de Wall Street, claro, têm amigos nos altos escalões do governo – um governo vendido, que trabalha como servo dos ricos e poderosos, cuja legitimidade como protetor do interesse público parece cada vez mais suspeita. As pessoas têm o direito moral de se erguer contra tal instituição e, em último caso, questionar seu monopólio da violência: essa é a revolução imperativa. Mas boa sorte com isso na nossa era de dispositivos de controle de multidão, unidades policiais militarizadas, drones, sistemas de vigilância em massa e leis domésticas que transformam até mesmo protestos pacíficos em atos criminosos em potencial. O aparato de dominação do Estado cresceu ainda mais, se tornando mais poderoso, complexo, efetivo e aterrorizante – ao mesmo tempo, a dominação do Estado por interesses corporativos prosperou como nunca. Duvido que, hoje, os fazendeiros de Le Mars tivessem sobrevivido por dez minutos com seu patético laço de corda.

Quando Kurt Aho atirou nos pneus dos carros dos investidores, um enxame de agentes da polícia de Phoenix apareceu na porta de sua casa, incluindo um veículo blindado, uma unidade da SWAT e um time de franco-atiradores posicionados nos telhados próximos. Segundo a polícia, eles mandaram Aho sair do prédio, largar a arma e se aproximar do veículo blindado com as mãos na cabeça. Ele apareceu na porta, sem camisa, com a pistola numa mão e uma cerveja na outra. Houve uma rodada de negociação. Aho se recusou a sair da propriedade. "Vocês vão ter de me matar", ele impôs.

Tammy Aho correu até a casa do pai e implorou para que os policiais a deixassem falar com ele. Ela também tinha perdido recentemente sua moradia para a hipoteca e pretendia se mudar para a casa do pai. "Não só ele se tornaria um sem-teto se perdêssemos o lugar", me explicou Tammy. "Meus filhos e eu também ficaríamos sem um teto".

Os policiais negaram. "Eu disse para a polícia: 'Se vocês vão atirar nele, atirem nos joelhos. Mas eles não me ouviram'."

Uma hora de impasse se passou. Kurt bebeu sua cerveja. O que aconteceu depois é discutido. A polícia postula que Kurt abriu fogo e que seus agentes responderam com balas de borracha, o acertando no braço e o derrubando. Tammy Aho diz que os policiais abriram fogo sem provocação e que, só então, Aho disparou algumas vezes, acertando o veículo blindado. Uma bala no peito o matou instantaneamente em seu jardim. "Depois de matar meu pai", me disse Tammy, "os policiais se sentaram na calçada para comer pizza, tirando fotos uns dos outros e rindo como se aquilo não fosse nada".

Mas os policiais estavam totalmente despreparados para o caos que se seguiria. Uma multidão armada, gritando coisas como "polícia assassina", emergiu do chão como larvas e abriu fogo. Os dois investidores que tinham tirado a casa de Aho, acompanhados de um vice-presidente do Bank of America, foram baleados pelas costas; em seguida, homens da vizinhança carregando machados e pás terminaram o trabalho, esmagando seus crânios. O veículo blindado foi virado, o motorista fugiu. Milhares de cidadãos se aglutinaram em frente à casa de Aho, armados com espingardas, AR-15s, Kalashnikovs. Boa parte dos policiais – cercados, desarmados e em menor número – se juntaram à nascente Milícia dos Cidadãos Proprietários, que declarou o bairro uma Zona Livre de Bancos na América.

Você não ouviu falar sobre essa revolta nos jornais. Claro, ela nunca aconteceu.

Tradução: Marina Schnoor